EDITORIAL
Berardo, um duro golpe na impunidade
Berardo e o seu calote de mil milhões, as suas manobras
para salvar a sua colecção da penhora e a sua sincera convicção de que vivia
numa república das bananas onde a impunidade prevalece tinham de ser travados.
Manuel Carvalho
9 de Junho de
2021, 21:30
https://www.publico.pt/2021/06/29/economia/editorial/berardo-duro-golpe-impunidade-1968455
Seis anos depois
de iniciado o inquérito, mais de dois anos após a lamentável sessão da comissão
parlamentar de inquérito aos negócios da Caixa Geral de Depósitos na qual Joe
Berardo se riu despudoradamente do país que o fez comendador, a justiça deu um
primeiro passo contra a sensação de impunidade que a sua história instalara no
país. Não chegámos ainda a uma acusação, nem a uma pronúncia, e estamos longe
de uma eventual condenação, mas esta terça-feira é um daqueles dias em que o ar
ficou mais respirável. Depois da miséria moral dos empréstimos do banco público
ao empresário para entrar na luta pelo controlo do BCP, depois de todas as
suspeitas sobre as falhas do Banco de Portugal, depois de os contribuintes
terem sido chamados a pagar os custos na CGD, após tantas e repetidas manobras
suspeitas de Berardo para se eximir às suas responsabilidades, no final de
tantos risos cínicos e declarações arrogantes, o protagonista de toda esta
miséria moral foi chamado a responder pelos seus actos.
Portugal vive há
demasiado tempo com fantasmas do seu passado recente. Passou-se mais de uma
década desde que, naqueles anos sinistros da segunda metade da década de 2000,
o país caiu numa volúpia de decadência ética e numa rotina de subversão da lei
sem que até hoje todos os responsáveis tenham respondido pelos seus actos. Com
o despacho de pronúncia de José Sócrates avançou-se no sentido da justiça, haja
ou não condenação. Com a detenção e a investigação a sério dos desmandos de Joe
Berardo dá-se mais um passo nesse sentido. Sem se fazer todo esse caminho, sem
chamar aos tribunais todos os que se envolveram em negócios suspeitos de
tráfico de influências, de burla qualificada ou de branqueamento de capitais,
esse período negro permanecerá como uma nódoa na democracia. Uma nódoa que
desalenta os cidadãos cumpridores e facilita os discursos populistas e
demagógicos dos extremos políticos.
Joe Berardo é
apenas suspeito, certo, mas não sejamos cínicos nem hipócritas para o colocar
no papel simples de um arguido num processo. Berardo e o seu calote de mil
milhões à banca, as suas manobras para se eximir dos seus deveres e salvar a
sua colecção da penhora, a sua reiterada falta de palavra e a sua sincera
convicção de que vivia numa república das bananas onde a impunidade prevalece
tinham de ser travados. Um dos expoentes desse Portugal videirinho, velhaco e
arrogante que paira sobre o país como tenebrosa herança do “socratismo” tinha
de responder à justiça. O riso cínico com que ostentava a sua impunidade e com
que humilhava os cidadãos pode ter acabado esta terça-feira. É um
começo.
tp.ocilbup@ohlavrac.leunam
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