Santos Ferreira suspeito de favorecer Berardo enquanto
liderava Caixa
Empresário madeirense que foi detido esta terça-feira
está indiciado por vários crimes, incluindo corrupção. Vai ser ouvido esta
quarta-feira pelo juiz Carlos Alexandre.
Mariana Oliveira
e Sónia Trigueirão
30 de Junho de
2021, 6:00
A casa e o escritório de Carlos Santos Ferreira foram
dois dos 51 alvos das buscas realizadas esta terça-feira
O ex-presidente
da Caixa Geral de Depósitos e, de seguida, do BCP, Carlos Santos Ferreira, foi
constituído arguido no inquérito do Departamento Central de Investigação e
Acção Penal (DCIAP) que levou esta terça-feira à detenção do empresário
madeirense Joe Berardo e do seu advogado pessoal André Luiz Gomes. Santos
Ferreira, que para já é o único responsável da Caixa arguido neste caso, é
suspeito de ter favorecido Berardo na concessão dos empréstimos dados pelo
banco público em 2006 e 2007, num valor global de perto de 350 milhões de
euros.
A casa e o
escritório de Carlos Santos Ferreira foram dois dos 51 alvos das buscas
realizadas esta terça-feira pelas autoridades e que incluíram a Caixa, o BCP, o
Novo Banco, a Fundação Berardo, o Museu Colecção Berardo (situado no Centro
Cultural de Belém), o Ministério da Cultura, escritórios de contabilidade e as
instalações de várias empresas. Berardo foi detido na sua residência, em
Lisboa, onde acompanhou as buscas, tendo sido transportado ao início da tarde
para o estabelecimento prisional anexo à PJ, onde passará a noite.
Paulo Saragoça da
Matta, advogado de Joe Berardo, confirmou à saída das instalações da PJ que o
cliente iria ser interrogado esta quarta-feira à tarde no Tribunal Central de
Instrução Criminal pelo juiz Carlos Alexandre, que irá decidir as medidas de
coacção a aplicar-lhe. Igualmente ouvido será André Luiz Gomes, que para os
investigadores era o cérebro dos esquemas usados por Berardo para fugir às suas
responsabilidades, nomeadamente ao pagamento de perto de mil milhões de euros
de dívidas acumuladas a três bancos: Caixa, BCP e Novo Banco.
Mas os indícios
apontam para que o tratamento de privilégio a que Berardo foi sujeito por
sucessivas administrações bancárias, tanto na Caixa como noutros bancos, terá
sido, muitas vezes, pago. Por isso, Berardo está indiciado por corrupção, um
crime que curiosamente não consta no rol de suspeitas divulgadas, em
comunicados, quer pela PJ, quer pelo DCIAP. “No inquérito investigam-se
matérias relacionadas com financiamentos concedidos pela CGD e outros factos
conexos, susceptíveis de configurar, no seu conjunto, e entre outros, a prática
de crimes de administração danosa, burla qualificada, fraude fiscal
qualificada, branqueamento e, eventualmente, crimes cometidos no exercício de
funções públicas”, lê-se na nota divulgada pelo principal departamento do
Ministério Público.
Este inquérito,
delegado na Unidade Nacional de Combate à Corrupção da PJ, foi aberto em
Setembro de 2016 para investigar a concessão de créditos sem garantias a 100
dos maiores credores da Caixa, muito antes da comissão de inquérito ao banco
público em 2019 ter exposto as dívidas de Berardo. O Parlamento actuou no
rescaldo da necessidade de recapitalizar o banco público, o que obrigou o
Estado a injectar mais de 3,9 mil milhões de euros entre 2017 e 2018. A
comissão concluiu que Berardo teve um tratamento privilegiado: “Houve uma
protelação, não houve exigência de reforço de garantias. Pelo contrário, houve
até conformação ao grupo Berardo, ao contrário do que era exigido”.
Já a auditoria
independente aos actos de gestão da CGD entre 2000 e 2015 realizada pela
consultora Ernst & Young e finalizada em meados de 2018 apontava o dedo a
Santos Ferreira por este ter caucionado no banco público a aprovação de
centenas de milhões de euros de créditos de favor, especulativos ou orientados
politicamente, que acabaram por ter custos milionários no bolso dos
contribuintes.
Berardo foi um
dos beneficiados, o que permitiu ao empresário madeirense desempenhar um papel
central na luta de poder dentro do BCP, que tinha como protagonistas Paulo
Teixeira Pinto e Jardim Gonçalves. Curioso é que depois de ter permitido que
Berardo reforçasse a sua posição accionista no banco privado, Santos Ferreira
acabou por transitar directamente da liderança da Caixa para a do seu
concorrente privado, o BCP, onde foi ocupar o lugar de Paulo Teixeira Pinto.
Já Santos
Ferreira tinha sido substituído na Caixa por Fernando Faria de Oliveira – outro
dos nomes destacados pela EY por ter tido práticas irregulares de gestão – e o
banco público continuou a conceder empréstimos avultados a Berardo. Sem nunca
referir o nome do empresário madeirense, a PJ refere, na nota, que a sua
operação “incidiu sobretudo num grupo económico, que entre 2006 e 2009,
contratou quatro operações de financiamentos com a CGD, no valor de cerca de
439 milhões de euros”. A Judiciária acrescenta que este grupo “tem incumprido
com os contratos e recorrido aos mecanismos de renegociação e reestruturação de
dívida para não a amortizar” e fala ainda em “dissipação de património”.
É conhecido que a
esmagadora maioria do património de Berardo, como a sua casa em Lisboa, a sua
colecção de arte, ou a Quinta da Bacalhôa, não se encontram em nome do
empresário, mas pertencem à sua fundação ou a associações que este criou e
controla. Desta maneira, o empresário tem conseguido evitar as penhoras dos
bancos. No entanto, em Julho de 2019, Berardo viu um tribunal arrestar-lhe 2200
obras de arte, incluindo as que integram o Museu Colecção Berardo. Três
inspectores da PJ estiveram esta terça-feira nas instalações desse museu, no
Centro Cultural de Belém, para obter uma lista das obras de arte que fazem
parte da colecção, o valor em que estão seguradas e ainda uma lista de
fornecedores, adiantou ao PÚBLICO Pedro Bernardes, director-geral do museu.
O DCIAP diz que a
investigação só não foi mais célere devido à “carência de meios técnicos”, que
obrigou, por exemplo, à contratação de um perito em prática bancária, o que só
aconteceu em final de 2019. “Não obstante o empenho e investimento do
Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) e da
Procuradoria-Geral da República (PGR), bem como da Polícia Judiciária (PJ) e de
toda a equipa na investigação do inquérito em curso e a gestão racional e
eficaz que foi realizada dos meios à disposição de todos, não se logrou assumir
a celeridade desejável, apenas por carência de meios técnicos e outros ajustados
à natureza, dimensão e complexidade da investigação”, lê-se na nota daquele
departamento.
A mega operação
desta terça-feira incluiu buscas em Lisboa, Sesimbra e Funchal que envolveram
138 agentes da PJ, nove magistrados do Ministério Público, sete juízes de
instrução criminal e 27 inspectores tributários. Com Isabel Salema
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