#Turismo.
Lisboa tem saudade do tempo em que saudade era tudo o que tinha?
Nos
bairros mais típicos da capital, a população está, aos poucos, a
ser substituída por visitantes de ocasião. Mas se os moradores
locais desaparecerem, o que ficará para os turistas verem?
NELSON MARQUES
17.12.2016 às 18h00
Mais de 11 mil
milhões de euros foi quanto os 17,4 milhões de turistas (nacionais
e estrangeiros) que visitaram Portugal no ano passado deixaram no
país. Quase mil milhões por mês, mais de 30 milhões por dia. No
Porto, o número de visitantes aumento quase 30% para perto de 1,5
milhões. Em Lisboa, foram quase 4,2 milhões, algo mais de meio
milhão em relação a 2014 e um pouco mais de um milhão em relação
a 2013. Este ano serão ainda mais, batendo os recordes fixados há
um ano. Por cada dedo apontado à "invasão de turistas" há
uma estatística para contrapor. E por trás de cada número estão
muitas pessoas: 8% dos trabalhadores nacionais dependem do turismo,
que representa 15% das exportações e cerca de 5% do PIB. Só nos
primeiros nove meses do ano o setor criou 40 mil novos empregos.
Não são preciso
números para ver aquilo que os olhos nos contam: mesmo aqueles que
denunciam os efeitos colaterais do turismo reconhecem que, em Lisboa
(e também no Porto), a requalificação dos edifícios teve um
impulso notável nos últimos anos, depois de décadas de abandono. A
cidade é hoje mais bonita, mais cosmopolita e cada vez mais
procurada por estrangeiros, de passagem ou que querem ficar por cá.
Foi esse dinheiro vindo de fora, do bolso de turistas ou de
investidores estrangeiros, que permitiu recuperar muito património.
Só não vê quem não quer.
Mas há histórias
que os números não contam. Para lá dos tuk tuks e dos go carts
amarelos agora transformados em algo “very typical”, há pessoas
empurradas para fora das casas e dos bairros onde sempre viveram. Há
idosos que dependem do vizinho para tomar uma injeção de insulina e
que terão de ir viver sabe-se lá para onde porque o senhorio quer
transformar o prédio em alojamento para turistas. Há negócios de
bairro que deram lugar a lojas gourmet e de souvenirs; prédios onde
não mora ninguém, só gente de passagem; e ruas onde já só se
fala Inglês. Em Alfama, um dos bairros mais típicos de Lisboa, a
população está, aos poucos, a ser substituída por visitantes de
ocasião.
O despovoamento não
é de agora e as explicações são várias (políticas de apoio à
habitação própria na periferia, falta de atratividade do próprio
centro histórico, situado em colinas de ruas estreitas, sobretudo
para famílias, etc.), mas parece inegável que o turismo e a pressão
exercida pelo alojamento local veio acentuar este processo. Em
Alfama, as rendas no segundo trimestre de 2016 subiram quase 20% em
relação ao mesmo período do ano passado. Um apartamento com uns
míseros 50 metros quadrados custa hoje, em média, 545 euros por
mês. Um de 100 metros quadrados pode ultrapassar os 2000.
Dirão alguns que é
o mercado a funcionar e que este é o preço a pagar pela
reabilitação urbana e pelo turismo que dá emprego e dinheiro a
tanta gente. Contraporão outros que esta "turistificação
desenfreada" está a matar Lisboa. Terão ambos (alguma) razão.
Mas também estão ambos errados. Porque neste debate polarizado tem
faltado sobretudo equilíbrio. Lisboa era uma cidade que morria de
velha sem a vitamina do turismo. Mas uma cidade sem os seus velhos,
sem as suas comunidades, não é uma cidade, é um amontoado de
prédios. Sem gente para neles viver, também eles, hoje belos e
reluzentes, acabarão por morrer. E o que ficará então para os
turistas verem?
Falta a Lisboa uma
ideia de cidade, da cidade que quer ser no futuro. Uma cidade que
equilibre a sua crescente procura global com a qualidade de vida dos
seus habitantes. Continua a ser uma cidade deslumbrante debaixo de
todos estes turistas, mas era bom que não esquecesse quem nela vive.
PS: Em julho de
2015, o vereador do Planeamento da Autarquia, Manuel Salgado, admitiu
que havia uma “concentração excessiva” de alojamentos
turísticos em algumas zonas de Lisboa e prometeu uma avaliação do
impacto do turismo na cidade até ao final desse ano. Um ano depois
ninguém sabe o que é feito dessa avaliação. Deixou de interessar
à autarquia?
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