quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Utentes do metro da zona norte de Lisboa contestam avanço da linha circular e ponderam usar o carro



Utentes do metro da zona norte de Lisboa contestam avanço da linha circular e ponderam usar o carro
Sofia Cristino
Texto
8 Janeiro, 2019

Os utilizadores da Linha Amarela queixam-se do mau funcionamento dos transportes públicos e temem que a sua mobilidade piore com a nova linha circular do metro. O futuro troço obrigará quem vem de Odivelas, Ameixoeira e Lumiar a fazer um transbordo no Campo Grande, demorando mais tempo a chegar ao centro da cidade. Em Telheiras, porém, há quem não veja problema na reformulação da rede nestes moldes, e até elogie a criação de duas novas estações, Santos e Estrela. Quando a futura linha foi anunciada, em maio de 2017, dispararam as críticas de especialistas de mobilidade, de funcionários do metro, da comissão de utentes e de vários partidos políticos. Apesar da contestação, o plano de expansão da rede foi aprovado e as obras deverão arrancar nos próximos seis meses. O Corvo apanhou a Linha Amarela no seu troço Norte para ouvir a opinião dos passageiros. A maioria não quer uma linha circular.

A futura linha circular do Metro de Lisboa (ML), aprovada no passado dia 13 de Dezembro, em Conselho de Ministros, já foi anunciada em Maio de 2017, mas na zona norte de Lisboa muitos ainda desconhecem o plano de ampliação da rede. “É mesmo verdade? Não podem avançar com isso, não faz sentido nenhum. Quem vai beneficiar com essa alteração?”, questiona, surpreendida, Elisabete Ferreira, 40 anos, à entrada da estação de metro da Ameixoeira. As obras do novo troço, com dois quilómetros de extensão, arrancam no primeiro semestre de 2019 e terão um custo de 210 milhões de euros. O novo anel subterrâneo resultará da junção da Linha Verde com parte da actual Linha Amarela. Esta será encurtada, obrigando os passageiros que viajem de Odivelas, Senhor Roubado, Ameixoeira, Lumiar ou Quinta das Conchas, a trocar de linha no Campo Grande para prosseguirem para o centro de Lisboa. Elisabete Ferreira apanha o meio de transporte na Ameixoeira para o local de trabalho, no Marquês de Pombal, e teme mais atrasos na rede. “Vamos demorar muito mais tempo a chegar ao destino e o Campo Grande vai ficar congestionado, não acredito que aumentem as carruagens para Odivelas”, critica.

Além do encurtamento da extensão da Linha Amarela, com a integração das estações da Cidade Universitária ao Rato na Linha Verde (Linha Circular) – tornada possível pela ligação do Cais do Sodré ao Rato -, serão abertas duas novas estações (Estrela e Santos). O novo diagrama da rede foi idealizado para aumentar a frequência de carruagens, mas quem utiliza o transporte está descontente com o que parece ser o favorecimento da zona centro de Lisboa, em detrimento da área Norte da cidade, bem como dos concelhos de Odivelas e Loures. “A Alta de Lisboa continua a ser esquecida. Têm aqui uma oportunidade para ouvir os utentes e não o estão a fazer”, lamenta Catarina Panguana, com cerca de 20 anos. Enquanto a moradora na Ameixoeira se dirige para a estação de metro, cruzando-se com pessoas apressadas para não perderem o transporte, Guilherme Prazeres, 25 anos, olha atentamente para o novo mapa da linha circular, mostrado por O Corvo. E não demora muito tempo a formular uma opinião. “Vamos ter de dar uma grande volta para ir ao centro comercial Colombo, por exemplo. Na Ameixoeira, há poucos serviços públicos e muitas pessoas deslocam-se para Benfica e o centro da cidade para fazerem compras, não vão ficar nada satisfeitas”, observa.

O jovem está desempregado e a frequentar um curso do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), na Reboleira, paragem terminal da Linha Azul. Com o desenho actual da rede do metro demora quase uma hora a chegar ao destino, um período que aumenta consideravelmente com a nova configuração. “Os mais jovens precisam de outro tipo de oportunidades, que também passam pela melhoria dos transportes, influencia muito as nossas escolhas profissionais”, diz Guilherme Prazeres. A população envelhecida e com pouca mobilidade, contudo, poderá ser ainda mais afectada, diz Arlete Oliveira, 70 anos. “Vai causar muito transtorno, principalmente aos idosos, os nossos governantes prejudicam muito as pessoas mais velhas”, critica. A reformada apanha o metro para o Saldanha, onde se desloca com regularidade. Com a nova linha circular, provavelmente, passará a andar mais de táxi.

 Atrás do balcão do café da estação de metro da Ameixoeira, Ricardo Santos, 42 anos, observa o número de utentes que entram e saem. Numa zona de contrastes sociais, foi conquistando clientes de classes baixas e média-alta, ao longo dos anos, e teme que a construção da nova linha afecte algum do trabalho de inclusão que tem sido feito nesta parte da cidade. “Esta zona foi muito valorizada com pessoas de classe média-alta. O novo troço vai diminuir muito a qualidade de vida de quem mora no limite da cidade, vai deixar de ser apetecível viver aqui. As pessoas vão levar o carro para o Campo Grande, que terá mais veículos ainda, e vou perder muitos clientes”, lamenta.

 Numa altura em que o número de carros a entrar em Lisboa aumenta, sendo difícil encontrar uma solução para o tráfego excessivo, Ricardo Santos considera que a rede de metro deveria apostar na extensão às zonas limítrofes da cidade. “Fazia-nos falta uma linha até Loures, trazia muito mais gente para aqui e diminuía o trânsito. Há cada vez mais pessoas a morarem na zona norte e menos no centro histórico, por causa dos preços da habitação. Quando o boom turístico acabar, voltamos a ter a Baixa de Lisboa de há dez anos, deserta”, antecipa. Ricardo Santos considera que as novas estações, em Santos e na Estrela, não são necessárias, uma vez que aquelas zonas da cidade estão “muito bem servidas” de transportes públicos, como os eléctricos 25 e 28 e os autocarros da Carris, e sugere outras estações. “Devia-se fazer uma ligação ao aeroporto. Temos de atravessar quase a cidade toda para chegar lá, quando estamos a poucos quilómetros do aeroporto”, nota.

 A Linha Amarela é utilizada por utentes de zonas tão diferentes como Caneças, Ramada, Brandoa e Alfornelos. Às estações de metro do Lumiar e da Quinta das Conchas, chegam também muitos moradores destas áreas, que no seu dia-a-dia já têm de lutar contra a escassez de oferta de transporte nas suas zona de residência. Os passageiros do metro não percebem, por isso, porque não se investe em mais transportes públicos para a zona norte da cidade. “Com a nova linha circular, o metro vai perder utentes, e as carruagens até Odivelas vão diminuir. Normalmente, quando se anunciam expansões, seja do metro ou dos autocarros, ficamos com a ideia que querem abranger mais zonas da cidade, mas isso não vai acontecer”, diz Maria Sobral, 40 anos, moradora na Brandoa. Agora, para ir do Lumiar até Alfornelos, troca de linha apenas uma vez. Com o futuro troço, terá de fazer um percurso maior. “Talvez deixe de utilizar o metro e passe a andar de autocarro, mas não é uma boa solução porque há sempre atrasos nos autocarros. Se quem idealizou a linha andasse de transportes públicos, não a faria dessa forma, de certeza. Deve haver uma empresa com interesses imobiliários”, especula.

Maria Sobral trabalha na freguesia Lumiar e, apesar de não morar lá, conhece bem a realidade desta parte da cidade. “Há muitas escolas e colégios, e há cada vez mais crianças a andarem de metro. Se tiverem de fazer muitas trocas, os pais terão de ver outra alternativa, provavelmente, porque se torna mais complicado explicar aos filhos o trajecto”, observa. De Camarate, chega Patrícia Silva, 40 anos. Trabalha na Cidade Universitária e já se habituou aquela rotina há vários anos. “Vamos chegar ainda mais tarde a casa, com o novo transbordo, o que vai afectar a nossa vida familiar. Andamos sempre a tentar melhorar a nossa estabilidade, mas estas mudanças, sem ouvirem a população, não ajudam nada”, lamenta.

 À estação da Quinta das Conchas chegam menos passageiros. Leonor Paulino, 56 anos, mora em Odivelas e tem de percorrer a Linha Amarela de uma ponta à outra. “Vou prosseguir até ao Rato, e já demoro algum tempo. Se tiver de fazer um transbordo, se calhar passo a apanhar o autocarro para o Cais do Sodré. Não é a melhor hipótese, porque o serviço ainda é pior”, critica, enquanto segue viagem. Numa das saídas desta estação de metro, virada para vários blocos de prédios de habitação, Manuela Lopes, 58 anos, foi a primeira pessoa que O Corvo interpelou, na manhã em que esteve a ouvir os utentes do metro, que conhece o projecto de reformulação da rede.

 “É uma pena as pessoas estarem tão mal informadas, é assim que as más decisões são tomadas e avançam. Esse plano é péssimo, vai-me fazer mudar muitas vezes de linha, certamente há aí interesses imobiliários”, conjectura a moradora na Quinta das Conchas há mais de 20 anos. João Guerreiro, 31 anos, acredita que o tempo gasto nas viagens passará a ser menor, devido à circulação de mais composições, e desvaloriza as críticas apontadas. “Se não houver avarias no transporte, a diferença será irrisória. O tempo de deslocação entre as novas paragens vai diminuir, não se vai sentir assim tanto a diferença”, considera.



Em Telheiras, também há quem não veja nenhum problema nas alterações previstas para a rede de metropolitano. “Acho uma excelente ideia, os autocarros para o centro de Lisboa demoram muito e, com a nova linha, vamos chegar mais rápido. Além disso, é o meu transporte preferido”, diz Margarida Pilão, 70 anos. E não é a única. André Lima, 35 anos, acredita que será “uma questão de tempo” até as pessoas se habituarem ao novo traço. “Ando muito a pé, de Carnide para Telheiras, onde moro e trabalho, e cada vez uso menos transportes. Não me prejudica muito a alteração, talvez até me faça ir mais vezes ao centro de Lisboa”, prevê.  Há ainda quem considere que existem “outras alternativas de troços mais favoráveis”, mas não veja nenhum inconveniente na construção da linha circular. “Não me parece que vá afectar tanto os utentes como se tem dito. Estrela e Santos ganham metro, também é bom para os moradores de lá”, diz Nuno Costa, 41 anos, morador em Telheiras.

 Os depoimentos recolhidos por O Corvo não serão, porém, representativos da opinião da maioria dos moradores deste bairro. A Associação de Residentes de Telheiras redigiu uma petição, em Maio do ano passado, contra a criação do novo troço, que conta com 1569 assinaturas. Os autores da subscrição consideram que a criação de uma linha circular leva à transformação da Linha Amarela “num mero apêndice da rede de metropolitano, ligando directamente apenas Odivelas a Telheiras”. Desta “má opção”, defendem, “decorrerão efeitos negativos para a mobilidade na cidade de Lisboa em geral, especificamente com maiores prejuízos para os residentes na zona norte da cidade (Telheiras, Lumiar e Ameixoeira) e municípios vizinhos (Odivelas e Loures)”. Os argumentos para esta mudança, considera ainda a associação de moradores, “são falsos ou estão mal fundamentados”.

 A empreitada, que arranca nos primeiros seis meses deste ano, inclui a remodelação da gare do Cais do Sodré e intervenções nos viadutos do Campo Grande, de forma a ligar as linhas Verde e Amarela. A ideia é que hajam mais carruagens a servir, com mais regularidade, o centro da cidade. Mas especialistas em mobilidade e transportes defendem que, da forma como a linha está pensada, a frequência do metro não vai aumentar, e pode até mesmo diminuir. Mário Lopes, engenheiro civil e um dos promotores de uma outra petição contra o avanço da linha, em declarações a O Corvo, diz que os argumentos a favor do troço são “falsos”. “A frequência vai aumentar, se arranjarem mais comboios, maquinistas e mais funcionários para a manutenção. Estima-se que a nova linha vá poupar em média dez minutos o trajecto percorrido, se for prolongada até ao Cais do Sodré. Se fosse para Alcântara, não só servia mais gente, como poupava 13 minutos, em vez de dez, era muito melhor”, sugere.

 O especialista, também representante do PSD na Assembleia de  Freguesia do Lumiar, onde no passado dia 20 de Dezembro propôs uma moção contra a linha do metro, critica ainda a falta de atenção dada à população da zona norte. “Os moradores de Odivelas e de Loures não têm onde deixar o carro e, por esse motivo, têm muita dificuldade em deslocar-se de metro. É necessário que se façam estações de metro em sítios com bons acessos rodoviários, para os habitantes da zona norte conseguirem ir para Lisboa”, sugere. Quem vai beneficiar da nova linha, diz ainda, é quem entra no metro através do Cais do Sodré, mas todos os que entram no Campo Grande serão prejudicados. “O número de pessoas afectadas é maior que o número de pessoas beneficiadas, e não se vai tirar carros de Lisboa, como se pretendia, fica tudo na mesma”, critica.

O presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado Alves (PS), ouvido por O Corvo, em Julho de 2017, disse que a forma como a nova linha está desenhada “não obriga, necessariamente, a que a Linha Amarela seja explorada da forma como tem sido apresentada em vários diagramas de rede”. “A Linha Amarela pode continuar a servir o mesmo território, indo até ao centro da cidade, partilhando o percurso da Linha Verde, como é, aliás, o mais comum nas cidades europeias que têm linha circular. Esta raramente está ‘sozinha’ nos túneis, antes sendo as estações no seu percurso utilizadas por mais de uma linha”, explicou na altura, mostrando-se favorável à construção do novo troço.

 Desde o anúncio da linha circular, vários partidos políticos, da direita à esquerda, manifestaram-se contra o plano de reformulação da rede do metropolitano. O PSD e Os Verdes chegaram a apresentar duas propostas para travar a linha circular, em Assembleia Municipal, mas estas acabariam por ser rejeitadas. A Comissão Política do PSD Odivelas também tomou uma posição pública, no passado dia 13 de Dezembro, contra o fim da linha nestes moldes. Em comunicado enviado às redacções, diz que a Linha Amarela vai transformar-se num apêndice da rede, piorando a oferta da qualidade do transporte público para todos os residentes das freguesias e concelhos na fronteira norte de Lisboa. Os tempos de espera entre viagens, considera, vão ser maiores, e o acesso ao centro de Lisboa será muito mais demorado para os moradores de Odivelas. Considera, ainda, “imprescindível” no concelho de Odivelas “uma extensão para uma nova estação, em Odivelas, com bons acessos rodoviários e um parque de estacionamento ligado à CRIL, bem como uma extensão para o concelho de Loures”. Entre as várias críticas feitas ao plano de expansão do metro, condenam ainda a falta de um debate público e de consulta do projecto.

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