Força
Aérea ganha concurso europeu de drones para vigiar Mediterrâneo
Equipas
de militares portugueses vão liderar a primeira experiência
europeia de utilização de aviões não tripulados no controlo da
imigração clandestina.
PAULO PENA 10 de
Dezembro de 2016, 7:30
O concurso
internacional aberto em Abril atraiu algumas das maiores empresas
europeias de defesa e segurança. A expectativa era grande, dados os
valores envolvidos (dez milhões de euros), uma parte substancial do
reforço orçamental com que a União Europeia dotou a agência
responsável pela segurança marítima, EMSA. Esta pequena agência,
com sede em Lisboa, no Cais do Sodré, recebeu para 2017 mais 22
milhões de euros de dotação comunitária (o que significa um
aumento de quase 50% nas verbas que geria) precisamente para poder
contratar equipas de controladores de drones para as zonas
identificadas como carenciadas deste tipo de vigilância.
Quando a EMSA abriu
o concurso, a Força Aérea Portuguesa, que desenvolve um projecto
com drones desde 2006, decidiu concorrer. Foi preciso que o ministro
da Defesa, Azeredo Lopes, autorizasse, desde logo. Com o "sim"
do governante, explica o coronel Passos Morgado, que acompanha o
projecto desde o início, a participação neste concurso encaixava
como uma luva “nos objectivos do programa da Força Aérea”.
Precisamente porque permitiria dar o salto para um ambiente
operacional numa tecnologia usada, sobretudo, em testes.
Por ser a primeira
vez que uma agência europeia, civil, se preparava para adquirir
estes aviões não tripulados, usados quase exclusivamente em
contexto militar, e dados os concorrentes de peso, não havia muitas
expectativas quanto à vitória. Mas ela acabou por acontecer, e já
foi oficialmente consagrada no jornal da União Europeia, há pouco
mais de uma semana.
Este ponto é
importante: foi preciso esperar que acabasse o período de
contestação dos resultados do concurso. Oficialmente, nenhum dos
consórcios concorrentes avançou para a impugnação. Mas houve quem
expressasse críticas à participação de uma entidade pública de
um Estado-membro, a Força Aérea, num concurso que as empresas vêm
como exclusivamente destinado a privados.
Uma das queixas que
o PÚBLICO ouviu de uma empresa fabricante de drones é que o preço
apresentado pela Força Aérea neste concurso seria sempre imbatível
por ser financiado pelo Orçamento do Estado português. A EMSA não
vê as coisas dessa forma e esclarece que a Força Aérea apenas
lidera um consórcio, que tem mais duas empresas privadas
(portuguesas), a UA Vision e a Deimos Engenharia.
Esta nova política
de controlo de fronteiras é o tema do primeiro trabalho da equipa de
jornalistas Investigate Europe, que o PÚBLICO integra com vários
outros jornais europeus. O principal trabalho desta investigação
jornalística, realizada nos últimos dois meses, será publicado
neste domingo.
Nova política
europeia
A EMSA não vai
comprar os drones, apenas alugar a sua disponibilidade. Isto porque,
explica Leendert Bal, o director de operações da agência europeia,
“esta é uma tecnologia em constante evolução, que rapidamente se
torna obsoleta, pelo que não faz sentido comprar o equipamento”.
Neste caso, os aparelhos são de uma empresa portuguesa, a UA Vision.
Mas a maioria dos membros da equipa que estará no terreno, a
controlar os drones e a recepção dos dados, pertence aos quadros da
Força Aérea.
Quando começarem as
operações a sério, em Março do próximo ano, estarão disponíveis
dois drones de até 20 quilos, com capacidade para filmar em vídeo e
recolher outro tipo de informações sobre o que se passa no mar, até
um limite de 50 quilómetros da linha de costa.
Não será a sua
única tarefa (talvez nem a principal), mas estas equipas da Força
Aérea poderão vir a ser chamadas para testar a primeira utilização
de drones nas operações de vigilância das rotas de imigração no
Mediterrâneo. Se a nova Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia,
criada em Novembro em substituição da Frontex, decidir que estes
meios são úteis, pode requisitar à EMSA, em Lisboa, o envio de uma
frota de drones para algum dos pontos sensíveis do Mediterrâneo,
como as ilhas italianas da Sicília ou Lampedusa, ou para a Grécia.
Se assim for, a
Força Aérea enviará uma equipa de quatro elementos, uma estação
móvel e dois drones. Cada um destes homens tem uma responsabilidade
concreta: o operador, que define e mantém o plano de voo, é o
“piloto”; o operador de sensores regista, trata e transmite a
informação recolhida pelos drones na estação em terra e torna-a
acessível à EMSA (que, por sua vez, a envia à Guarda Europeia); o
“safety”, que coordena a operação e é responsável pela
descolagem e aterragem do drone; e, por último, o mecânico, que é
o único civil desta equipa, dos quadros da UA Vision, que dá apoio
à operação e é responsável pela manutenção dos aparelhos.
A União Europeia
decidiu, nos últimos meses, responder à pressão migratória com um
novo “pacote de fronteiras” que inclui, entre vários outros
pontos polémicos, a utilização de meios militares nas operações
contra a imigração no Mediterrâneo. As costas da Itália e da
Grécia já estão a ser patrulhadas por frotas navais europeias, com
o auxílio da marinha da NATO. Esta nova política de controlo de
fronteiras é o tema do primeiro trabalho da equipa de jornalistas
Investigate Europe, que o PÚBLICO integra com vários outros jornais
europeus. O principal trabalho desta investigação jornalística,
realizada nos últimos dois meses, será publicado neste domingo.
A mudança nas
atribuições, e no orçamento, da EMSA é apenas um pormenor desta
nova política europeia. Criada em 2004, após os derrames de dois
petroleiros nas costas da UE (o Erika e o Prestige), a agência é
uma das mais discretas no panorama europeu. Mas, recentemente, depois
da crise dos refugiados, ganhou um protagonismo diferente. As
informações que a equipa de Leendert Bal recolhe na sua “sala de
controlo”, no Cais do Sodré, em Lisboa, tornaram-se essenciais
para as autoridades que fazem o patrulhamento do Mediterrâneo.
Um radar em Lisboa
Numa das salas do
edifício, desenhado pelo arquitecto Manuel Tainha, que parece
terminar com um cubo suspenso sobre o Tejo, estão quatro operadores
da EMSA a controlar todos os movimentos de navios e embarcações na
costa europeia. O Mediterrâneo está em primeiro plano no ecrã
projectado na grande parede, em frente dos operadores. “Nós somos
um fornecedor de informação para a Frontex”, explica-nos Leendert
Bal. Ao Cais do Sodré chegam as imagens de satélite recolhidas pela
Agência Espacial Europeia, a que a EMSA junta as suas próprias
informações sobre a identificação, trajecto, destino e carga dos
navios. Isto serve para que a Guarda de Fronteiras Europeia faça uma
triagem de quais os navios que devem merecer a sua atenção, por
poderem transportar imigrantes ilegais.
Os drones, que a
Força Aérea vai comandar a partir de 2017, fazem parte dessa
estratégia, explica o director da EMSA: “O mar é enorme e é
sempre um desafio percebermos o que lá se passa. Precisamos de toda
a informação que pudermos ter. Seja por navios, aviões, drones ou
satélites… Eu encaro tudo isso como uma caixa de ferramentas. É
bom que tenhamos uma imagem precisa daquilo que procuramos, neste
caso de migrantes.”
Os drones têm outra
vantagem, explica Bal. Como não são tripulados, não colocam em
risco a integridade de nenhum membro da equipa, “caso alguma coisa
corra mal”. E conseguem permanecer em cima do “alvo” por muito
mais tempo que um satélite (que acompanha os movimentos da Terra, e
não consegue focar um ponto em contínuo durante o tempo
necessário).
*Exclusivo
PÚBLICO/Investigate Europe
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