Foi na loja do mestre André que Berardo comprou o
pifarito
Pedro Santos
Guerreiro
“A detenção de
Berardo é um passo na história por julgar. Mas o facto mais surpreendente é a
detenção de André Luiz Gomes, braço-direito que durante vinte anos fez os
canhotos dos contratos, usando fundações, associações e matrioskas para
torpedear bancos e Estado. Deter um advogado é um atrevimento do MP. Aplaudo.
Mas este precedente deflagra uma granada nos grandes escritórios de advocacia.
A detenção só é compreensível se os indícios forem fortes. E por o caso ter a
Caixa por trás e o Estado como lesado. Menos surpreendente será se ambos
ficarem em preventiva. Mas o caso não fica por aqui. Não pode ficar por aqui.
Tem de subir às administrações da Caixa que assinaram créditos e aos
governantes que assassinaram acordos, nisso incluindo a escolha de um poeta
para negociar com um tubarão. Porque no fim acabamos sempre no princípio, na
tomada de poder da banca no governo Sócrates, mas 15 anos disto tiveram muitas
assinaturas. Todos foram incompetentes. Alguns foram algo pior. (...)
Foi na loja do
mestre André que Berardo comprou o pifarito, o tamborzinho, o violão e o
pandeiro com que nos deu música nos últimos vinte anos, tiro liro li vinte anos
de utilização de empresas, fundações, associações, coleções que lhe permitiram
otimizações fiscais, raides em Bolsa, créditos bancários, negócios com o
Estado. A loja é o escritório do advogado André Luiz Gomes, que sempre defendeu
os interesses de Berardo e que agora é finalmente suspeito de nisso lesar
interesses do Estado. (...)
Em 2006, “o
senhor comendador” passou das páginas da economia para o papel de bobo da
Corte, a quem quase toda a gente achava um piadão porque dava entrevistas
fucking hilarious enquanto ascendia à mesa dos grandes através das OPA à PT e
ao BCP, municiado por créditos da CGD, do BCP e do BES.
Ele nunca foi tão
grande quanto as suas dívidas, foi usado e deixou-se usar numa guerra de poder,
tratado como idiota útil mas aplicando-se com um esperto útil a si mesmo,
lucrando o que pudesse e divertindo-se pelo caminho. Não se engane nas datas:
2006. Anos Sócrates, anos Salgado, anos de tomada de poder político e
financeiro da banca portuguesa. Anos da graça de alguns para desgraça de todos.
(...)
A investigação
não pode ficar por aqui. Tem de ir às outras assinaturas dos contratos. Saber
quem, nos bancos, celebrou acordos de créditos, quem os negociou e renegociou
ao longo de anos. E perceber quem não defendeu os interesses do Estado nos
acordos para a coleção Berardo no CCB.
Se tudo começa em
2006, com os créditos que deixariam um calote de mil milhões de euros na banca
portuguesa, é preciso olhar para as várias administrações que negociaram e
renegociaram estes créditos. Em 2006, a administração da Caixa era liderada por
Carlos Santos Pereira e Armando Vara. (...)
Dez anos depois,
em 2016, o Estado renegociou esse acordo, permitiu uma alteração de estatutos e
um aumento de capital da Associação Coleção Berardo que permite a Joe ficar a
controlá-la, e abdicou de uma opção de compra que estava no contrato original.
Essas alterações foram de legalidade duvidosa e prejuízo certo para o Estado,
como aqui escrevi em 2019 (...).
É em tudo isto
que há, no mínimo, incompetência. Basta ver quem negociou o novo acordo com
Berardo do lado Estado, o então ministro da Cultura, Castro Mendes. Entregaram
a negociação com um tubarão a um poeta. É assim que se trata dos interesses do
Estado em Portugal?
E é tudo isto que
tem de ser investigado, não só os negócios do esperto Joe Berardo e do seu
experto André Luiz Gomes, mas também aqueles que permitiram que ambos deixassem
buracos na Caixa e no Estado. (...)
A associação
Berardo & Gomes segue agora para um juiz, mas por prender duas andorinhas
não acaba a primavera. É preciso mais, é preciso continuar a investigar e a
inquirir. Se não, apenas continuaremos nos ai olé, ai olé, foi na loja do
Mestre André.”
Excertos do texto
de hoje no Expresso.
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