quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Ilha: um Porto em extinção nas pequenas casas onde ainda é bom morar







EXPOSIÇÃO
Ilha: um Porto em extinção nas pequenas casas onde ainda é bom morar
Durante três anos, o fotojornalista do PÚBLICO Paulo Pimenta retratou as típicas casas portuenses. Exposição viaja agora até Lisboa. Para mostrar o quanto vale uma casa

Mariana Correia Pinto  23 de Janeiro de 2019, 8:30

Quando o desafio surgiu, Paulo Pimenta não hesitou um segundo. A Rede Inducar tinha em mãos um projecto sobre as ilhas do Porto, minúsculas casas operárias do século XIX, construídas atrás das fachadas de moradias burguesas e resistentes na cidade até hoje. E o fotojornalista do PÚBLICO, habituado a fazer reportagem nesses locais, sabia da importância desse desígnio. “Era preciso registar esses espaços que, por várias razões, estão a desaparecer”, diz. Durante três anos, assim o fez. Durante três anos, alargou a sua visão dessa realidade na freguesia do Bonfim, nas zonas de São Victor, Lomba e Póvoa.

“Aprendi muito mais sobre o que é viver numa ilha. Sobre casa, vizinhança, trocas, solidariedade, a importância do espaço, do enraizamento, da família.” Depois de uma exposição no Porto, o trabalho chega à Ordem dos Arquitectos de Lisboa (Tv. Carvalho, 23). A inauguração, esta quarta-feira às 19h, conta com a presença do autor e a mostra permanece na capital até ao dia 13 de Fevereiro.

O projecto, financiado pelo programa Partis da Fundação Calouste Gulbenkian, tinha uma componente de teatro comunitário (desenvolvido pela associação cultural e social PELE) e abraçava a fotografia não só como uma arma de memória mas também de intervenção. Em parceria com as crianças e idosos da associação O Meu Lugar no Mundo e do Centro Social Senhor do Bonfim, juntaram-se às imagens de Paulo Pimenta as amadoras de quem vive nas ilhas.

O desafio era pô-los a reflectir sobre os seus percursos na cidade, os locais aonde nunca tinham ido, os sonhos por realizar. Com frames e pequenos textos. Alguns deles, recorda Paulo Pimenta, nunca tinham fotografado. De alguns deles, vieram ponderações com forte simbolismo. Como a de um senhor de 78 anos que foi fotografar a praia aonde, na juventude, ia com a mulher e os filhos. Ou a de uma menina de sete anos que fez uma fotografia “muito conceptual”, de um muro com plantas. “Era a imagem que tinha sempre que saía de casa.”

Os exercícios (cada um podia fazer apenas cinco “disparos”) foram sempre realizados com máquinas fotográficas analógicas, instrumento que obrigava ao pensamento e contrariava o “acto fotográfico como é visto hoje: instantâneo, sem pensamento, sem criação de memória.”

Ao acompanhar a realidade da sua cidade — com as ordens de despejo a crescer, algumas ilhas a serem transformadas em alojamento local ou senhorios a subir rendas de forma incontrolável, forçando a saída dos inquilinos — o fotojornalista viu neste projecto um lado ainda mais revelador. É preciso “respeitar” os moradores das ilhas, pede. Renovar o olhar digno sobre essas pequenas habitações. Porque a ilha é um “prédio deitado”, como lhes chamou, a dada altura, um dos moradores. Um lugar que é casa.

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