UE ameaça EUA com "consequências tremendas" se se confirmarem escutas.
Por Rita Siza in Público
01/07/2013
Na Alemanha, recordam-se os tempos da polícia política Stasi, em França, ameaça-se romper as negociações para um tratado de livre comércio com os EUA. É verdade que a América espia os aliados?
O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, foi o primeiro a reagir: a ser verdade a notícia que hoje é publicada pelo semanário alemão Der Spiegel, de que o programa de espionagem e vigilância electrónica dos Estados Unidos envolveu escutas na sede da representação da União Europeia em Washington e a intercepção de mensagens electrónicas dos seus diplomatas, as relações entre os dois blocos transatlânticos ficarão irremediavelmente comprometidas. "As consequências serão tremendas", avisou Schulz.
Além do Parlamento Europeu, a Comissão Europeia e os governos da França e Alemanha exigiram a Washington o "esclarecimento imediato" dos factos descritos na Der Spiegel, com base em informações disponibilizadas por Edward Snowden, o analista norte-americano e ex-consultor da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) que expôs publicamente o funcionamento do programa secreto de vigilância electrónica PRISM.
Segundo o artigo, as comunicações das instituições europeias são um dos "alvos" do programa de recolha sistemática de dados electrónicos conduzido pela NSA, e que, como tem repetido o Governo americano desde que rebentou o escândalo, tem como objectivo identificar suspeitos de terrorismo, prevenir acções de grupos extremistas e combater o crime organizado.
Mas o artigo indica que diplomatas e funcionários de organizações internacionais também estarão a ser vigiados pelos serviços secretos dos EUA: a NSA terá instalado microfones de escuta nos escritórios da União Europeia em Washington e em Bruxelas, e interceptado o sistema de telecomunicações e a rede informática interna para ter acesso aos dados do tráfico telefónico e de Internet. Um esquema semelhante terá sido montado para espiar as Nações Unidas em Nova Iorque, diz a revista alemã, citando um documento "ultra-secreto" da NSA de 2010.
"É inimaginável e incompreensível que os nossos aliados norte-americanos encarem os europeus como inimigos. É óbvio que estas escutas não podem ser explicadas com o argumento do combate ao terrorismo", declarou a ministra da Justiça da Alemanha, Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, que considerou que os factos publicados recordam os procedimentos utilizados pelos blocos inimigos durante o período da Guerra Fria.
Alemanha de terceira classe
A revista apresentou alguns números impressionantes sobre o alcance do programa: por exemplo, durante um mês, são recolhidos e armazenados metadados de 500 milhões de ligações telefónicas, mensagens de texto e comunicações electrónicas só na Alemanha.
Segundo os documentos fornecidos por Snowden, para os serviços norte-americanos o aliado germânico merece o mesmo estatuto da China, do Iraque ou da Arábia Saudita em termos de "supervisão". Estes países são alguns dos que constam na lista de "parceiros de terceira classe" da NSA: "Podemos atacar os sinais da maior parte dos nossos parceiros estrangeiros de terceira classe, e naturalmente que o fazemos", diz um documento interno citado pela Spiegel.
Em comunicado, a Procuradoria Federal da Alemanha anunciou a abertura de um inquérito preliminar às alegações publicadas, com o objectivo de apurar a existência ou não de uma "base factual sólida" que sustente uma investigação formal. O documento avançava ainda que qualquer cidadão tem o direito de apresentar uma queixa criminal em nome individual - a memória da vigilância exercida pela polícia política Stasi ou pela Gestapo torna o assunto especialmente "perturbante" para os alemães, notava a Reuters.
Em França, serão "filtrados" os dados de cerca de dois milhões de conexões por dia, alega o artigo. O Governo de Paris também frisou o seu incómodo e até avançou uma proposta de retaliação: a suspensão das negociações para um tratado de livre comércio entre a UE e os EUA, em preparação há anos. "Não se pode negociar um grande mercado transatlântico enquanto houver a mínima suspeita de espionagem nos gabinetes dos nossos negociadores", concordou a comissária europeia para a Justiça, Viviane Reding.
Nenhum porta-voz dos serviços secretos dos EUA reagiu à notícia do Der Spiegel. Na Casa Branca, o vice-conselheiro para a segurança nacional, Ben Rhodes, notou que "os europeus são um dos parceiros com quem temos uma relações mais próximas em termos de serviços secretos". Acrescentou que tal como aconteceu com as notícias iniciais sobre o programa PRISM nos jornais The Guardian e The Washington Post, a administração "não tenciona fazer qualquer comentário sobre a divulgação não-autorizada de operações dos serviços secretos".
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