A
mensagem de Natal de António Costa
O
que o país precisa não é de mais “conhecimento”, mas sim de
utilizar o conhecimento que tem, para não andarmos todos a louvar a
“geração mais qualificada de sempre” ao mesmo tempo que
produzimos a geração qualificada mais pobre de sempre.
27 de Dezembro de
2016, 6:50
António Costa foi a
um jardim de infância gravar a sua mensagem de Natal para nos dizer
que vai apostar no ensino, porque o “maior e verdadeiro défice”
do país “é o défice do conhecimento”. Cenário novo, mensagem
velha: eleger como principal prioridade do país o combate ao défice
do conhecimento apenas revela um grande défice de imaginação. Essa
é uma prioridade pelo menos desde Marcello Caetano, que em 1970 já
falava na absoluta necessidade de levar a cabo a “grande, urgente e
decisiva batalha da educação”.
Daí sairia a
Reforma Veiga Simão, lançada em 1973 com a publicação da primeira
lei de bases do sistema educativo, que alargou a escolaridade
obrigatória até ao oitavo ano. De então para cá, o investimento
na educação cresceu de forma ininterrupta até 2002. E que
crescimento: o seu peso no orçamento quadruplicou em menos de 30
anos, de 1,3% do PIB em 1974 até 5,1% em 2002. Em valores absolutos,
os números são ainda mais impressionantes. Um aluno custava
anualmente ao Estado cerca de 115 euros em 1974 (fonte Pordata,
valores actualizados), e em 2010 esse número situava-se já em 810
euros. Desceu para 625 euros desde então, devido à crise, à
reorganização do mapa escolar e ao impacto demográfico no ensino,
que conduziu a uma acentuada diminuição do número de professores.
Ainda assim, a
paixão pela Educação é a maior constante da democracia
portuguesa, tanto à direita como à esquerda. Experimentem situar
esta frase no tempo: “Educar todos os portugueses promovendo uma
efectiva igualdade de oportunidades, independentemente das condições
sociais e económicas de cada um, é o objectivo desta batalha da
educação.” Ela poderia ter sido proferida em 1976, em 1986, em
1996, em 2006 ou em 2016. Na verdade, é retirada do Diário das
Sessões da Assembleia Nacional de 1972.
Embora a herança
salazarista tenha sido trágica no campo da Educação, com quatro
décadas a doutrinar criancinhas com a trilogia Deus, Pátria e
Família e a promover um país pobre, rural e conformado com a sua
própria mediocridade, o certo é que já se passaram outras quatro
décadas desde então, e o país progrediu imenso em termos
educativos. Ainda que seja necessário continuar a melhorar as
escolas e as universidades, “o défice do conhecimento”
dificilmente pode ser hoje considerado o “maior e verdadeiro défice
do país”, a não ser para as gerações que têm mais de 50 anos.
O que o país
precisa não é de mais “conhecimento”, mas sim de utilizar o
conhecimento que tem, para não andarmos todos a louvar a “geração
mais qualificada de sempre” ao mesmo tempo que produzimos a geração
qualificada mais pobre de sempre. No Portugal dos descamisados
doutorados, o verdadeiro défice está na classe empresarial e num
tecido económico incapaz de absorver dezenas de milhares de
trabalhadores qualificados, que rapidamente se tornam
sobrequalificados por não terem forma de exercer as profissões para
as quais se formaram. É isto que António Costa devia estar a
combater. Só que esse combate não se faz com mais Estado, como se
fez durante anos, porque já não há dinheiro para isso. Faz-se com
mais iniciativa privada e mais sociedade civil – um caminho
proibido no seio da coligação que nos governa, para quem um bom
investidor é apenas o estádio larvar de um mau patrão. E como há
défice de apoio para combater o novo défice, combate-se o velho
como se fosse novo. Resolvem-se os verdadeiros problemas do país?
Não resolvem. Mas compõem-se bonitas mensagens de Natal.
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