Trata-se de uma - mais uma - pura e escandalosa destruição do Património Arquitectónico.
Flávio Lopes e Teresa Gamboa não desistiram ou se deixaram intimidar pelo parecer: “verificando-se que o edifício de gaveto (…) se encontra em bom estado de conservação e aparenta um aspecto construtivo sólido e de correcto enquadramento, foi transmitido ser de excluir tal hipótese (da demolição)”. Simplesmente esperaram por uma outra oportunidade, para criminosamente destruirem o Património, que eles supostamente representam. Escandaloso e crime de lesa -Património.
OVOODOCORVO
A
casa da Rua da Lapa vai tornar-se num edifício moderno
Apesar
das críticas, a casa que marcava o bairro veio abaixo. Uma
transformação que teve pareceres contrários
JÉSSICA ROCHA 3 de
Dezembro de 2016, 9:37
Poucos ficaram
indiferentes à destruição da moradia no nº 69 da Rua da Lapa, em
Lisboa. Moradores, membros de fóruns e páginas online, arquitectos
e historiadores mostraram-se revoltados com o derrube de uma casa do
século XVIII que era uma das “mais icónicas do bairro” e cuja
destruição causou “uma dor de alma”, como descreveram ao
PÚBLICO. No seu lugar surgirá um prédio com a assinatura de Aires
Mateus, que rompe com o passado. Já antes uma proposta diferente de
um projecto que implicaria o derrube da casa tinha recebido pareceres
negativos, mas desta vez a Direcção-Geral do Património Cultural
(DGPC) acabou por dar luz verde.
Manuel Aires Mateus,
o arquitecto responsável pelo desenho do novo edifício e autor,
entre outros projectos, da nova sede da EDP e do lar de Alcácer do
Sal, compreende o receio dos moradores de que se inicie ali a
descaracterização do bairro da Lapa, mas acrescenta que este é
injustificado: “É legítimo as pessoas terem medo da troca, porque
normalmente quando se deita abaixo uma casa é para construir algo
pior, mas houve um grande cuidado em desenhar um (novo) edifício com
elegância que daqui a um tempo estará mais que assimilado na
cidade”.
No lugar da moradia
cor-de-rosa de estilo pombalino, com janelas de guilhotina, frescos e
azulejos centenários e sobreportas em vidro no interior, vai surgir
um prédio de seis pisos com cinco apartamentos (um por andar) com a
entrada principal virada para a Rua da Lapa e outro apartamento
independente cuja entrada se faz pela Rua São João da Mata. A casa
original foi demolida no dia 13 de Outubro porque os proprietários,
seis irmãos da família Pereira Coutinho, não tinham espaço para
lá morar juntos. “A casa que lá existia não servia o propósito
que devia, de albergar os irmãos todos. E é evidente que era uma
casa romântica e engraçada, mas nenhuma família pode ficar sem ter
onde morar só porque a casa é engraçada”, adiantou Manuel Aires
Mateus. O arquitecto vai mais longe: “A casa não tinha um valor
patrimonial por aí além, e o que estamos a desenhar corresponde à
função que é solicitada agora pela família”. Mantém-se a área
que já correspondia ao jardim e adapta-se o resto “ao que é
permitido pela lei em relação à capacidade construtiva”.
O projecto da
reconstrução foi aprovado a 12 de Maio de 2014. Na parte dos
condicionantes da obra vê-se que a propriedade está incluída na
zona de intervenção do Aeroporto de Lisboa e na zona especial de
protecção do conjunto do Museu Nacional de Arte Antiga, da Igreja
de São Francisco de Paula, do Convento das Trinas e de Mocambo e do
Chafariz da Esperança. Na proposta apresentada para alteração do
imóvel, podia ler-se: “Propõe-se uma construção nova que se
alicerce na memória do existente”. Porém, a ideia não é copiar
o que já lá estava, explicou Manuel Aires Mateus: “Não se pode
imitar o antigo. As coisas ou são feitas naquela época ou agora. Há
imensos edifícios que preservamos, ou porque têm qualidade, ou
porque correspondem à função para que são precisos, mas este nem
tinha qualidade nem correspondia ao necessário”.
Na apreciação do
projecto da nova construção, pode ler-se: “O representante da
DGPC (arquitectos Alberto Flávio Lopes e Teresa Gamboa) considerou
que o projecto pode ser aprovado atendendo a que se harmoniza
volumetricamente com a envolvente e não interfere com o significado
e a singularidade dos bens imóveis classificados que justificam a
servidão administrativa, com as quais não mantem qualquer relação
de co-visibilidade”. Segundo outra técnica da DGPC, isto significa
que só se a obra interferisse “directa e negativamente” com
algum dos monumentos protegidos da área envolvente é que a entidade
poderia dar um parecer negativo e impedi-la. Neste caso, a demolição
completa do imóvel e a sua reconstrução de raiz não representaram
problemas, “uma vez que nem sequer estão no campo de visão dos
monumentos, não os afectam em nada”.
Indo ao encontro das
palavras de Aires Mateus, a mesma fonte da DGPC afirmou: “segundo
as directrizes europeias pelas quais nos regemos, quando há obras em
imóveis antigos, não se tenta ‘imitar’ o estilo do que já
existia. Não queremos enganar quem passa e levá-lo a acreditar que
está a ver uma construção do século XVIII ou XIX quando ela na
verdade foi construída em 2016. Tem de ser óbvio que é uma
construção do ano em que foi feita”. Também no projecto pode
ler-se que a obra “caracterizar-se-á pelo uso de materiais e
técnicas contemporâneas, por forma a atingir os melhores padrões
de qualidade, segurança, fiabilidade e conforto”.
“Não é um
edifício com um desenho para ser muito visível nem marcante, tem a
modéstia de ser acompanhante das características de escala e
geometria dos outros edifícios da cidade”, referiu ainda Manuel
Aires Mateus.
No entanto, no
processo também estão incluídos documentos que mostram que, há
quatro anos, a opinião foi diferente. A 20 de Janeiro de 2012,
Heromina Crasto Teixeira e outros investidores pediram uma apreciação
sobre a hipótese de demolir o imóvel a uma equipa de arquitectos,
do ateliê Origem Arquitectos, da qual fez parte Mónica Cruz, e
receberam um parecer negativo. Na justificação da avaliação,
podia ler-se que a equipa verificou que a demolição “não será a
melhor opção, quer pelo edifício quer pela zona de PDM onde se
enquadra”, pelo que se pedia a opinião à DGPC sobre uma
ampliação/alteração ao imóvel, afastando-se a sua destruição
total.
Ana Paula Sampaio,
técnica da DGPC, assinou a carta de proposta de reunião (na qual
foi discutida a obra no imóvel), em que se lê: “verificando-se
que o edifício de gaveto (…) se encontra em bom estado de
conservação e aparenta um aspecto construtivo sólido e de correcto
enquadramento, foi transmitido ser de excluir tal hipótese (da
demolição)”. Contudo, está explícito no mesmo parecer que era
de admitir “uma solução de alteração ou ampliação, em função
dos parâmetros admissíveis pra o local em termos de PDM”. Face a
estas opiniões, a obra não seguiu em frente. Até 2014, altura em
que os pareceres foram em sentido totalmente contrário aos
primeiros, acabando por ser aprovados pela DGPC.
Texto editado por
Ana Fernandes
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