Numa
praça de Beja, substituiu-se calçada por laje e o resultado é um
piso partido
Em
2003 foram gastos cerca de 500 mil euros na renovação do espaço.
Decorridos 13 anos, das 1600 lajes de mármore que formam o
pavimento, estão partidas cerca de 300.
CARLOS DIAS 8 de
Dezembro de 2016, 8:46
De entre as 13
intervenções de requalificação e reordenamento de espaço urbano
que faziam parte do programa Beja Polis, destaca-se a alteração
profunda que foi efectuada na Praça da República, onde, em 2003,
foram investidos cerca de 500 mil euros. Agora, outro tanto ou mais
será investido pela câmara para que tudo volte ao que estava antes,
retirando-se as lajes que se foram partindo para que a calçada
regresse.
Quando foi
apresentado o projecto de reformulação da principal praça da
cidade de Beja, em 2001, a opção da autarquia suscitou desde logo
forte contestação. O modelo proposto anulava radicalmente a
configuração do espaço, em calçada portuguesa, datado de 1940. No
seu lugar iria surgir um pavimento em lajes de mármore de Trigaches
com um metro de lado e uma espessura de cinco centímetros.
Decorridos 13 anos, das 1600 lajes de mármore que formam o
pavimento, foram partidas pelo rodado das viaturas quase 300.
Pinto Leite, à
época coordenador do Programa Polis, reagindo, em dado momento, ao
cepticismo dos críticos do projecto de reformulação da Praça da
República, alegou ter sido “adoptada uma solução minimalista que
evidencia a sua importância e contemporaneidade”.
As críticas
recrudesceram quando foram encontrados importantes achados
arqueológicos durante os trabalhos de remodelação da praça. Com
efeito, no subsolo surgiram “pequenas peças quadrangulares de
mosaico (tesselas) incrustadas em pavimentos antigos muito bem
preservados”, descrevia-se em 2003.
A praça, de
configuração rectangular, com cerca de 4500 metros quadrados de
área, está na zona mais sensível da cidade de Beja por se situar
no local onde foram (re)descobertos, em 1997, os primeiros vestígios
do fórum romano pela arqueóloga Conceição Lopes. Foi o arqueólogo
Abel Viana o primeiro a identificar estruturas que associou a um
templo romano, em 1939, durante os trabalhos de abertura dos
alicerces para a construção do depósito de água que acaba de ser
demolido.
A arqueóloga
Adelaide Pinto, então envolvida no levantamento arqueológico da
Praça da República, referiu que, apesar da importância dos
achados, só era possível “limpar, fotografar e registar” por
falta de verbas para levar a cabo uma escavação. Os vestígios
foram outra vez enterrados, depois de revestidos com uma tela de
geotêxtil coberta com uma camada de areia. Por cima foram colocadas
as lajes de mármore.
Para além do
mal-estar gerado na população por não ser possível aproveitar a
oportunidade para se revelarem importantes testemunhos do passado
histórico da cidade, a solução encontrada para o novo pavimento da
praça depressa se revelou inadequada perante o uso que foi feito do
espaço.
Viaturas pesadas
“até da própria autarquia”, admitiu ao PÚBLICO João Rocha,
presidente da Câmara de Beja, foram partindo as lajes, um tipo de
pavimento que provoca quedas frequentes, sobretudo nos mais idosos,
devido ao piso escorregadio e ao facto de as oscilações do solo
deixarem umas lajes salientes em relação às outras.
João Rocha
reconheceu a razão dos protestos de um número crescente de cidadãos
que insistem em reclamar o pavimento instalado em 1940 e anunciou, na
passada semana, a reposição da calçada “semelhante ao que era
antigamente”, mantendo, no entanto, o piso plano, sem passeios.
Mais receptivo à
promoção e valorização da componente arqueológica e histórica
da praça, o autarca quer “um centro histórico desenvolvido e
dinâmico” e até já lhe atribuiu uma designação: Fórum Beja.
Vai inclusive estudar a possibilidade de tornar visível o piso
romano que foi identificado durante os trabalhos da remodelação da
praça em 2003, colocando um espaço vidrado.
O autarca tem,
contudo, um bico-de-obra pela frente. A nova remodelação da praça
vai implicar também a reformulação da rede de águas pluviais e de
esgotos que atravessam o espaço. O levantamento das lajes vai impor
mexidas no subsolo onde permanece quase desconhecida uma grande
riqueza arqueológica.
Resta saber até
onde o município estará disposto a investir para satisfazer a
expectativa mantida ao longo de séculos sobre o que estará por
baixo da praça, quando, a poucos metros ao lado, continua a ser
escavado um património arqueológico datado de um período temporal
que vai do século VII a.C até à época moderna. Conceição Lopes,
que coordena os trabalhos, já identificou vários alicerces de
construções romanas, islâmicas e medievais que se estendem para a
área da praça.
João Rocha não
avança um valor do custo da nova remodelação da Praça da
República em Beja, mas tudo aponta para que seja superior aos 500
mil euros investidos em 2003 numa obra que durou 13 anos. O programa
Beja Polis, que envolveu 13 projectos, custou ao erário público
cerca de 20 milhões de euros.
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