quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

CGD e o palácio de Berardo (com Goucha lá dentro) / Banca salva Berardo da falência / Se os deputados quiserem, haverá culpados na CGD




CGD e o palácio de Berardo (com Goucha lá dentro)

Miguel Pinheiro
30/1/2019,

Oito dias depois de ser conhecida a auditoria à Caixa, Berardo, um dos grandes devedores do banco, mostrou um dos seus palácios a Manuel Luís Goucha. Como sabem todos os patriotas, Portugal é assim.

1. Esta segunda-feira, Manuel Luís Goucha teve um convidado especialíssimo no programa da manhã da TVI. Escassos oito dias depois de ser divulgada uma versão preliminar de uma auditoria à CGD onde se relatavam, com deprimentes detalhes, os negócios mais ruinosos para o banco do Estado, o apresentador do “Você na TV” abraçou, elogiou e entrevistou (por esta ordem) um dos maiores devedores da Caixa — o incontornável Joe Berardo.

À entrada de um palácio onde um dos filhos de D. João I, o Mestre de Aviz, fez a sua “casa de campo”, Manuel Luís Goucha olhou para a câmara e perguntou, sem vestígio de ironia: “500 anos depois, quer saber quem é o dono disto tudo?”.

O “dono daquilo tudo” abriu a porta com um sorriso (houve muitos sorrisos) e um cachecol Carolina Herrera à volta do pescoço. Sem incómodo por tamanha exposição, o “comendador” Berardo, conhecido mundialmente pelo seu desmesurado amor às artes, mostrou alguns dos seus quadros, mostrou um contador alemão e mostrou o seu jardim ao estilo Renascimento italiano. Como brinde para os telespectadores, que estavam transidos no sofá, filosofou — insistindo que “nada nos pertence”, o que deve ter provocado suspiros nos contribuintes que estavam frente à televisão — e ouviu Goucha elogiar o seu “jeito para a comédia”.

Quase não houve referências a dinheiro, até porque não se comentam esses assuntos em público. Por exemplo: quando o entrevistador sussurrou que ter um palácio “obriga a muitos custos”, o entrevistado contrapôs, desligado desses problemas menores, que “também dá muito prazer”. No final, porém, Manuel Luís Goucha ergueu um copo de vinho e não resistiu a brindar “a todo este pujante património”. E a Caixa Geral de Depósitos? Bem, sobre esse “pujante património”, naturalmente, Joe Berardo não falou. Como sabem todos os patriotas, Portugal é assim.

2. No caso do bairro da Jamaica, os factos deixaram de interessar. De um lado, ninguém quer saber se houve excesso de uso da força: a farda abençoa e exonera. Do outro lado, ninguém quer saber se houve agressão: a classe social ou a cor da pele ungem e absolvem. Sendo assim, percebe-se: no meio de tanta santidade política, de tanta justa indignação e de tanta vontade de combate, os tristes factos só atrapalham.

Logo de início, Joana Mortágua viu no vídeo aquilo que ele não mostrava e escreveu: “São 4 minutos de violência policial”. Na realidade, não são. Até podemos vir a concluir que aqueles quatro minutos mostram, em alguns momentos, uma “violência policial” excessiva, mas para já não há qualquer dúvida de que não mostram apenas isso. Numa análise segundo a segundo (como aquela que o Observador fez), vê-se um suspeito a resistir à detenção e vários familiares a tentar impedir que a PSP o leve — e vê-se ainda três pessoas a atacarem a polícia.

Já António Costa e Nuno Magalhães viram o vídeo mas na realidade sentiam que não precisavam de o ver. No parlamento, o primeiro-ministro foi preocupantemente taxativo: “O nosso lado é sempre o lado das forças de segurança”. Em entrevista ao Observador, o líder parlamentar do CDS foi absolutamente assertivo: “Não falhamos à polícia e não temos dúvida de que lado devemos estar”. Na realidade, o vídeo da atuação da polícia no Jamaica aconselharia, a um e a outro, prudência e recato até a investigação ao que se passou ter terminado.

Se um habitante de um bairro da periferia de Lisboa violar a lei, deve ser punido. Se um polícia violar a lei, deve ser punido. Se os dois violarem a lei, um a seguir ao outro, devem ambos ser punidos. Já sei: dizer isto, que deriva do equilíbrio e do bom senso, parece hoje em dia uma excentricidade. São ideias antigas, a que falta a “modernidade” que excita e comove. Mas são ideias que unem uma comunidade e a perpetuam: o Estado de direito, a Justiça cega, a igualdade de todos perante a lei — fracos e fortes, para o bem e para o mal. Quando perdermos isso, perdemos tudo.

3. Marcelo Rebelo de Sousa teve uma epifania. Aliás: teve mais uma epifania. Em 2012, quando hesitava sobre uma candidatura a Belém, confessou: “Há de haver um momento em que a Providência, que é sábia, me há de dar o sinal”. Presume-se que terá dado. Agora, em 2019, quando dizia oscilar entre tentar continuar em Belém ou não, chegou novamente um sinal divino. Depois da confirmação de que as Jornadas Mundiais da Juventude serão em Portugal, o Presidente confessou uma “grande vontade” de se recandidatar, caso não haja “ninguém em melhores condições para receber o Papa”. Longe de mim querer usar esta coluna para, imitando o Presidente, misturar religião com política, mas não há outra forma de escrever isto: Deus nos ajude.


Recordando este artigo de 2009 …
OVOODOCORVO
Banca salva Berardo da falência
27.01.2009 às 20h40

Berardo conseguiu com três bancos um acordo muito favorável, mas negociação com Santander ficou de fora.
ANABELA C. CAMPOS, NICOLAU SANTOS E ISABEL VICENTE
Joe Berardo acabou por conseguir um acordo muito favorável na negociação do reforço das garantias do empréstimo de cerca de mil milhões de euros que o investidor fez junto dos bancos para comprar acções do BCP, no decurso da guerra de poder que a instituição viveu em 2007 e onde foi uma das vozes mais activas.

De fora deste acordo ficou, porém, o Santander Totta, um dos quatro bancos que concederam empréstimos a Berardo para comprar acções do BCP, que hoje valem em Bolsa pouco mais de €190 milhões. Apesar de o montante ser de dimensão pouco significativa, o Santander não concordou com os activos que estavam a ser entregues como garantia. Por isso, as negociações acabaram por ser fechadas apenas com a Caixa, BCP e BES, onde está o grosso dos empréstimos, que venciam este mês, obrigando o investidor a reforçar as garantias e colaterais. A CGD e o BCP terão emprestado cada um cerca de €400 milhões, e o BES um montante inferior a 200 milhões.

PROLONGAR EMPRÉSTIMO
Ao que o Expresso apurou, o investidor - quarto maior accionista do BCP, com uma participação de 6,2% - conseguiu não só prolongar o prazo dos empréstimos como congelar o pagamento de juros por mais quatro ou cinco anos. O objectivo é dar espaço para que os mercados de capitais melhorem e a economia comece a recuperar.

Não terão, no entanto, ficado por aqui as vantagens acolhidas pelo mais mediático investidor do mercado português. Berardo entregou como garantia 75% da Colecção Berardo - um acervo de 862 obras de arte moderna e contemporânea avaliado em €316 milhões em 2007 - mas terá conseguido que ficasse de fora a Quinta da Bacalhôa, que produz vinho com aquela marca. E acabou por entregar apenas como colaterais activos detidos em Portugal, deixando de fora investimentos no exterior, nomeadamente no Canadá.

BERARDO COM RISCO SISTÉMICO
É na prática um excelente acordo, já que Berardo investiu mil milhões em acções do BCP, que agora valem pouco mais de €190 milhões. Ou seja, o investidor regista neste momento uma menos-valia potencial de €800 milhões. Um valor considerável, que obriga os bancos que fizeram os empréstimos a tratar o assunto com pinças, já que não chegar a acordo com Joe Berardo implicaria aprovisionar o montante da dívida e isso teria impacto nas contas das instituições.

Desconhece-se que montante da dívida contraída por Berardo terá sido paga desde que os empréstimos foram feitos, ou a nova data de pagamento dos mesmos. Sabe-se apenas que inicialmente os empréstimos tinham como garantia essencialmente as acções do BCP, muitas delas compradas no auge da guerra de poder no banco, quando as cotações do título andavam à volta dos quatro euros. Hoje valem menos de 80 cêntimos.

O Expresso não conseguiu confirmar junto de Joe Berardo a informação sobre o reforços das garantias e a renegociação das condições do empréstimo, uma vez que o investidor se encontrava ausente do país.

Na opinião do advogado de Joe Berardo, as condições da renegociação são satisfatórias para todos. "A renegociação dos empréstimos aos bancos para compra de acções estão fechadas e o resultado é satisfatório para todas as partes envolvidas", afirmou André Luiz Gomes. O comendador, adianta, "não fugiu às suas responsabilidades e reforçou as garantias prestadas". Quanto aos novos colaterais dados como garantia e às condições de pagamento, afirmou: "Não vou confirmar os activos que foram dados como garantia, mas as negociações decorreram em bons termos". Acabou, no entanto, por dizer que "o prazo acordado foi considerado razoável para as partes envolvidas".
PERDAS NA ZON
A derrocada dos mercados atinge outros investimentos de Berardo. Apesar de ter recebido acções da ZON na sequência da cisão da operadora face à PT, Berardo comprou alguns títulos e a verdade é que face à cotação do final de 2007 a participação de 5,6% apresentará perdas potenciais de €95 milhões.

Entretanto, em entrevista ao "Público", o investidor defendeu a retirada da ZON da bolsa, argumentando que o facto de a empresa estar cotada representa uma desvalorização para os accionistas. Mostrou-se ainda disponível para viabilizar a entrada de capital angolano na ZON.

Apesar de ter dado como colateral para garantir as dívidas à banca 75% da sociedade que gere a sua colecção de arte, Joe Berardo está longe de ter deixado os bancos confortáveis.

Na verdade, o que está em causa é uma dívida que ronda os mil milhões de euros, garantida com acções que neste momento valem cerca de 190 milhões. Por seu lado, a colecção de arte foi avaliada em 316 milhões de euros em Abril de 2008, pela leiloeira Christie's. Ora 75% daquele valor são 237 milhões que, juntamente com o valor das acções, perfaz 427 milhões. Contudo, perante os montantes em causa, a última coisa que os bancos envolvidos (CGD, BCP e BES) desejavam era executar um cliente como Berardo - porque isso teria de ser reflectido de imediato nos seus balanços, registando as respectivas menos-valias. Como disse um banqueiro, Berardo passou a representar um risco para o sistema financeiro.

Por isso, era imperioso evitar a sua falência.

ZON
Controla 5,6% da empresa de cabo liderada por Rodrigo Costa e esta semana disse ao "Público" que vê com bons olhos a fusão desta com a Sonaecom. Afirma ainda que a ZON e a Sonaecom "andam a falar há mais de um ano"
Vinhos
Joe Berardo controla a Bacalhôa Vinhos, a Caves Aliança e 33% da Sogrape
Semapa
O empresário madeirense detém cerca de 15% da Semapa, através da Sodim. Começou por comprar, em 2004, 8,7% da Cimpor à Seclipar, empresa da família Queirós Pereira, accionista maioritário da Semapa e da Sodim. Dois anos depois vende esta posição a Manuel Fino, accionista do BCP, que no centro da luta de poder travada no banco fundado por Jardim Gonçalves se manteve a seu lado
Sonae
Tem 2,67% na Sonae SGPS. O que o fez investir na empresa de Belmiro de Azevedo, em Fevereiro de 2006, foi acreditar que a empresa é bem gerida. Comprou 2,49% de uma só vez mas acabou por não se aventurar muito mais. Em vez disso, acabou por reforçar no BCP
EMT
Na Empresa Madeirense de Tabacos, um dos primeiros negócios de Berardo em Portugal, Hotel Savoy e Papelaria Fernandes, onde detém 20%, são outros dos investimentos
Texto publicado na edição do Expresso de 24 de Janeiro de 2009


Se os deputados quiserem, haverá culpados na CGD 
Helena Garrido

O relatório de auditoria à CGD tem de dar aos deputados informação para identificarem os responsáveis pelo que se fez ao banco público, e estes devem punir gestores e grandes devedores que não pagam.

A Caixa pediu ao auditor Ernst & Young apara “expurgar” o relatório de auditoria de informação protegida pelo segredo bancário, como se pode ler no Eco. O que significa isso? Quando o Presidente da República anuncia que vai promulgar, sem problemas, o diploma que autoriza o acesso a dados, cobertos por sigilo bancário, dos bancos tiverem sido apoiados pelo Estado, parece uma contradição “expurgar” informação de uma auditoria que vai permitir ao Parlamento identificar os responsáveis pelos negócios ruinosos em que a Caixa se envolveu.

O “expurgo” não pode ser uma espécie de “detergente lava mais branco” para impedir que mais uma comissão parlamentar de inquérito, a terceira sobre a Caixa, obtenha resultados.  Esta nova comissão parlamentar de inquérito tem de voltar a ser aquilo a que nos habituou em casos anteriores, nomeadamente com o BES. E até tem de ser coerente com a coragem que existiu no Parlamento ao aprovar um diploma que, na prática, nos diz que o sigilo bancário não é sacrossanto.

Os deputados, se quiserem, podem ir mais longe do que a simples responsabilização política dos gestores. Podem actuar junto de grandes devedores que não pagam à Caixa mas também a outros bancos – como o Novo Banco ou mesmo ao BCP – quando é até público que o poderiam fazer. Um exemplo escandaloso (perdoem-me a classificação) é o de Joe Berardo. Como nos conta Miguel Pinheiro, Berardo dá-se ao luxo de mostrar, no programa de Manuel Luís Goucha na TVI, o seu palácio. Paralelamente há três bancos, a CGD, o BES/Novo Banco e o BCP que estão com uma perda da ordem dos 900 milhões de euros por empréstimos concedidos a Joe Berardo que não conseguem cobrar.

A carta que Ana Gomes escreveu à Comissão Europeia sobre a CGD, mas também sobre o Novo Banco – que nos vai continuar a exigir dinheiro –, é uma boa fonte de inspiração de medidas que os deputados podem adoptar para que se faça o mínimo de justiça. Estudar a possibilidade de impedir o acesso a fundos comunitários por parte de grandes devedores que deixaram por pagar os seus créditos é uma hipótese que merecia ser avaliada.

Além disso, os deputados podem, se quiserem, instar o Governo a dar meios ao Ministério Público para acelerar as investigações do caso da CGD assim como do Novo Banco, onde este ano vai ser necessário injectar mais dinheiro. Como nos diz Luís Rosa, a maior parte dos crimes não prescreveu. Mas, se não existirem meios, vão prescrever ou pelo menos vão permitir que os advogados levantem dúvidas sobre prazos – e sabemos como a nossa legislação o permite -, acabando por não se fazer justiça.

Era desejável que os deputados se esquecessem, uma vez que fosse, da suas diferenças e interesses de curto prazo, de gestão do seu eleitorado, e se focassem em identificar os responsáveis, doa a quem doer. E, neste grupo, assume especial relevância o PS, que tem aqui uma oportunidade de ouro para mostrar que não tolera, entre os seus, quem comete irregularidades.

Com a informação disponível neste momento já é possível concluir que o período que gerou mais perdas para a CGD foi o que vai de 2005 a 2007, quando Carlos Santos Ferreira era presidente do banco e Armando Vara e Francisco Bandeira faziam parte da sua equipa. No relatório e contas de 2016 conclui-se que 39,5% das perdas apuradas nesse ano (imparidades) vieram de financiamentos concedidos entre 2005 e 2007.

É nesse período que se inicia o processo da Artlant com a espanhola La Seda; é nesses anos que se financia Vale do Lobo; é nesses anos que se concedem empréstimos que envolvem indirectamente a CGD na guerra pelo controlo do BCP e é nesse tempo que se dá crédito para controlar a Cimpor. Quando Carlos Santos Ferreira passa para o BCP, a administração seguinte da CGD, liderada por Fernando Faria de Oliveira e que vai até 2010, gera igualmente perdas significativas (23,6% dos 5,6 mil milhões de euros de perdas apuradas em 2016), mas já estamos perante erros por omissão, por não decidir acabar com alguns projectos.

Um dos argumentos mais utilizado é o da crise – foi a crise a responsável dessas perdas, dizem alguns dos envolvidos. Essa foi, aliás, a principal linha de argumentação de Armando Vara quando foi à anterior comissão parlamentar de inquérito à CGD. Claro que há projectos que foram arrastados pela crise, que se não fosse a crise poderiam ter tido sucesso. Mas boa parte dos que estão na linha da frente das perdas da CGD seriam sempre um erro. E para se perceber isso é preciso ir ao fundo do projecto, nomeadamente no caso da Artlant, de Vale do Lobo e do financiamento para transformar homens que não quiseram arriscar o seu dinheiro em banqueiros ou empresários.

Se os deputados quiserem, conseguem separar os projectos que foram vítimas da crise – e, por isso, não se pode responsabilizar nem os gestores nem os devedores – e aqueles em que o financiamento foi ditado por outros objectivos que não os de financiar um investimento que foi devidamente analisado e considerado rentável.

É preciso juntar todas as peças do puzzle. Agarrar nos financiamentos que mais perdas geraram – e não chegam a meia dúzia – e reconstruir o processo de decisão assim como as ligações a outros bancos, nomeadamente ao Grupo Espírito Santo. Por essa via, se os deputados quiserem, conseguem perceber quais foram as irregularidades e quem foram os responsáveis. Não vale é a pena considerar que foram todos responsáveis porque isso não é verdade. Na era da troika, especialmente nos anos de 2011 e 2012, pouco ou nada se podia fazer que não fosse evitar o colapso da Caixa e dos outros bancos assim como a implosão das empresas do Estado. É preciso recordar que o empréstimo da troika “esqueceu-se” de contabilizar o financiamento necessário para as empresas públicas.

Mas a CGD tem de colaborar também. A administração da Caixa não se pode escudar no segredo bancário impedindo assim que se identifiquem os responsáveis por aquilo que se fez no banco público. E os deputados não devem atirar as culpas uns aos outros de tal forma que fazendo de todos responsáveis, ninguém é responsabilizado.

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