OPINIÃO
Campo
das Cebolas: Outro “Metro do Terreiro do Paço”?
S. POMPEU SANTOS
06/04/2016 - PÚBLICO
Já é tempo de as
obras em Portugal, em particular as realizadas por iniciativa de
entidades públicas, serem realizadas de acordo com regras claras e
processos adequados.
Vai para 16 anos que
ocorreu o acidente no túnel do Metro em frente ao Terreiro do Paço,
em junho de 2000.
Quando se iniciava a
construção da futura estação, com a execução de furos pelo
interior da parede do túnel, deu-se a entrada de água e terras com
grande pressão para dentro do túnel, provocando o seu colapso
naquela zona. O discernimento de alguns responsáveis, tomando a
iniciativa de inundar o túnel através da introdução de água
pelas extremidades, conseguiu evitar um desastre de maiores
proporções. O acontecimento provocou grande escândalo na época,
com discussões políticas acesas, inclusive uma comissão
parlamentar de inquérito.
Para além da linha
do Metro propriamente dita, o grande prejudicado pelo sinistro foi o
edifício do Ministério das Finanças, um edifício pombalino
classificado, situado na ala oriental da praça do Terreiro do Paço,
e que fica mesmo em frente ao local do acidente. Os danos no edifício
foram significativos, nomeadamente no torreão nascente da praça,
com assentamentos e fendilhações nas paredes pombalinas.
As obras de
construção da estação estiveram paradas durante vários anos,
tendo sido retomadas adotando uma nova solução construtiva, com
cortinas de estacas de betão executadas até ao nível do “fixe”,
que naquele local está a mais de vinte metros de profundidade.
Apesar do custo adicional significativo foi assim possível realizar
a obra da estação sem mais percalços e a linha do Metro pôde
abrir sete anos mais tarde, no final de 2007.
O edifício do
Ministério das Finanças é que não teve a mesma sorte. Relatórios
e mais relatórios, as administrações do Metro foram-se sucedendo
umas às outras, mas continua tudo na mesma. Como é fácil de
constatar, os danos continuam por reparar e nalgumas situações
estão-se mesmo a agravar por efeito dos agentes atmosféricos. Além
disso, tudo aquilo dá muito mau aspeto, numa altura em que o
Ministério das Finanças é visitado regularmente por delegações
do FMI, da EU e do BCE, no âmbito da assistência financeira a
Portugal.
Com a reparação
desses estragos ainda à espera de solução, eis que novo perigo
espreita o referido edifício bicentenário. Agora é a Câmara de
Lisboa, do lado nascente, a construir um silo para parqueamento
automóvel, no Campo das Cebolas, antigo sítio da Ribeira Velha.
A obra foi
apresentada com pompa e circunstância numa cerimónia com grande
espalhafato mediático, realizada no local, no final do ano passado,
integrada num conjunto de iniciativas do mesmo género com que o novo
Presidente da Câmara, Fernando Medina (que ocupa o cargo desde que
António Costa foi para secretário-geral do partido socialista),
pretende “mostrar obra” nas eleições autárquicas que irão ter
lugar no próximo ano.
Contudo, a obra é
estranha. Para além de infografias com a antevisão do que vai ser,
no futuro, a praça, à superfície, nada mais foi tornado público,
nomeadamente como vai ser o silo automóvel e como vai ser
construído. De notar que, tal como no Terreiro do Paço, os terrenos
ali são aterros realizados no rio Tejo, e embora o “fixe” esteja
já um pouco mais alto, os aterros chegam a ultrapassar os quinze
metros de espessura.
Ora, o que se vê no
local é um tapume a toda a volta da praça e uma máquina a cravar
estacas metálicas que faz estremecer os edifícios à volta, em
particular o edifício do Ministério das Finanças, que fica mesmo
ao lado. Ora, a cravação de estacas daquela maneira, além de
vibrações no edifício, provoca a compactação e o assentamento
dos aterros, o que pode pôr em risco a segurança do edifício. É
preciso notar que os edifícios pombalinos estão assentes em estacas
de madeira, mas estas não vão até ao “fixe”, ficam apenas na
camada superficial do terreno, pelo que estes edifícios estão como
que a “flutuar” sobre os aterros.
Quando não foram
ainda reparados os danos provocados pelo acidente de 2000, será que
o edifício corre o risco se ser de novo afetado?
Já é tempo de as
obras em Portugal, em particular as realizadas por iniciativa de
entidades públicas, serem realizadas de acordo com regras claras e
processos adequados, de modo a salvaguardar a segurança de pessoas e
bens.
Não deveria a
Câmara de Lisboa dar o exemplo?
Engenheiro civil
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