SEF apagado da Segurança Interna. PSP e GNR criam serviço
para controlar fronteiras e imigrantes
O ministro Eduardo Cabrita enviou esta semana à reunião
de secretários de Estado os diplomas relacionados com a extinção do SEF. A
polícia de estrangeiros e fronteiras com 35 anos de vida será eliminada do
Sistema de Segurança Interna, as suas funções administrativas distribuídas pelo
novo Serviço de Estrangeiros e Asilo e as policiais pela PJ, GNR e SEF. O
parlamento ainda terá uma palavra a dizer.
Valentina
Marcelino
24 Junho 2021 —
01:16
Para extinguir o
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), distribuir competências e criar um
novo serviço, o ministério da Administração Interna (MAI) preparou e apresentou
um total de cinco diplomas na reunião de secretários de Estado desta semana.
Quatro propostas
de alteração a leis para serem votadas no parlamento e o projeto de decreto-lei
que cria o novo Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA).
A Lei de
Segurança Interna (LSI) e a Lei de Organização e Investigação Criminal (LOIC)
deverão ser alteradas, caso as propostas do governo obtenham a aprovação da
maioria dos deputados, de forma a eliminar todas as referências ao SEF, que
deixará de existir no Sistema de Segurança Interna e na investigação criminal
do nosso país.
De acordo com
fontes governamentais e policiais que conhecem estes documentos, o MAI
apresentou também propostas de alteração às leis orgânicas da GNR e da PSP para
criar novos serviços para controlar fronteiras e imigrantes, as quais terão de
ser igualmente sujeitas ao escrutínio da Assembleia da República.
Fica assim
concretizado, da parte do MAI, o princípio do fim do SEF (criado em 1986, há 35
anos, depois de ser Serviço apenas Serviço de Estrangeiros 10 anos), no
seguimento de um ano em que a atuação desta Polícia ficou irremediavelmente
marcada pela morte do cidadão ucraniano Ihor Homemiuk, à sua guarda, no
aeroporto de Lisboa, pela qual foram condenados três inspetores e está ainda em
curso uma investigação criminal ao encobrimento do homicídio, cujo inquérito da
Inspeção-Geral da Administração Interna já levou à instauração de processos
disciplinares a outros nove inspetores.
Controlo de fronteiras
e operações relacionadas com a permanência ilegal de imigrantes ficam a cargo
da GNR e da PSP, enquanto toda a investigação criminal de crimes como o tráfico
de seres humanos e auxílio à imigração ilegal fica com a Polícia Judiciária
que, de resto, já tinha essa competência na LOIC.
A PJ não
necessitará sequer de alterar a sua lei orgânica para absorver estes processos,
nem para integrar os inspetores e coordenadores o SEF nos seus quadros, ao
contrário da GNR e da PSP.
Novos organogramas na GNR e PSP
Os organogramas
de ambas as forças de segurança serão reforçados com uma nova unidade destinada
a herdar várias funções relacionadas com o controlo de fronteiras e de
imigrantes que estavam sob alçada do SEF.
Na GNR, a atual
Unidade de Controlo Costeiro (UCC) passa a chamar-se Unidade de Controlo
Costeiro e Fronteiras (UCCF) e será responsável pela vigilância, fiscalização e
controlo das fronteiras marítimas e terrestres.
A Guarda terá
também competência para a fiscalização e controlo da permanência dos
estrangeiros; pela execução dos processos de afastamento coercivo e de expulsão
judicial de estrangeiros; e pela realização de controlos móveis e de operações
conjuntas com forças e serviços de segurança espanhóis.
No caso da PSP, o
organograma contará com um novo diretor nacional adjunto que dirigirá a
"unidade de segurança aeroportuária e controlo fronteiriço", a qual
se junta às três já existentes, de operações e segurança, de recursos humanos e
de logística e finanças.
Esta força de
segurança, essencialmente urbana, será responsável pela vigilância,
fiscalização e controlo das fronteiras aeroportuárias e terminais de cruzeiro
e, tal como a GNR, fiscalizará a permanência de imigrantes em território
nacional e tratará das expulsões.
Na Lei de
Segurança Interna e na Lei de Organização da Investigação Criminal as
alterações são cirúrgicas, mas com um simbolismo histórico no Sistema de
Segurança Interna: é a primeira vez deste que estes diplomas foram aprovados,
que uma Polícia é apagada e eliminadas todas as referências à mesma.
Por exemplo na
LSI, no que diz respeito à "natureza e composição do Conselho Superior de
Segurança Interna" (o órgão interministerial de audição e consulta em
matéria de segurança interna) deixa de integrar o diretor nacional do SEF,
enquanto representante e órgão de polícia criminal, e passa a integrar o
diretor do novo Serviço de Estrangeiros e Asilo (SEA)
SEA com 13 cargos dirigentes
A criação do SEA
será determinada através de decreto-lei, podendo não necessitar de ser sujeita
ao escrutínio dos deputados, a não ser que seja pedida a sua apreciação
parlamentar, o que não será de descartar uma vez que foi aprovada por todos os
partidos, à exceção do PS, uma resolução a recomendar ao governo que todas as
medidas de reestruturação do SEF fossem submetidas à Assembleia da República.
De acordo com a
proposta que foi entregue na reunião de secretários de Estado, o SEA terá como
missão "a concretização das políticas públicas em matéria migratória e de
asilo" através " da emissão de documentação para a entrada e
permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros, e a execução da
política de cooperação internacional do Estado Português no âmbito das
migrações e asilo".
Na sua cúpula
terá um diretor-geral e dois subdiretores-gerais, com um total de 13 cargos
dirigentes: além destes três, dois diretores centrais, sete diretores regionais
e um coordenador do Gabinete de Inspeção.
Todos os
"bens, direitos e obrigações de que o SEF é titular ou beneficiário"
passam automaticamente, à data de entrada em vigor do decreto-lei, para o SEA,
incluindo arquivos, acervos documentais e as bases de dados administrativas e
policiais - às quais fica obrigado a dar acesso à PJ, GNR e PSP, no âmbito das
respetivas competências.
Entre as diversas
responsabilidades que lhe são acometidas, está a emissão e prorrogação de
autorizações de residência; a decisão sobre a aceitação e análise dos pedidos
de asilo; a coordenação dos programas de reinstalação de refugiados; e emitir
pareceres sobre pedidos de vistos consulares e de concessão de nacionalidade
portuguesa.
As renovações das
autorizações de residência também poderão ser tratadas pelo Instituto de
Registos e Notariado (IRN) de forma a, sublinha o MAI, "permitir que os
cidadãos que os cidadãos que residam de forma regular em território nacional
possam tratar de forma mais ágil dos respetivos processos documentais à
semelhança do que é assegurado aos cidadãos nacionais".
Não há referência
nos diplomas à responsabilidade sobre os Centros de Instalação Temporária (CIT)
e Equiparados (como o de Lisboa, onde morreu Ihor Homeniuk a 12 de março de
2020).
A PSP será a
responsável pela segurança aeroportuária e pelo controlo de imigrantes em
situação ilegal, como os que se encontram no CIT, a quem a entrada é recusada,
mas o universo de competências do SEA poderá também incluir esses centros de
detenção.
No plano
internacional, propõe o decreto-lei que o SEA represente o Estado português no
Comité Estratégico da Imigração, Fronteiras e Asilo, no Grupo de Alto Nível do
asilo e da Migração, bem como nas agências europeias, como é o caso da Frontex.
Terá também a incumbência de coordenar a ação dos oficiais de ligação de
imigração, que estão colocados em várias embaixadas no estrangeiro.
Carreiras protegidas?
O governo quer
assegurar que as situação dos funcionários do SEF, polícias e civis, não será
prejudicada na transição para os novos serviços. Diz a proposta de decreto-lei
que "a transição do pessoal do SEF para outras forças e serviços de
segurança não pode implicar a redução das respetivas categorias, antiguidade e
índice remuneratório".
Independentemente
das regras em vigor nestas instituições, podem passar obrigatoriamente à
disponibilidade quando atingir os 60 anos ou, por despacho da tutela, a pedido
do funcionário, quando tenha completado 55 anos ou 36 anos de serviço.
Na PJ os salários
são semelhantes e a interação na carreira de investigação criminal estará
facilitada, mas na GNR e na PSP será criada uma carreira de inspeção e
fiscalização fronteiriça.
As pessoas da
carreira de investigação e fiscalização do SEF que transitem para o SEF, podem
fazê-lo num quadro de adido que será extinto quando vagar.
Da mesma forma,
os lugares que sejam ocupados por inspetores que forem para a PSP e GNR serão
extintos quando estes passarem à disponibilidade, podendo estas funções ser
ocupadas por pessoas da nova carreira, cuja remuneração é substancialmente mais
baixa.
Os critérios para
a transição do pessoal serão fixados por portaria do MAI e criação dos quadros
e mapas de pessoal terá também o envolvimento dos ministérios da Justiça e da
Modernização do Estado e da Administração Pública.
Todos os
funcionários podem, no prazo de um ano, a contar da data da entrada em vigor do
decreto-lei, solicitar a mobilidade para a GNR, PSP, PJ e SEA. O pessoal das
carreiras gerais também pode pedir para ir para o IRN.
Paradigma "humanista" e "sem
suspeição"
Este pacote de
alterações legislativas terá de ser aprovado até ao final do mês para que seja
cumprida a meta de Eduardo Cabrita de concluir este processo no primeiro
semestre do ano.
"É com base
no novo paradigma para as migrações que o programa do governo prevê a mudança
na forma como a Administração Pública se relaciona com os imigrantes",
assinala o governo no enquadramento destas reformulações legislativas.
Dessa forma, é
estabelecido que "não deve existir qualquer suspeição sobre quem imigra ou
pretende imigrar". Em vez disso "a pessoa imigrante deve ser encarada
como alguém em busca de melhores oportunidades de vida e que, verificados os
condicionalismos legais, pode dar um contributo útil para o desenvolvimento o
país".
O MAI lembra que
"esta abordagem humanista ao fenómeno migratório, sem descurar
preocupações com a segurança interna e o combate ao tráfico de de seres
humanos" está prevista no programa de governo da atual legislatura, que
teve início em 2019, "o qual prevê a separação orgânica entre as funções
policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de
imigrantes".
Esta separação
visa, alega, "melhorar as condições para uma abordagem dos fluxos
migratórios centrada no reconhecimento da dignidade dos migrantes e da
importância do seu contributo para a sociedade portuguesa".
Apesar de estar
no programa de governo há mais de um ano, só em dezembro de 2020 esta medida só
começou a emergir na agenda do MAI quando foi anunciada a cessação de funções
da diretora nacional do SEF, Cristina Gatões (já sob elevada pressão há várias
semanas, tal como o próprio Ministro) a poucos dias de ser ouvida no parlamento
para explicar a sua atuação - que nunca foi esclarecida até agora - no caso da
morte de Ihor Homeniuk, nas instalações deste serviço de segurança no aeroporto
de Lisboa a 12 de março de 2020, nove meses antes.
No comunicado
oficial do MAI, datado de nove de dezembro, era dito que este ministério iria
"iniciar de imediato um trabalho conjunto entre as Forças e Serviços de
Segurança para redefinir o exercício das funções policiais relativas à gestão
de fronteiras e ao combate às redes de tráfico humano", prevendo que
"a redefinição de competências em matéria de controlo de fronteiras e
investigação criminal entre as diversas Forças e Serviços de Segurança"
estivesse "concretizada durante o primeiro semestre de 2021" e que
era nesse "novo quadro institucional que a Diretora Nacional do Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras, Cristina Isabel Gatões Batista" cessava funções
"a seu pedido e com efeitos imediatos".
Perante os
protestos dos sindicatos do SEF e de todos os partidos da oposição,
principalmente do PSD e do CDS, contra a ausência de diálogo e conversações
sobre um processo tão sensível como é a extinção de uma Polícia com as
competências e know how do SEF, o Ministro Eduardo Cabrita só cedeu a levar
esta reforma ao parlamento no início deste mês, depois de o PS ter votado
contra a resolução nesse sentido do CDS e depois também de juristas
reconhecidos, entre os quais Jorge Miranda, terem feito pareceres a defender a
competência exclusiva da Assembleia da República nesta matéria.
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