"Com
o trunfo dos refugiados, Erdogan tem os líderes europeus de joelhos"
Can
Dündar, jornalista de 55 anos, foi nomeado este ano para o Prémio
Sakharov do Parlamento Europeu. Não ganhou mas esteve na cerimónia.
Diz que impedir a entrada da Turquia na União Europeia só irá
beneficiar o Presidente Recep Erdogan.
BRUNO HORTA em
Estrasburgo 14 de Dezembro de 2016, 8:04
Can Dündar fala no
plural. Não é ele quem diz ou quem quer, mas sim um "nós"
que identifica como o povo democrata da Turquia. O jornalista, de 55
anos, nomeado este ano para o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu,
marcou presença na cerimónia de atribuição, terça-feira em
Estrasburgo.
Impedir a entrada da
Turquia na União Europeia só irá beneficiar o actual Presidente,
Recep Erdogan, defende. Exilado na Alemanha desde Junho, em parte
incerta por presumíveis razões de segurança, vê-se como voz
independente que pode dizer na Europa o que a autocracia de Erdogan
tornou proibido. Prenderam-no em Novembro do ano passado durante 91
dias, até o Supremo Tribunal ter considerado a detenção ilegal.
Erdogan avisou que
Dündar "pagaria um preço alto" por ter publicado uma
investigação a expor o tráfico de armas por parte do regime turco
com os rebeldes da Síria. E pagou mesmo. O ex-director do principal
diário turco de centro-esquerda, figura de destaque na vida pública
do país, acabou por ser julgado e sobreviveu a uma tentativa de
homicídio à entrada do tribunal. Fugiu do país no Verão, deixando
mulher e filho adulto para trás. Entretanto, demitiu-se do
Cumhuriyet. Aguarda recurso da pena de cinco anos e dez meses a que
foi condenado por tentativa de golpe de estado.
Desde a tentativa de
golpe em Julho, as autoridades turcas afastaram milhares de
funcionários públicos e magistrados, detiveram centenas de
jornalistas e obrigaram muitos órgãos de comunicação social a
encerrar. Que opinião tem sobre o que se passa na Turquia?
O golpe foi muito
perigoso, ainda bem que a Turquia conseguiu sobreviver, e conseguiu
graças à oposição democrática e à reacção do povo.
Conseguimos parar o golpe. Infelizmente, o que se seguiu foi que
Erdogan usou estes acontecimentos como uma oportunidade para aumentar
a repressão. Ou seja, sobrevivemos a uma intervenção militar, que
teria levado a uma solução de governo militarizada, e ganhámos
repressão. Não sei quantos burocratas, académicos, polícias,
juízes, procuradores, jornalistas e escritores estiveram envolvidos
no golpe, mas tenho a certeza de que muitos deles, a única culpa que
têm, se se pode falar em culpa, é a de se terem oposto ao governo,
nada mais do que isso.
Quando diz
"conseguimos parar o golpe", refere-se a quem?
Ao povo, o povo saiu
à rua e teve coragem suficiente para resistir à intervenção
militar. Foi a atitude correcta, é uma obrigação de qualquer
cidadão, porque a Turquia já sofreu muito com intervenções
militares, que não trouxeram nada de bom. Esta seria mais uma dessas
situações, ainda bem que foi travada a tempo, estou orgulhoso do
povo turco. Mas usar o golpe para mais opressão foi um erro. Tanto
quanto sei, neste momento há muitas pessoas de entre as mesmas que
se opuseram ao golpe que já não estão a defender a democracia e
sim o governo de Erdogan.
Alguns comentadores
consideram que o Prémio Sakharov deveria ter sido para si e que o
Parlamento Europeu não teve coragem para afrontar o poder turco.
Não posso comentar,
temos de respeitar a decisão do Parlamento. Não havia competição
entre os candidatos ao prémio. Fizémos o que nos competia,
desafiámos a repressão nos nossos países. A decisão deve ser
respeitada.
Um dos temas do
Conselho Europeu de quinta-feira é a adesão da Turquia à União
Europeia. Que mensagem deixaria aos líderes europeus?
Não têm feito
muito para defender os direitos humanos na Turquia por causa do
acordo sobre refugiados [de Marco deste ano]. Desde o início,
tivemos a certeza de que se trata de um acordo sujo, que mancha a
imagem da Europa. Na minha opinião, Erdogan comprou o silêncio dos
líderes europeus através dos refugiados. É um preço muito alto.
Aqueles que na Turquia defendem os valores europeus, direitos
humanos, democracia, liberdade de imprensa, igualdade entre homens e
mulheres, vão parar à prisão, por isso, quando vemos os governos
europeus do lado do adversário, sentimos uma grande desilusão.
Cabe-lhes decidir se querem continuar a apoiar Erdogan ou as forças
democráticas da Turquia.
Concorda com a
recente resolução do Parlamento Europeu que pede um congelamento
das negociações de adesão da Turquia, devido à "enorme
repressão" por parte do regime?
Sei que é um texto
não vinculativo, vejo-o como uma proposta, mas sempre fui contra
este tipo de entraves. Ser um Estado-membro é muito importante para
a democracia turca.
Ameaçar parar as
negociações não é uma forma de pressão eficaz?
De maneira nenhuma.
Erdogan nunca foi uma pessoa de valores europeus, por isso, não
fazer parte da União Europeia seria bom para ele, ficaria encantado
se a Europa estivesse longe de nós. Ele já fez saber que se a
Turquia não entrar para o clube europeu há outros caminhos: a
Rússia, a China, a Arábia Saudita ou o Qatar.
Considera a
resolução do Parlamento positiva para Presidente turco?
Claro. Não foi uma
boa decisão para nós. Se se quer apoiar a luta democrática na
Turquia é necessário manter relações e negociar com a Turquia.
Isolar o país não pune Erdogan, pune os democratas da Turquia.
Que tipo de
intervenção concreta espera da Europa?
Já não acredito
que os governos europeus possam fazer alguma coisa enquanto existir a
crise de refugiados. Penso que a sociedade civil, sim, pode ajudar,
através da cooperação: geminação de cidades, o diálogo entre
associações ou sindicatos de jornalistas, associações de
empresários, partidos políticos. Este tipo de relações resulta,
entre governos não resulta. Com o trunfo dos refugiados, Erdogan tem
os líderes europeus de joelhos.
Tem ideia sobre qual
será o seu futuro próximo?
Depende da Alemanha
e da Europa. Decidi lutar aqui e explicar aos europeus o que se passa
na Turquia. Vou continuar a fazer isso.
Utiliza o Twitter
com frequência e escreve quase sempre em turco, muito poucas vezes
utiliza o inglês. Continua a querer falar para dentro do país e não
tanto para a comunidade internacional?
Tento fazer o que
posso para alertar a comunidade internacional, mas neste momento
precisamos de dar voz ao turcos, dar voz a oposição, aos que não
conseguem ter a coragem suficiente para afrontar o regime. É isso
que tento transmitir através da Internet.
A sua mulher
continua proibida de sair da Turquia?
Sim, porque lhe
suspenderam o passaporte. Eu já era jornalista nos anos 80, quando
houve um governo militar [golpe de 1980], e mesmo nessa época
ninguém se atrevia a tocar na família. Fazer de um familiar um
refém é um crime. Ela não tem nada a ver com isto, não fez
investigação jornalística nenhuma, e não há base legal para a
proibirem de viajar.
O jornalista viajou
a convite do Parlamento Europeu
Sem comentários:
Enviar um comentário