quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Há cada vez mais queixas sobre o ruído feito pelas colectividades lisboetas


Há cada vez mais queixas sobre o ruído feito pelas colectividades lisboetas
POR O CORVO • 14 DEZEMBRO, 2016

Estão registadas como cooperativas ou associações culturais, mas a sua faceta mais visível e audível é a de bares, ou mesmo discotecas. E isso tem consequências na qualidade de vida de quem mora nos edifícios onde estão instaladas e suas imediações. O problema já não é novo, tendo sido, aliás, uma recorrência, nos últimos anos, em todas as reuniões públicas dos órgãos autárquicos da cidade – sobretudo sessões da Assembleia Municipal de Lisboa (AML) ou reuniões descentralizadas do executivo camarário. Mas não só permanece, como tem ganho nova amplitude, admitiram diversos deputados municipais, na tarde desta terça-feira (13 de dezembro), ao apreciarem uma petição de um grupo de residentes da zona da Graça contra o barulho e os desacatos alegadamente provocados pelo funcionamento de um desses estabelecimentos. Na mesma sessão, uma moradora do Desterro chegou às lágrimas ao relatar o seu calvário, num caso semelhante.

O funcionamento da Associação Real Urinol, na Rua Josefa Maria, situada no Bairro Estrela d’Ouro, na Graça, freguesia de São Vicente, tem sido tudo menos pacífico. Há relatos de o barulho, os desacatos e o vandalismo serem uma constante. A polícia tem sido chamada com frequência, mas sem resultados palpáveis. O que levou ao lançamento pelos moradores da petição “Por um Bairro Melhor”, exigindo à Câmara Municipal de Lisboa a intervenção “no sentido de devolver o direito ao descanso e a segurança na via pública, como é previsto na Constituição”. O documento, subscrito por 250 cidadãos e entregue à AML no final de junho, levou a que, depois de ouvidos os peticionários, a junta de freguesia e os responsáveis da associação, a assembleia municipal venha agora propor “com carácter de urgência” que se apure qual a verdadeira actividade ali exercida. Trata-se de uma associação ou de um bar, cujo objectivo é ter lucro?

É essa dúvida que pretende ver respondida o primeiro ponto da recomendação ontem votada pela AML, e contra o qual apenas o Bloco de Esquerda se pronunciou contra, tendo-se abstido o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV). Os bloquistas acham que não faz sentido tentar saber se a associação “se limita a exercer no interior da sua sede social as actividades constantes do seu objecto” ou “um verdadeiro estabelecimento comercial de venda ao público ou de prestação de serviços”, como refere o documento. Isto porque, referiu o eleito Ricardo Robles ante o plenário, isso é o que fazem quase todas as associações deste género, como forma de garantirem formas de subsistência. “Há um conflito que tem de ser resolvido sentando as pessoas à mesa”, disse após admitir a existência de um “problema grave de ruído”.

Daí que os bloquistas, como todos os partidos, tenham votado favoravelmente o segundo ponto da recomendação, pedindo à Câmara Municipal de Lisboa que, em articulação com a junta de freguesia, interceda junta da referida associação “para encontrar uma solução que minimize os conflitos existentes com os moradores do bairro e na salvaguarda do respeito pelos seus direitos”. O pedido de reforço da atuação policial, inscrito no ponto três do documento, mereceu igualmente o voto contra do BE e abstenção do PEV. A deputada dos Verdes Cláudia Madeira defendeu também a necessidade de “encontrar um equilíbrio entre o descanso das populações e a actividade da associação”. A vida destas instituições é fundamental para a revitalização da cidade, diz.

A deputada ecologista reconheceu, porém, a frequência das situações de conflito entre instituições deste género e moradores. Algo a que se referiu também Diogo Moura, do CDS-PP, relator do parecer que originou a recomendação e presidente da comissão de ambiente e qualidade de vida da AML. “A questão do ruído no espaço público em Lisboa tem sido um problema crescente, a que importa dar solução. A situação relatada, infelizmente, não é caso único nesta cidade. O CDS tem recebido várias denúncias de munícipes, que por receio não apresentam petições nem se expõem publicamente, mas que procuram a nossa ajuda”, relatou o representante centrista. Diogo Moura considerou ainda ser urgente uma acção da assembleia municipal, mas também da Assembleia da República “para se aferir sobre a situação e tentar encontrar um novo enquadramento legal para estes casos”.

Particularmente dura para com a Associação Real Urinol foi Natalina Moura (PS), presidente da Junta de Freguesia de São Vicente, e isto apesar de se ter assumido como mediadora do conflito entre os residentes e os dirigentes da instituição alvo das queixas. “A associação cultural não deveria estar ao arrepio do respeito ao direito ao descanso, mas, ao invés, ao que temos assistido é a uma cultura de ausência de respeito por quem ali mora”, criticou, já depois de afirmar que o Bairro Estrela d’Ouro sempre tivera boa vizinhança e “ausência de desencontros, até à chegada da associação”. Mais mordaz, e aludindo à falta de civismo dos seus frequentadores, considerou que a “Associação Real Urinol só faz justiça a uma parte do nome. De real nada tem, mas de urinol tem tudo”, disse.

No parecer que originou a recomendação, pode ler-se a argumentação dos representantes da associação em causa, da qual sobressai a garantia de que “dentro do espaço da associação não existem problemas” e que “não conseguem controlar quem fica na rua a conversar”. De acordo com o relatado no documento, os membros da Real Urinol afirmam ter gasto sete mil euros a isolar as paredes com lã de rocha, uma medida mitigadora do ruído, que se junta aos vidros duplos ali instalados. E dizem também não ter horário de funcionamento, “adaptando-o ao que for adequado aos sócios e funcionando como um espaço privado”. Reconhecendo que a polícia municipal tem passado pelo espaço, mostram-se, porém, disponíveis para dialogar com os residentes, sob mediação da junta, “mas não entendem o motivo da petição”.


Antes da recomendação sobre o caso da Graça ser discutida, e ainda no período das intervenções destinadas aos munícipes, uma residente na Calçada do Desterro queixou-se do ruído noturno provocado por uma outra associação cultural. Emocionada, a mulher deu conta de uma situação de impotência desesperada ante a constante agressão sonora vinda do rés-do-chão, resultante do volume da música ali tocada. O descanso é agora uma miragem. “O meu filho teve que sair de casa, para poder trabalhar, e o meu marido dorme no chão da cozinha”, queixou-se, em lágrimas, salientando o facto de ser proprietária e estar a pagar a casa ao banco com grandes dificuldades.

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