ENTREVISTA
“Marine
Le Pen vai vencer e a França vai sair do euro”
O
economista italiano Claudio Borghi acredita que esta União Europeia
está condenada. É o que deseja para um projecto que, diz, será
lembrado “como um monstro, comparável à União Soviética”.
Sofia Lorena
SOFIA LORENA 30 de
Dezembro de 2016, 6:30
Itália vive há
anos em crise, mas os últimos meses foram de golpes e contragolpes
acelerados. Matteo Renzi chegou ao poder sem eleições, jogou tudo
num referendo sobre a reforma constitucional e perdeu. O Governo
actual, do mesmo Partido Democrático, está a prazo, até ser
concluída uma nova lei eleitoral. O Movimento 5 Estrelas, de Beppe
Grillo, pode ter votos para governar (é o que dizem as sondagens) e
deverá aliar-se à Liga Norte e aos Fratelli d'Italia. Em comum têm
o plano de saída do euro de Claudio Borghi, economista que falou ao
PÚBLICO por telefone.
Faz uma avaliação
negativa dos 20 meses de Governo Renzi?
Foi um desastre. No
fundo, a única coisa que conseguiu fazer foi propaganda. Realmente,
a pior coisa que fez foi nos bancos, aceitar aquela lei louca do
bail-in [regra europeia que exige que os accionistas e credores dos
bancos assumam perdas antes dos Estados]. Aceitar esta lei num
sistema bancário como o italiano, muito dependente do privado, da
confiança dos credores nos bancos, foi destrutivo. As pessoas
começaram a levantar dinheiro, porque não se sentiam seguras. A
questão mais grave que era a do [banco] Monte dei Paschi, não quis
tratá-la.
O que é que teria
feito?
A questão do Monte
dei Paschi devia ser concluída com a nacionalização completa do
banco.
Completa?
Sim, deve ser
adquirido pelo Estado com o acordo dos credores. E é obrigatório
impugnar a normativa do bail-in porque se não é impossível.
Começa-se a pôr algum dinheiro num banco e vai sempre crescendo.
Estamos a falar de milhões, não de trocos. Se o BCE não sabe
avaliar qual é a solvência de um banco, quantos são os milhões
que fazem falta… Nós queremos que os cidadãos e os credores sejam
informados.
Mas isto está a
acontecer em vários países. É um problema maior.
É como se
estivessem a usar uma arma. Considero que está a acontecer a segunda
parte de uma guerra na Europa, uma guerra financeira. A primeira
guerra, que já viu o fim, foi a das dívidas soberanas, em 2008.
Usaram a arma dos títulos de Estado para constranger tantos países
a fazerem o mesmo, a porem-se de joelhos e a pedir ajuda, ou para
pagar dívidas, como no caso de Itália, ou a pedir empréstimos,
como no caso de Portugal. O importante era que os países estivessem
subalternos. Não se considera suspeito que ninguém quisesse títulos
de Estado e agora esteja tudo bem? Não é por estarmos melhores, os
valores são decididos pelo BCE, que é quem define valores e pode
tirar as garantias. Se se tira as garantias a determinados títulos
de Estado ninguém os compra, se lhes dá garantia acontece isto.
Agora, passou-se aos bancos. Por causa da recessão, todos os países
da Europa do Sul – o Euro impede o crescimento – acumularam
muitos débitos que não restituíram. Os bancos emprestam às
empresas, se as empresas faliram não pagam aos bancos. E então
utilizam os bancos como nova arma para conseguir dinheiro às
pessoas.
Não há má-fé na
acção dos responsáveis? Todos os problemas são uma consequência
da recessão?
Principalmente, são
uma consequência da recessão. E em qualquer caso, quem não tem
culpa é um cidadão responsável que usa o seu banco e acredita que
é controlado pelo BCE.
O plano dos
opositores do euro em Itália
Como se faz para
forçar uma mudança? É preciso pensar em sair do euro?
Sair do Euro é a
única forma para voltar a crescer. Se o problema fosse só dos
bancos bastaria, decidir que todas as faltas de capitalização ou
outras dos bancos seriam cobertas pelo BCE. O Banco Central Europeu
acaba de criar 1,1 biliões de euros em divisas… Quer dizer, não
era preciso isto tudo para garantir a segurança dos bancos.
Quem é que tinha de
convencer?
Enfim, é preciso
convencer os alemães que foram os que organizaram esta arma. Por
isso é que eu digo que temos de sair do euro. Queremos convencer
gente que nos quer de joelhos a fazer a coisa certa. É preciso sair
do Euro, recuperar poderes para fazer as coisas normais. É preciso
que os nossos produtos, qualquer coisa que possa ser fabricada ou
feita em Itália ou Portugal, volte a ser conveniente para o resto do
mundo.
O seu plano é
conhecido mas nunca foi feito. Não há muitos imponderáveis?
Como em tudo, há
riscos de execução. Mas por um lado temos riscos de execução, do
outro temos a certeza do desastre. Se continuamos assim não há
forma de evitar que tudo fique pior.
É uma escolha sem
recuo.
Evidente. Mas penso
que quando um país como a Itália sair do euro, o euro não fica,
não imagino que possa sobreviver. Veremos o que acontece, depende de
cada país. Se, como eu espero, cada país, uma vez recuperada a
soberania monetária, queira pôr-se de acordo para manter as outras
coisas que fazem parte da UE.
Um prato populista
O mercado livre.
Sim, é só a moeda.
Tirando a moeda de tudo o resto que é a União Europeia, seria
possível. Eu preferia que se começasse de novo, tornou-se um
monstro que será recordado a par da União Soviética ou algo do
género. Mas se quisessem sair da moeda e manter tudo o resto, pode
fazer-se. Seja como for, há uma série de países da União Europeia
que não têm euro.
Então, depende tudo
dos governos, das vontades?
Sim, é preciso um
país com coragem para dar o primeiro passo e compreender que fora se
está bem. Não obstante, apesar do que se diz, toda a gente
antecipava um desastre com o “Brexit” mas na minha opinião está
a correr muito bem.
Há problemas nas
negociações.
Sim, as negociações
são sempre assim, mas os mercados que são os que antecipam o que
pode acontecer, estão tranquilos e vêem que a incerteza vem da UE e
não parte da Grã-Bretanha.
Mas e se a Itália
sai e o euro termina, não há muitos riscos para outros países, que
podem não ter preparado a saída?
É um bom ponto, mas
eu penso que no fim as pessoas serão inteligentes. Os responsáveis
vão sentar-se à mesa e vai sair daí um plano de desmantelamento
válido para todos. Diz-se que não há alternativa, mas se um quiser
sair e disser, “eu vou, querem que vá e provoque a confusão ou
vamos todos e resolvemos os problemas de todos?”. Em qualquer caso,
para accionar os procedimentos que permitam resolver os problemas de
custos, de realização, é preciso perceber o grupo de países
implicado, todos menos os que decidam juntar-se à Alemanha.
E depois da Itália?
Eu não penso que a
Itália será o primeiro. À frente de todos, neste momento, está a
França. Porque, de facto, Marine Le Pen, mesmo que digam que não
vai acontecer, eu acredito que vai vencer.
E se Le Pen vencer
as presidenciais de Abril e Maio a saída do euro vai mesmo
acontecer?
Sim, sim, se vence
vai fazê-lo. Nós temos contactos com Marine, eu estou em contacto
com a Frente Nacional, até por estarmos no mesmo grupo no Parlamento
Europeu, trabalhamos juntos nesta matéria, sei que vão avançar
mesmo.
O mais provável em
Itália é que a Liga se alie para governar.
É verdade que
pensamos em unir-nos, mas alguns destes partidos não nos convencem
em relação aos temas do euro e da União Europeia. Por exemplo,
venceríamos de certeza se nos aliássemos ao Movimento 5 Estrelas,
era uma vitória segura. Uma aliança com o único objectivo de sair
do euro.
Neste ponto estão
de acordo.
Sim, é verdade. Mas
eles continuam a dizer que querem fazer o referendo, e isso é
impossível, por causa da lei italiana. Em Itália não é possível
referendar um tratado europeu sem mudar a Constituição…
Mudar a Constituição
não se consegue.
Pois [risos],
imagine, é melhor nem nos metermos nisso. Mesmo que por hipótese se
avançasse e fosse possível, não é assim. Imagine, marcávamos um
referendo sobre a saída do euro e o BCE podia fazer a chantagem que
entendesse, tinha os bancos na mão, e no estado em que estão. Não
se pode [mais risos]. Eles continuam com a ideia do referendo e eu
desconfio que eles não querem mesmo sair do euro.
É possível que
seja em Junho mas muita gente diz que será em Setembro porque
[risos] os parlamentares em Setembro já podem ter pensão. Pode ser
que usem os regulamentos jurídicos do Parlamento para arrastar a
situação. É um pouco triste.
Seja como for, antes
da Alemanha, em Outubro ou Novembro?
Sim, acredito que
antes da Alemanha. O ideal para nós seria ao mesmo tempo que a
França.
Há tantas análises
alarmistas sobre o fim do euro e o futuro da Europa. Tem uma visão
diferente.
Claro, porque se a
Europa se dissolve não resulta daí nada de negativo. Tal como
sempre houve análises excessivamente optimistas sobre como se ia
resolver estas crises e eu sempre disse que não ia ser assim.
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