Batalha
entre habitação e arrendamento turístico chega ao STJ
Juristas
sustentam que acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa pode abrir
“via verde” para a contestação ao alojamento local. Relação
do Porto está dentro do entendimento que tem prevalecido.
Rosa Soares
ROSA SOARES 8 de
Dezembro de 2016, 8:01
Dois acórdãos do
Tribunal da Relação de Lisboa e do Porto têm interpretações
diferentes sobre a legitimidade da prática de arrendamento turístico
em prédios destinados a habitação, cabendo agora ao Supremo
Tribunal de Justiça (STJ) decidir que direitos devem prevalecer.
Tal como o PÚBLICO
noticiou na edição desta quarta-feira, o acórdão da Relação de
Lisboa sustenta que não pode ser dado a uma fracção autónomo
utilização diferente para a que estava destinada. Esta quarta-feira
ficou a saber-se da existência de outro acórdão do Tribunal da
Relação do Porto, que não vê conflitualidade na prática da
actividade de alojamento de curta duração em prédio de habitação.
A decisão de Lisboa
foi objecto de recurso para o STJ, fundamentado “em contradição
de julgados [decisões contraditórias], estando a aguardar despacho
de admissão”, disse ao PÚBLICO, Gonçalo Almeida Costa, advogado
da CCA Ontier, que representa a proprietária que quer continuar a
exercer a actividade de arrendamento para turistas num prédio de
Lisboa. No caso do acórdão do Porto é provável que também tenha
sido objecto de recurso para o STJ, mas o PÚBLICO não conseguiu
confirmar oficialmente a informação.
A validade dos dois
entendimentos será feita pelo STJ, que ainda assim pode ter
entendimentos diferentes, como acontece com muita frequência, o que
poderá tornar necessário o recurso à uniformização de
jurisprudência. Isto é, em face de divergência de entendimentos
pode recorrer-se para “o pleno das secções”, para que se
proceda à uniformização de decisões do tribunal. Só depois disto
é que a decisão passará a ser aplicada em todos os processos
idênticos.
As duas decisões
correspondem a recursos de providências cautelares, no num caso foi
aceite pela primeira instância (Porto), e na segunda foi recusada
(Lisboa). Para os juristas ouvidos pelo PÚBLICO, é o acórdão da
capital que vai contra a corrente.
Luís Filipe
Carvalho, sócio da ABBC, entende que a confirmar-se o acórdão de
Lisboa “está aberto um precedente jurisprudencial que dará
argumentos para os condóminos poderem combater o alojamento local
licenciado”. O jurista Fernandes Martins também destaca o facto do
acórdão de Lisboa “ir contra o que tem sido o entendimento geral,
incluindo das próprias entidades públicas, que é o de ser possível
o exercício de actividade comercial em prédio de habitação
permanente”. Sem querer desvalorizar o do Porto, o assessor
jurídico da Associação dos Inquilinos e Condóminos do Norte de
Portugal defende que mantém o entendimento que tem prevalecido.
Para este jurista, a
decisão da Relação de Lisboa tem a vantagem de apertar muitos
proprietários para os poderes que a assembleia de condóminos pode
ter para autorizar ou não a utilização que uma ou mais fracções
possam ser afectas ao arrendamento temporário, possibilidade que
muitos proprietários desconheciam”.
O recurso aos
tribunais parece inevitável, a menos que o legislador altere a forma
de licenciamento do arrendamento local, passando a exigir, como
requisito fundamental, a não oposição dos condóminos para que
esta actividade seja exercida em fracções afectas a habitação.
Luís Filipe Carvalho considera, no entanto, que se “o acórdão de
Lisboa se tornar definitivo se estará em via verde para que os
condóminos venham a recorrer a tribunal peticionando que seja
proibido o alojamento local licenciado”.
Tiago Mendonça de
Castro, da PLMJ, sustenta quer as decisões da assembleia de
condóminos quer a recusa de aceitação dessas decisões por parte
de algum condómino poderá ter de ser dirimida nos tribunais.
“No que respeita à
utilização de uma casa para alojamento temporário de pessoas
(turistas ou não turistas, tanto faz), o condómino que se vir
confrontado com uma deliberação da assembleia de condóminos
determinando que ele não o pode fazer com a sua fracção pode
impugnar judicialmente essa deliberação, não acatar a deliberação
do condomínio (por considerar, bem ou mal, que a mesma não é
valida) e esperar que seja o próprio condomínio a reagir e a
interpor uma acção em Tribunal”, explicou Tiago Mendonça de
Castro.
Argumentos em
confronto
O acórdão do
colectivo de juízes do Porto concluiu que “no caso em apreço não
se mostram demonstrados factos necessários para proceder os
requisitos de que dependia o decretamento da providência cautelar
(…)”. Mas também admite várias dúvidas: “ (…) embora
admitindo dúvidas e aceitando que novos argumentos possam surgir,
somos levados a concluir que resultando da constituição da
propriedade horizontal que a função se destina à habitação mas
não resultando que isso exclua o alojamento temporário de turistas,
a circunstância de esse alojamento ser prestado em regime de
prestação de serviços não é obstante para afirmar que a
utilização é diversa e incompatível com a utilização para
aquele destino autorizado”.
Ao contrário da
fundamentação de Lisboa, segundo a qual “se um condómino dá à
sua fracção um uso diverso do fim a que, segundo o título
constitutivo da propriedade horizontal, ela é destinada, ou seja, se
ele infringe a proibição contida no artigo 1422º (…) do Código
Civil, o único remédio para essa afectação é a reconstituição
natural (afectação da fracção em causa ao fim a que ela estava
destinada) ”, a do porto admite que “o alojamento temporário de
turistas não deferirá em regra da utilização similar à que seria
feita pelo proprietário ou por um arrendatário para habitação do
respectivo agregado familiar”.
Airbnb
passou a pedir prova de legalização das casas
Alteração
à lei que regula o alojamento local será discutida no próximo ano.
Um dos temas em cima da mesa é o da autorização do condomínio.
Ana
Rute Silva
ANA
RUTE SILVA 8 de Dezembro de 2016, 8:00
A
Airbnb passou a pedir aos proprietários o número de licença ou
registo do imóvel anunciado na plataforma. A alteração foi feita
no início de Dezembro e é uma medida adoptada noutros mercados,
como “algumas comunidades autónomas de Espanha e cidades dos
Estados Unidos”, indica fonte oficial da plataforma.
Os
apartamentos e moradias registados como alojamento local têm
atribuído um número específico, que passa a ser preciso indicar em
todos os imóveis na plataforma. Actualmente, o site português tem
53 mil anúncios.
A
empresa sublinha, contudo, “que é o anfitrião que o deve fazer
activamente”. Ou seja, quem não indicar a informação não fica
excluído da plataforma.
Questionada
sobre o número de casas que já têm registo legal, a mesma fonte
diz que ainda não é possível fazer balanços. “Acabámos de
implementar a medida, pelo que ainda não temos dados disponíveis”,
disse. O pedido de registo passou a ser obrigatório a partir de 3 de
Dezembro.
Ao
que o PÚBLICO apurou, outras plataformas, como a Booking, que
recentemente alargou a sua oferta de alojamento a apartamentos de
particulares, não pedem qualquer número de registo. Neste caso, a
empresa argumenta que o site não é português e o serviço é
operado a partir dos Países Baixos, onde a lei não obriga a incluir
o número de licença.
Um
estudo recente feito pela Nova SBE a pedido da Associação da
Hotelaria de Portugal (AHP) indica que, à data de 29 de Setembro, o
número de unidades registadas na Airbnb era 37% superior ao do
Registo Nacional de Estabelecimentos de Alojamento Local (RNAL),
disponibilizado pelo Turismo de Portugal. Os dados mais recentes,
referentes a 6 de Dezembro, mostram que a diferença será
ligeiramente menor, com dois terços das casas legalizadas a estarem
abrangidas pela plataforma (66%, contra 34% sem registo, ou seja, 18
mil imóveis por legalizar).
O
alojamento local está regulamentado desde 2008, em portaria, mas em
Janeiro de 2014 uma revisão ao Regime Jurídico dos Empreendimentos
Turísticos veio autonomizar este tipo de unidades num diploma
próprio e na forma de decreto-lei. A intenção do Governo de então,
com Passos e Portas ao leme e Adolfo Mesquita Nunes na Secretaria de
Estado do Turismo, era legalizar os apartamentos arrendados a
turistas e simplificar o registo. Por exemplo, deixou de ser
necessário um pedido de licenciamento ou autorização e passou a
bastar uma comunicação prévia junto da câmara municipal.
Na
preparação à revisão da lei, em 2014, a hotelaria defendeu desde
logo que os condóminos deveriam ter uma palavra a dizer quanto ao
uso de um apartamento para arrendamento a turistas, assunto que, com
as decisões dos tribunais da relação de Lisboa e do Porto, agora
conhecidas, e uma revisão à lei em curso, volta a estar na ordem do
dia.
Ana
Mendes Godinho, a actual secretária de Estado do Turismo, já fez
saber que são precisas “afinações” na lei, nomeadamente no que
toca a questões de higiene e segurança. As mudanças serão
discutidas no próximo ano mas a Associação da Hotelaria de
Portugal já deu a conhecer algumas das suas propostas. Uma passa por
“proibir que fracções de imóveis arrendadas para habitação
possam funcionar como estabelecimentos de alojamento local”, uma
das questões levantadas precisamente pelos acórdãos.
Eduardo
Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal,
defende que a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (a favor de
uma assembleia de condóminos que queria proibir o arrendamento a
turistas) “não se pode generalizar” e contesta a proposta de
fazer depender a atribuição de licença de uma autorização do
condomínio.
“Não
estou a ver como é que, quem tem, efectivamente, interesse no sector
do turismo pode alinhar com uma medida que, praticamente, aniquila o
sector. Não estou a ver alinharem numa posição que coloca em risco
70% da oferta feita por famílias, micro empresários e que tem sido
um instrumento estratégico do turismo”, continua.
Perguntas
e respostas sobre o alojamento local
PÚBLICO 8 de
Dezembro de 2016, 8:03
Os acórdãos de
Lisboa e do Porto têm efeitos imediatos?
Não. O acórdão da
Relação de Lisboa foi alvo de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça (STJ), aguardando-se a decisão da sua aceitação ou não.
No caso do Porto, o acórdão, também deverá ser sido objecto de
recurso para o supremo, informação que o PÚBLICO não conseguiu
confirmar. Em ambos os casos estão em causa decisões da primeira
instância sobre providências cautelares.
Estes acórdãos
fazem jurisprudência para outros processos em curso?
Não. O Código de
Processo Civil prevê que, caso venham a existir decisões
contraditórias entre as diversas secções do Supremo Tribunal de
Justiça, possa recorrer-se para o pleno das secções, para que se
proceda à uniformização da jurisprudência (decisão única) do
tribunal. Neste caso em concreto ainda não há decisões sobre esta
matéria.
Mas estes acórdãos
podem influenciar outras decisões de primeira instância ou mesmo da
Relação?
Podem. Há todo um
trabalho de fundamentação que está feito. Mas como sustentam
entendimentos distintos a preferência fica nas mãos dos juízes. Já
as primeiras decisões do Supremo poderão exercer maior influência
sobre outros processos. Mas muito frequentemente, a instância
superior também tem entendimentos diferentes em processos
semelhantes, o que torna necessário o recurso à tal uniformização
de jurisprudência.
Quantos alojamentos
locais existem em Portugal?
Não se sabe. Muitos
operam de forma informal. Oficialmente, existem 35.119 unidades
registadas pelo Turismo de Portugal. Já a plataforma Airbnb em
Portugal tem cerca de 53.000 anúncios referentes ao mercado
nacional.
E o registo no
Registo do Alojamento Local (RNAL) é obrigatório?
Sim, o registo é
obrigatório tal como a sua actualização.
É preciso um
licenciamento?
De acordo com o
Turismo de Portugal, não. Para o efeito basta registar o
estabelecimento no Registo do Alojamento Local RNAL.
Como se desiste de
explorar do estabelecimento?
A cessação da
exploração, diz o Turismo de Portugal, deve ser comunicada através
do balcão único electrónico “no prazo máximo de 60 dias após a
sua ocorrência”.
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