Fernando Medina como se fossemos estúpidos
A ordem verbal pode ter sido: “Apanhem lá o Galamba no
exercício entre 2009 e 2011”. Azar, a prática nesse período não era essa.
As novelas, como as
narrativas políticas podem ser escritas e reescritas, a realidade não. E a
realidade é só uma, os serviços da Câmara Municipal de Lisboa, sob a
dependência de Fernando Medina, reencaminharam para os representantes de Putin
em Portugal a comunicação do exercício do direito constitucional de
manifestação, contendo, além da designação do promotor, os nomes dos vários
organizadores, as profissões, as moradas, os contactos e outros dados. E parece
que o fizeram repetidamente em 52 ocasiões desde 2011, altura em que, de forma
populista e irresponsável, o governo PSD/CDS esquartejou os Governos Civis,
cuja previsão legal persiste na Constituição, entregando as competências
supramunicipais de administração interna aos municípios, mais focados nos
interesses dos seus territórios.
Onde há um
problema, há uma certa esquerda da incompetência e uma certa direita dos
negócios competentes que procuram sempre escapulir às responsabilidades
políticas, mobilizando para o feito o passado, as circunstâncias, o futuro ou o
que estiver à mão. Tudo propósitos de “vale tudo” para sacudir a água do capote
quando escasseiam os valores, os princípios e a seriedade política. Aliás,
alguns dos protagonistas deveriam decidir se querem moldar a sua intervenção
presente pelas justificações com o passado ou pela mobilização do futuro para
justificar os disparates na gestão dos territórios, com intervenções desfasadas
da realidade das pessoas, boa parte mais sintonizadas com nichos partidários e
de interesses particulares.
Com o Regulamento
Geral de Proteção de Dados (RGPD) em vigor, descoberta a entrega dos dados
pessoais dos contestatários de Putin à Embaixada e ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros da Federação Russa pela autarquia, começou o esforço de mitigação
e escape da situação. A lei da manifestação de 1974 estava desajustada, a lei
de 2011 para além de anacrónica era omissa sobre os procedimentos, a prática
vinha de trás, dos tempos dos governos civis, num corrupio de narrativas para
aligeirar a coisa, através da miríade de canais de comunicação ao dispor de
quem ao longo de anos tem gasto muito dinheiro em meios e sustentado um dos
principais pilares do poder interno no Partido Socialista, em especial, nas
ausências do exercício do poder central.
E lá ordenaram
uma auditoria interna aos procedimentos internos, pressupondo o aturado
vasculho do arquivo do Governo Civil de Lisboa sobre a matéria, depositado em
2011 na órbita da Câmara Municipal de Lisboa, para sustentar o conforto da
justificação do presente com o passado no reenvio das comunicações de
manifestações dos promotores para os visados. A ordem verbal pode ter sido:
“Apanhem lá o Galamba no exercício entre 2009 e 2011”. Azar, a prática nesse
período não era essa, a do reenvio das comunicações com todos os dados dos promotores,
a maioria organizações coletivas, mas apenas da informação essencial sobre os
eventos (designação do promotor, dia e período horário), que não nasciam de
geração espontânea, sem promotores. E sim eram enviados para o gabinete do
primeiro-ministro, o ministério da administração interna, para as forças de
segurança e para as embaixadas quando era o caso, por terem uma proteção legal
própria, sendo territórios soberanos dos respetivos países. Ainda assim, como
em 2002 parece que o modus operandi era o mesmo da atual gestão municipal,
ainda que sem RGPD no horizonte, Fernando Medina não prescindiu de ensaiar a
narrativa da desculpabilização com o passado e da ilibação do seu antecessor,
António Costa, insatisfeito com a lei. Nas dinâmicas das instituições, há
sempre quem tenha muito cuidado com a predisposição dos sucessores para a
proteção do passado, uma espécie de compromisso de honra de não vasculho da
memória e de proteção do acervo passado da ação. Constata-se a relevância da
coisa.
Não encontrado o
adequado bode expiatório no passado, resolveram enxamear a comunicação social
com dados e cópias de ofícios do Governo Civil de Lisboa de entre 2009 e 2011
que desmentiam a similitude das práticas com a gestão de Costa e Medina, porque
não materializavam o envio de dados dos promotores além do essencial, não
reencaminhavam as comunicações dos promotores com todos os dados e tinham
subjacente o envio de informação para as tutelas, para quem operacionalização a
proteção do direito de manifestação e da ordem pública ou para quem estaria
sujeito a limitações de mobilidade, tendo proteção legal especial. Como é
padrão em algumas formas de estar na vida pública, aduziram às conclusões
concebidas, os convenientes bodes expiatórios na estrutura de subordinados e era
suposto a situação levar o carimbo de “não assunto”, tantas vezes aposto com a
anuência mediática e pública.
Deixei de ter
responsabilidades políticas públicas há uma década, não tenho nenhuma intenção
de voltar para o registo de “vale tudo”, de irresponsabilidade política e de
falta de princípios em vigor, mas não aceito que um qualquer, só porque tem
poder, recursos e rede de sustentação dos seus interesses possa esboçar o
abocanhar do sentido de missão do desempenho das funções de Governador Civil de
Lisboa. Lá por estarem na lama, por ação e omissão própria, não enlameiam quem
nunca esteve e espera estar, depois de três décadas de intervenção política e
pública ativas.
Lisboa tem bons
autarcas no ativo, esperemos que as maçãs tocadas não contagiem as sãs, porque
a alternativa a alguma esquerda incompetente, que também faz negócios, não é a
direita dos interesses particulares, competente nos negócios.
O país precisa de
mais, mas não tem, e o povo parece gostar. Comigo não!
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