República
da Corrupção Portuguesa
Lalanda
e Cunha Ribeiro são apenas a ponta de um icebergue cuja profundidade
ainda mal conseguimos vislumbrar.
JOÃO MIGUEL TAVARES
17 de Dezembro de
2016, 7:06
A Operação O
Negativo, que levou à detenção preventiva de Paulo Lalanda e
Castro e Luís Cunha Ribeiro por suspeitas de corrupção nos
negócios milionários do plasma, é, em primeiro lugar, uma vitória
do jornalismo de investigação. Convém recordar que tudo começou
com um excelente trabalho da jornalista Alexandra Borges para a TVI:
uma grande reportagem chamada O Negócio do Plasma que, em Junho do
ano passado, pôs a nu o escândalo monumental nos concursos para
hemoderivados, que atribuíram o quase monopólio do sector à
empresa Octapharma nos tempos de António Guterres. Antes de ascender
a Santo António de Nova Iorque e todos os seus pecados serem
absolvidos, Guterres era um primeiro-ministro rodeado de gente muito
pouco recomendável. Num daqueles velhos concursos feitos à medida
de um só concorrente, o Ministério da Saúde colocou em 2000 o
fornecimento nacional do plasma nas mãos da Octapharma, representada
por Lalanda e Castro, num negócio que chegou a atingir 70 milhões
de euros num só ano.
Os leitores mais
regulares desta página recordar-se-ão de eu ter falado várias
vezes desse assunto em Agosto de 2015. Na sequência de um dos meus
artigos, Lalanda e Castro chegou a protestar por eu o ter incluído
no grupo dos “bons rapazes” que ao longo dos anos foram
enriquecendo à custa do Estado. Fê-lo através de um direito de
resposta onde garantia ser “inaceitável este juízo de valor sobre
pessoas, não só por ser alicerçado em factos cujos reais contornos
o autor do escrito manifestamente desconhece, como por ser falso”.
Até ao momento nada está provado, como é evidente, mas pelo menos
já há mais gente a fazer sobre Lalanda e Castro o mesmo juízo
“inaceitável” que eu fiz, e que basicamente consistiu em ter
dois olhos na cara e assistir a uma investigação jornalística
fundamentadíssima, que mostrava que não só o Estado andava a ser
lesado há 15 anos, como desrespeitava o esforço de milhares de
dadores de sangue que viam uma parte substancial da sua dádiva ir
para o caixote do lixo, para depois o Estado ir comprar plasma
inactivado à Octapharma a preço de ouro.
Mas há mais. O meu
último artigo sobre o tema terminava assim: “Um dos médicos que
integraram o júri do concurso de 2000, Luís Cunha Ribeiro, actual
presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do
Tejo, viveu desde 2004 num apartamento de Lalanda e Castro (…) no
prédio Heron Castilho, popularizado pelo engenheiro José Sócrates,
que foi empregado de Lalanda na Octapharma entre 2012 e 2014 (…).
Questionado pela TVI, Cunha Ribeiro, apesar de ocupar presentemente
funções públicas, não apresentou qualquer informação acerca do
seu contrato de arrendamento. Talvez Paulo Lalanda e Castro nos
queira esclarecer a todos quanto a isso, já que entende que as
considerações que sobre ele faço são tão injustas.”
Lalanda e Castro não
mais voltou a responder-me – responde agora a justiça por ele. Mas
vale a pena acrescentar esta adenda: apesar dos fortíssimos factos
apresentados na reportagem, Luís Cunha Ribeiro continuou a presidir
à ARS de Lisboa e Vale do Tejo, apenas se demitindo em Dezembro do
ano passado, na sequência da morte de David Duarte no Hospital de
São José. Em 12 anos, Cunha Ribeiro atravessou quatro governos de
três partidos, sempre em cargos públicos de relevo e com várias
suspeitas às costas. Espero que a culpa não morra solteira. Lalanda
e Cunha Ribeiro são apenas a ponte de um icebergue cuja profundidade
ainda mal conseguimos vislumbrar.
Sem comentários:
Enviar um comentário