Passos
Coelho’s blues
É
oficial: as movimentações recentes no PSD colocam Passos Coelho no
estatuto de líder à condição. O seu futuro próximo será duro e
triste. Por culpa própria. E por culpa do Governo
MANUEL CARVALHO
14 de Dezembro de
2016, 6:43
Rui Rio desdobra-se
em jantares de Natal com militantes do PSD. Em Bruxelas, Paulo Rangel
segue com “atenção” a situação política. Em Belém, dão-se
alfinetadas discretas. Em São Bento, balbuciam-se nomes para a
sucessão. Em Oliveira de Azeméis, Hermínio Loureiro nota o
“silêncio de alguns dos mais próximos colaboradores” e avisa o
líder do PSD para ter os “olhos abertos com as raposas”. É
oficial: o ocaso político de Pedro Passos Coelho deixou de ser uma
previsão da cartomancia. É uma realidade. Oficial. Já só os mais
crentes o vêem como um líder de futuro. A sua mensagem tornou-se
vazia por falta de audiência. A sua solidão é sinal da sua
incapacidade para angariar lealdades com estratégia e fidelidades
com vitórias. Um ano depois de ganhar as eleições, Pedro Passos
Coelho foi derrotado pelas circunstâncias de um governo cujo rumo
não soube prever. Tornou-se o espectro de um passado político que o
presente não pára de demolir.
Pouco importa
deliberar sobre a justiça ou a injustiça da sua condição. O
balanço do seu mandato no Governo será do domínio da História que
olha os factos à distância, não do jornalismo que os analisa a
quente. Pode ser que daqui a um ano ou dois voltemos a ser obrigados
a lembrar muito do que disse e algo do que fez, mas para ele será
talvez tarde de mais. O tempo que lhe resta até ao congresso do PSD,
no princípio de 2018, vai ser penoso e certamente triste. Aos olhos
dos portugueses tornou-se uma figura a preto e branco,
unidimensional. A sua vulnerabilidade tornou-o alvo fácil da
propaganda da esquerda. Os que apreciaram a sua coragem para vencer a
bancarrota suspeitam agora que foi longe de mais. Os que o viam como
o arauto de uma direita que despreza os pobres, ataca os
trabalhadores e afronta o Estado social radicalizaram a sua opinião.
Numa leitura assim dada a maniqueísmos, Passos só poderia aguentar
as suas hostes, se o Governo ruísse ou se ele tivesse conservado um
discurso coerente como o que fez no poder. Não aconteceu nem uma nem
outra coisa.
Hoje não sabemos
bem quem ele é e ainda menos o que tem para propor – porque, mal
ou bem, goste-se ou não, nos primeiros anos do seu mandato no PSD e
em São Bento, Pedro Passos Coelho tinha na cabeça uma ideia e um
plano para o país. Para ele, a crise era uma oportunidade para
Portugal se libertar das amarras do Estado, para que se criasse uma
nova geração de cidadãos e de empresas que não fossem “piegas”,
que arregaçassem as mangas e voltassem a mostrar a coragem e a
ousadia dos descobridores quinhentistas. Ir além da troika era em si
mesmo um programa de transformação. Medidas duras de austeridade,
privatizações, liberalização do mercado de trabalho ou a
liberdade de escolha na educação eram apenas danos colaterais dessa
visão revolucionária.
“Esse” Passos
não existe. O homem assertivo tornou-se um político mole, que age
de acordo com as sondagens e o politicamente correcto. O famoso “que
se lixem as eleições” tornou-se letra morta quando as eleições
de 2015 ficaram à vista. O liberal duro reconverteu-se à
social-democracia. Negócios cruciais para o país, como o das
imparidades da Caixa Geral de Depósitos, foram simplesmente varridos
para debaixo do tapete. O Banif foi tratado com aspirinas. A saída
limpa do ajustamento tornou-se uma obsessão perante a qual todas as
urgências se dissolveram. A disputa de votos com o PS levou-o ao
leilão do fim dos cortes dos salários ou das pensões. Depois, na
oposição, Passos chega a perguntar ao primeiro-ministro por que não
aumenta mais depressa as pensões; insurge-se contra os salários dos
gestores da Caixa calculados em função das regras do mercado,
quando o seu Governo defendeu essas regras.
A crença na vinda
do diabo foi o seu maior erro. Ao esperar por esse dia, acreditou que
bastava ficar quieto até que o inferno devorasse o Governo e a
aliança à esquerda. Nunca se empenhou em desenhar uma estratégia
consistente e alternativa. Tornou-se uma cassete repetitiva. Em
episódios negros da vida do Governo, como as mudanças dos exames
escolares, as 35 horas ou na infame história da Caixa, Passos falou,
mas, como acontece aos líderes em perda, ninguém o ouviu – porque
a sua palavra perdeu sentido. Se o diabo era a catástrofe, erros
desse quilate não passam de um preço baixo a pagar por um governo
normal. Incapaz de um discurso alternativo, Passos tornou-se um líder
errático. Sem conseguir uma oposição coerente e consistente,
limitou-se ao papel de franco-atirador.
Hoje, é um líder
da oposição reactivo, apertado entre o dinamismo de Assunção
Cristas e a navegação à bolina do PS e dos partidos mais à
esquerda. Incapaz de assumir riscos (veja-se a ausência de propostas
para as autárquicas nas principais cidades) e impotente para propor
a sua própria receita para o país, torna-se presa fácil. O seu
tempo esgota-se. Talvez cedo de mais. Talvez injustamente. Talvez um
dia volte a ser reconhecido pelo que fez por deliberação e teve de
fazer por imposição da troika. Para o conseguir, terá de recuperar
o capital político que perdeu este ano. Um período de pousio talvez
lhe faça bem.
2 – Os dias a
seguir à magnífica notícia dos resultados da avaliação PISA
deram lugar a uma orgia de indecência política. O que tinha todos
os ingredientes para ser um raro momento de celebração colectivo
derrapou para o regateio sectário sobre quem merece uma medalha
maior do que os outros. O que devia instigar um elogio aos
professores, aos alunos, aos pais, aos ministros de todos os governos
redundou em duelos de protagonismo entre facções. Enquanto a OCDE e
a imprensa internacional olhavam para Portugal com curiosidade e
admiração, por cá entrava-se numa batalha sobre os méritos e os
deméritos de Nuno Crato. O povo que nem se governa nem deixa
governar é uma imanência, para nossa desgraça.
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