OPINIÃO
A bazuca
Costa deveria ter pensado melhor no nome de baptismo da
arma que alegadamente nos vai fazer sair da cauda da Europa, para onde chorosa
e humildemente regredimos após uns anos de promissora convergência.
M. Fátima
Bonifácio
29 de Junho de
2021, 0:10
https://www.publico.pt/2021/06/29/opiniao/opiniao/bazuca-1968231
O aparecimento e
meteórica difusão desta expressão no universo político português convida a
reflectir. Como não admira, os direitos de autor cabem a António Costa e
constituem mais uma manifestação do imaginário com que vai alimentando as
ilusões do cordato rebanho português. Neste caso, o problema está em que “bazuca”
é pífio e anacrónico. Trata-se de uma granada-foguete usada na II Grande Guerra
contra tanques também eles já obsoletos. Mas o termo denota ainda hoje alguma
brutalidade, e Costa pretende precisamente dar a impressão de que o poder de
fogo económico-financeiro, que nos foi generosamente concedido pela UE, é
imbatível e derrubará todos os obstáculos, objectivos e subjectivos, que se
oponham ao audaz e ambicioso relançamento da economia portuguesa.
Costa deveria ter
pensado melhor no nome de baptismo da arma que alegadamente nos vai fazer sair
da cauda da Europa, para onde chorosa e humildemente regredimos após uns anos
de promissora convergência. À menor dificuldade, Portugal deixa a sua
fragilidade a descoberto; se a dificuldade for dramática, deixa a descoberto a
sua impotência e desorientação, a sua falta de meios, a sua incapacidade para
enfrentar a crise. Esta também é uma história antiga: a ajuda ou solução –
quando a havia – vieram sempre de fora. A “geração de 70”, no século XIX,
interrogou-se séria e angustiadamente se nós teríamos meios, intelectuais e
materiais, para sobrevivermos como Estado-nação independente, pois sempre a
nossa independência nos fora assegurada pela Inglaterra que, em caso de uma
guerra europeia, carecia do livre acesso aos nossos portos para garantir a
liberdade de navegação até Gibraltar e Malta, chave das rotas terrestres para a
Índia.
A expressão
“bazuca” faz-me lembrar o “Zé Povinho” criado por Bordalo Pinheiro. É
popularucha e ameaçadora, embora os sábios de serviço a apresentem como uma
chuva salvífica de euros; é uma linguagem que a todos convém: aos papalvos e
aos políticos. Projecta a imagem de um país inundado de dinheiro, dinheiro para
gastar – despesa sem peias –, onde de repente tudo é possível, quando o
necessário seria construir todas as pré-condições do nosso desenvolvimento e
liquidar a dependência histórica dos portugueses do Estado. Mas, à força de
tanto ouvir falar e gabar a “bazuca”, o pessoal sonha. Os pequenos sonham desde
logo com subsídios e trabalhar menos; os graúdos sonham com comissões e
privilégios, ou seja, com uma oportunidade para o seu enriquecimento pessoal.
Quem quer saber do País?
Nem o governo,
pelo que vemos. Este pensa nas suas clientelas e na reeleição de António Costa,
que garante a permanência das mesmas. Costa, mesmo antes de a “bazuca” detonar,
já estava cheio de pressa de ir ao banco, nem se tendo dado conta da
deselegância do seu comportamento. Merkel, porém, já estará habituada aos
pedintes do costume. Há qualquer coisa de alarve nesta maneira de considerar
como “bazuca” um financiamento cuja aplicação deveria ser criteriosa e
rigorosamente estudada e decidida. Podemos ter a certeza de que tal não
acontecerá. A fila dos pedintes já ocupa a rua de São Bento, e o governo faz as
contas a quanto será para estes e para aqueles. Não tenhamos ilusões: o grosso
da distribuição da “bazuca” irá para as “Despesas” – não para o investimento,
não para o apoio a empresas.
Portugal tem 750.000 funcionários públicos. Se
acrescentarmos os agregados familiares de cada um, temos que perto de três
milhões de pessoas dependem do Estado para viver! A conclusão é só uma:
Portugal é irreformável, e sem se reformar não vai a lado nenhum – a não ser ao
BCE
As coisas só
poderiam ser diferentes se se verificassem duas condições. Primeiro, libertar a
sociedade e a democracia de uma oligarquia endogâmica que se apoderou e
subjugou ambas. Segundo, reformando a Administração Pública de alto a baixo,
usando uma parte da “bazuca” para financiar a dispensa de pelo menos um terço
dos funcionários públicos. Com uma elite administrativa a administrar, um
Estado reduzido à sua dimensão necessária passaria a ser um factor de
desenvolvimento e não um factor de entrave e bloqueio. Quem se candidata a
realizar qualquer destes milagres?
Ninguém, que se
saiba. A Iniciativa Liberal, uma putativa candidata, pode ser uma voz
interessante e útil, mas não tem força para mudar o essencial. Aliás, é
demasiado bem-educada, muito cerimoniosa. Entre os partidos instalados não vejo
nenhum candidato possível, e muito menos os do establishment, preocupados, isso
sim, em manter o status quo. Portugal tem 750.000 funcionários públicos. Se
acrescentarmos os agregados familiares de cada um, temos que perto de três
milhões de pessoas dependem do Estado para viver! A conclusão é só uma:
Portugal é irreformável, e sem se reformar não vai a lado nenhum – a não ser ao
BCE.
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