Há
Opinião e Opiniões …
Caso
Encerrado ?
OVOODOCORVO
Em
defesa de Augusto Santos Silva
Aquilo
que Augusto Santos Silva disse, nas condições em que o disse,
constitui, de facto, uma conversa privada entre políticos amigos.
JOÃO MIGUEL TAVARES
29 de Dezembro de
2016, 6:18
Devo dizer que gosto
tanto de Augusto Santos Silva como de alcachofras, e eu não suporto
alcachofras. Acho, aliás, lastimável que ele tenha sido convidado
para ministro dos Negócios Estrangeiros e número dois do Governo
depois de ter andado seis anos a desempenhar o papel de caceteiro
oral de José Sócrates, sempre disponível para malhar na direita,
na esquerda, no centro, e em todos aqueles que o patrão mandasse. A
sua pele camaleónica, que o fez ser (quase sempre) um ministro
capanga e trauliteiro quando o chefe se chamou José Sócrates, e o
faz ser (quase sempre) um ministro comedido e institucional porque o
chefe se chama António Costa, é ainda mais uma razão para não
gostar dele. O Homem-Borracha nunca foi uma das minhas personagens
favoritas, e quando quero apreciar espinhas retrácteis vou ao Cirque
du Soleil.
No entanto, neste
caso específico do psicodrama da feira do gado, sinto-me obrigado a
defender Santos Silva, ainda que sob o efeito de uma litrosa de sais
de fruto. Vamos cá ver. É evidente que comparar a concertação
social a uma feira do gado é cavernícola, boçal e grosseiro, o que
apenas demonstra que a fachada polida do ministro Santos Silva é uma
daquelas pinturas mal-amanhadas que saltam à primeira raspadela. Ele
foi inconveniente. Foi malcriado. E a história que inventou ao fim
do décimo quarto depoimento à comunicação social, de que na sua
feira do gado metafórica os parceiros não eram os bovinos – nem
pensar! –, mas sim os negociadores de gado vacum imbuídos da
honradez típica das grandes feiras rurais, é um daqueles assomos de
criatividade a que os ingleses chamam justamente bullshit, para nos
mantermos no campo agropecuário.
Dito isto, não há
forma de desconsiderar este facto essencial: aquilo que Augusto
Santos Silva disse, nas condições em que o disse, constitui, de
facto, uma conversa privada entre políticos amigos, que estavam de
costas para a câmara, e que só foi captada porque hoje em dia
existem uns microfones bestiais que apanham o bater de asas de uma
borboleta a 30 metros. Tenho, aliás, dúvidas de que a TVI devesse
ter passado aquelas imagens. O que se diz a um microfone que não se
sabe estar aberto, ou o que é apanhado por uma câmara que está a
filmar sem que se saiba, pode perfeitamente ter uso jornalístico se
o seu conteúdo for de manifesto interesse público. Da mesma forma,
uma gafe pode também ser reveladora, ou simplesmente divertida, e
merecer divulgação.
Só que a frase de
Augusto Santos Silva não foi nada disso. Não foi uma gafe dita em
público. E o seu interesse público é duvidoso, porque Santos Silva
não tutela a área da concertação social e não esteve envolvido
nas negociações. Se, por hipótese, fosse Vieira da Silva, ou o
próprio António Costa, a utilizarem a metáfora da feira do gado, o
caso seria bem mais grave. O primeiro estaria a gozar sem pudor com
as pessoas com quem tinha acabado de assinar um acordo, o que seria
politicamente insustentável. O segundo é primeiro-ministro e, como
o próprio já afirmou, nem no café se pode esquecer da sua
condição. Tendo sido outro o protagonista, ainda que ministro, eu
diria que tudo não passou de uma piada foleira que uma pessoa
educada jamais faria. Só que Santos Silva não está obrigado a ser
educado. Está apenas obrigado a não fazer piadas deste calibre em
visitas de Estado e reuniões bilaterais. O que tinha a fazer era
pedir desculpas públicas. Foi o que fez. Caso encerrado.
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