segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

O diabo pode mesmo vir aí / Economia mais aberta que nunca enfrenta abrandamento mundial



O diabo pode mesmo vir aí
Com a Alemanha em travagem, a Espanha a rever em baixa o crescimento, a China e os EUA a abrandar, as perspectivas da nossa economia não são francamente animadoras.

David Pontes / EDITORIAL / PÚBLICO
21 de Janeiro de 2019, 7:14

Há nuvens negras a formar-se no horizonte da economia, que prenunciam as tempestades que se vão abater sobre as nossas vidas. Adivinhavam-se nas conversas de alguns CEO que prenunciavam um 2019 em sentido descendente, viram-se na tentativa frustrada de três empresas portuguesas de se lançarem no mercado bolsista, confirmam-se nos números da desaceleração da economia mundial.
Com a Alemanha em travagem, a Espanha a rever em baixa o crescimento, a China e os EUA a abrandar, as perspectivas de uma economia pequena, aberta ao mundo como a nossa, não são francamente animadoras.

Para um país que continua a apresentar os níveis de endividamento de Portugal, com problemas de capital e de investimento, fracos níveis de formação, uma classe empresarial débil, as tempestades que se avizinham podem ser mesmo o diabo que alguns anunciaram antes do tempo. Factores como a crescente automação da indústria e dos serviços ou o desequilíbrio demográfico (como aponta Charles Prideaux, em entrevista na edição de hoje) têm a inevitabilidade de os rios correrem para o mar e Portugal fragilidades próprias que aumentam a possibilidade de sermos arrastados pela torrente.

Por isso continuam a fazer sentido os apelos presidenciais para resistir ao eleitoralismo, por isso continua a fazer sentido cultivar alguma contenção orçamental mesmo que as tentações sejam muitas, por isso temos a obrigação de olhar para o ano eleitoral com esse grande e enorme ponto de interrogação que é a economia.

A começar, desde logo, pelas eleições europeias, que talvez sejam das mais importantes em que alguma vez tivemos ocasião de votar. Talvez hoje estejamos mais capazes de interiorizar que há problemas que ultrapassam a escala local, que o “Brexit” é para todos, que a dívida italiana é também um problema nosso, que a crise migratória é uma questão continental, que nos diz respeito uma união monetária que continua a apresentar imperfeições.

A atracção pelas respostas simplistas dos populistas vai ser grande e é por isso importante que os partidos sejam capazes de contrapor soluções realistas, mas capazes de nos guiar nestes tempos de tormenta. Já não é cedo para ouvirmos e debatermos programas eleitorais de forma a perceber se os nossos partidos se vão limitar a fazer das europeias uma antecâmara das legislativas ou se estarão à altura dos desafios que se avizinham na frente europeia. Façam por merecer e dar sentido sos nossos votos.


Economia mais aberta que nunca enfrenta abrandamento mundial
Portugal habituou-se nos últimos anos a crescer com o contributo positivo das exportações. Mas agora que a economia mundial abranda, o que vai acontecer?

 Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 21 de Janeiro de 2019, 7:10
As exportações registam o maior peso no PIB português dos últimos 65 anos

Depois de uma crise em que o endividamento de famílias, empresas e Estado desempenharam um papel crucial, o aumento das exportações surgiu como a única receita disponível para trazer a economia portuguesa de volta ao crescimento. Mas agora, com as exportações a registarem o maior peso no PIB dos últimos 65 anos, o país pode estar prestes a provar o sabor amargo deste remédio, enfrentando pela primeira vez desde que a troika saiu do país um desafio: como continuar a crescer com base nas exportações, quando o resto do mundo deixa de querer aumentar as suas compras.

Nos últimos meses, a economia mundial tem, um pouco por todo o lado, dado sinais claros de estar a entrar numa fase de abrandamento. Em alguns países europeus, importantes destinos das exportações portuguesas, assiste-se mesmo ao risco de entrada em recessão técnica.

Não é um fenómeno extraordinário, as economias funcionam em ciclos e a verdade é que, desde 2012, embora com alguns sobressaltos, as principais economias mundiais têm registado uma sequência ininterrupta de taxas de crescimento positivas. Mas para a economia portuguesa, como para todas as outras, este é um cenário em que evitar efeitos de contágio negativos é virtualmente impossível. E, desta vez, em comparação com outras situações semelhantes do passado, há alguns motivos para estar mais preocupado.

Primeiro porque a economia portuguesa não está ainda recuperada da última crise, uma das maiores do último século, e não se livrou totalmente de fragilidades importantes como um endividamento elevado e uma dependência do financiamento do exterior, que podem num cenário mais drástico voltar a ser testadas. E depois porque a economia portuguesa é agora mais aberta ao exterior do que nunca e pode depender por isso mais da conjuntura internacional. Em 2017, Portugal registou pela primeira vez em pelo menos 65 anos um peso das exportações superior a 40% do PIB, tendo este indicador voltado a subir nos primeiros três trimestre de 2018 para 43,9%. Em 2007, antes da crise financeira internacional, o peso das exportações não passava de 31% do PIB.

“Na medida em que a economia portuguesa está mais aberta ao exterior, é natural que o abrandamento da procura externa tenha algum impacto sob o crescimento em Portugal”, afirma Paula Carvalho, do departamento de estudos económicos do BPI, uma entidade que está a prever para 2019 um abrandamento da economia para 1,9%, depois de 2,2% em 2018, num cenário em que o consumo e o investimento compensam parcialmente um abrandamento das exportações.

Já em Dezembro, quando os sinais que vinham do exterior começam a ser mais negativos, o Banco de Portugal reviu em baixa as suas projecções de crescimento tanto para 2018 como para 2019, dando como uma das explicações o abrandamento da procura externa dirigida à economia portuguesa que, em 2019, pode crescer apenas 3,6%, em vez dos 4,4% antes previstos.

A dimensão do impacto sentido em Portugal depende contudo da dimensão do abrandamento económico e da relação do país com os países onde se verifica uma viragem do ciclo mais marcada.

Alemanha
O que está a acontecer. Nas últimas semanas, a economia alemã foi a principal surpresa, pela negativa, para os mercados. O PIB já tinha recuado 0,2% no terceiro trimestre do ano passado e, durante os últimos meses do ano, os indicadores divulgados, especialmente na indústria, voltaram a ser negativos, lançando no ar a ameaça de um novo recuo do PIB, o que colocaria a Alemanha em recessão técnica. Na semana passada a autoridade estatística alemã veio anunciar que se poderá ter registado um crescimento ligeiro no quarto trimestre de 2018, escapando-se assim à recessão. Isso não chega, contudo, para afastar as preocupações. Estaremos perante o fim da sequência impressionante de resultados da economia alemã dos últimos anos? O seu modelo de crescimento por via das exportações estará esgotado? Os próximos trimestres serão decisivos para perceber, sendo que os mais optimistas acreditam que aquilo que se passou no final de 2018 é apenas o efeito, que se espera passageiro, da adaptação da indústria automóvel alemã às novas exigências ambientais dos mercados.

O que pode significar para Portugal. Tem sido nos últimos anos o terceiro principal destino das exportações portuguesas e portanto, só por isso, o impacto de uma travagem na Alemanha seria sempre significativo. Mas, neste caso, o mais importante seria mesmo aquilo que significaria para toda a zona euro deixar de contar com a sua maior economia a crescer.

China
O que está a acontecer. De acordo com as últimas estimativas, a China poderá ter registado em 2018 um crescimento de 6,6%. Caso se confirme, este número – que supera os sonhos de qualquer país europeu – significaria para a China a variação do PIB mais baixa dos últimos 28 anos. A economia chinesa, limitada pelo seu crescente endividamento e pressionada pela tensão comercial com os Estados Unidos, está a abrandar de forma clara, levando já a que em Pequim se anunciassem medidas de estímulo económico, como a descida de impostos.

O que pode significar para Portugal. Embora tenham crescido nos últimos anos, as exportações portuguesas para a China têm ainda um peso reduzido no total e, por isso, o efeito do abrandamento do gigante asiático faz-se sentir por aquilo que a China representa actualmente para a economia mundial. De acordo com o FMI, a China contribuiu na primeira metade desta década com 31% do crescimento da economia mundial, sendo já não apenas uma potência exportadora, mas também uma das maiores potências consumidoras do mundo. Outro impacto de um abrandamento chinês pode ser a redução do preço das matérias-primas, algo que prejudicaria vários países emergentes, mas que poderia beneficiar Portugal.

EUA
O que está a acontecer. A economia norte-americana cresceu quase 3% em 2018 e é, em comparação com a Europa e a China, a potência que parece resistir melhor aos sinais de abrandamento. Ainda assim, a generalidade das previsões apontam para um abrandamento em 2019 para uma taxa perto de 2,5% e existe o receio de que a volatilidade a que se tem assistido nos mercados possa reduzir a confiança dos consumidores e forçar uma travagem mais acentuada.

O que pode significar para Portugal. Um abrandamento forte do consumo nos EUA afectaria Portugal de forma directa, já que este é o principal destino fora da UE dos produtos portugueses, mas também de forma indirecta, pelo que significaria para a economia de outros países europeus importantes para Portugal.

Espanha
O que está a acontecer. O Governo espanhol viu-se forçado na semana passada a rever em baixa a sua projecção de crescimento para este ano, colocando-a agora nos 2,2%. Em 2017, a Espanha tinha crescido 3% e em 2018 2,5%. A pressão de Bruxelas para reduzir o défice mais rapidamente e os efeitos do "Brexit" no turismo espanhol são factores de risco para a economia.

O que pode significar para Portugal. É o principal comprador de produtos e serviços portugueses, pelo que qualquer variação negativa registada no consumo e no investimento, mesmo que de pequena dimensão, faz-se de imediato sentir no desempenho das exportações portuguesas. E Portugal partilha com Espanha o risco de se poderem tornar alvos dos mercados no caso de uma nova crise no mercado de dívida.

Reino Unido
O que está a acontecer. Mais do que o abrandamento cíclico da economia, o que preocupa no caso da economia britânica é o que pode vir a acontecer no caso de um "Brexit" sem acordo. Aqui, os cenários traçados vão de um ajustamento de curto prazo importante até a um efeito muito negativo com repercussões durante muitos anos.

O que pode significar para Portugal. Seja por causa dos bens vendidos, seja por causa dos turistas que chegam ao país, Portugal tem muito a perder com uma saída desordenada do Reino Unido da União Europeia.

Itália
O que está a acontecer. Na semana passada, o Banco de Itália deixou o aviso de que o país pode ter estado durante a segunda metade de 2018 em recessão técnica (dois trimestres seguidos de contracção da economia), sinalizando que em 2019 a taxa de crescimento será bastante mais baixa do que no ano passado. Depois de 1% em 2018, apenas 0,6% em 2019. O conflito entre Bruxelas e Roma por causa do orçamento pode estar agora em pausa, mas a economia italiana ainda não dá sinais de reanimação.

O que pode significar para Portugal. Um dos países importantes para as exportações portuguesas, a Itália preocupa principalmente pelo nível de instabilidade que uma crise grave – seja orçamental, seja económica, seja financeira – traria aos mercados internacionais e, em particular, ao mercado da dívida pública. Aqui, Portugal é sempre um país que vê as suas taxas de juro subirem, mesmo que de forma mais ligeira, quando as taxas italianas começam a disparar.

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