segunda-feira, 1 de julho de 2013

Suicídios misteriosos, o banco Ambrosiano, as contas da máfia, de políticos ou da maçonaria. É possível apagar o passado obscuro do IOR?


Fantasmas do passado. Os negócios pouco santos do banco do Vaticano.


Por Rosa Ramos in Público
publicado em 1 Jul 2013


Suicídios misteriosos, o banco Ambrosiano, as contas da máfia, de políticos ou da maçonaria. É possível apagar o passado obscuro do IOR?

O Instituto para as Obras Religiosas (IOR) foi criado durante a segunda guerra mundial para administrar as contas dos principais clérigos. Os escândalos começaram logo na década de 1980, a seguir à falência do Banco Ambrosiano – banco privado italiano que era detido em 16% pelo IOR. A bancarrota veio expor um buraco de 1,4 mil milhões de euros no Ambrosiano e de 250 milhões no IOR. No decurso das investigações, percebeu-se que Paul Marcinkus, presidente do banco do Vaticano, teria deixado passar dinheiro não contabilizado pelo IOR. O arcebispo só não foi detido porque o Vaticano lhe deu asilo.
Pouco tempo depois, aparecia um cadáver numa ponte de Londres. Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, ter-se-á enforcado. Os investigadores acreditavam que, pelo IOR e pelo Ambrosiano, teriam passado dinheiros para o financiamento de um sindicato polaco e da loja maçónica P2.
Há três anos, um jornalista italiano, Gianluigi Nuzzi – o mesmo que teve acesso aos documentos que deram origem ao Vatileaks –, revelou em livro um arquivo de cinco mil papéis do IOR, compilados por um antigo monsenhor, Renato Dardozzi, e deixados em testamento. Os documentos permitem reconstruir as operações do IOR entre as décadas de 1970 e 1990 e mostram que o banco terá servido para domiciliar contas da máfia. Foi criado, no banco, um sistema de contas encriptadas. “Eram abertas em nome de fundações que não existiam, como o ‘fundo para a leucemia’ ou ‘fundo para as crianças pobres’”, contou ao i Gianluigi Nuzzi. As contas eram identificadas apenas por códigos numéricos, que conduziam a pseudónimos dos titulares – como “Roma”, “Ancona”, Omissis” (este último seria Giulio Andreotti, primeiro-ministro de Itália por sete vezes pelo partido democrata-cristão). Por estas contas terão passado, ao longo dos anos, entre 276 e 300 milhões de euros. Em 1992 arrancou, em Itália, a operação “Mãos limpas”, que tinha como alvo os políticos da primeira república, depois do escândalo do megassuborno Enimont. Percebe-se então que boa parte do dinheiro tinha passado pelo banco do Vaticano, sendo depois depositado em contas no estrangeiro.
O arquivo de Dardozzi mostra, por outro lado, que João Paulo II foi informado das irregularidades em 1992 e nada terá feito. Outra conclusão de Nuzzi é que o Papa tem direito a um fundo pessoal e confidencial no banco, que escapa aos balanços oficiais que a Santa Sé apresenta todos os anos. Só em 1993, João Paulo II terá arrecadado 121,3 milhões de euros.
Chegado ao Vaticano, Bento XVI tentou dar a volta à situação e resolver o enorme problema de imagem do IOR. Em Setembro de 2009, nomeou o banqueiro Ettore Tedeschi para presidente do banco. Tedeschi ajudou o Papa na preparação da encíclica Caritas in Veritate, que propõe mais justiça e regras mais transparentes para o sistema financeiro mundial. A missão do banqueiro era limpar o banco. Uma missão que se viria a revelar impossível: Tedeschi manteve-se no cargo por três anos, mas foi demitido repentinamente em 2012 por supostas irregularidades de gestão. A detenção ocorreu poucas horas antes de o mordomo do Papa ser detido por vazamento de documentos para a imprensa. O escândalo Vatileaks tinha feito as primeiras vítimas.

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