terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Os segredos pouco secretos de Juncker


Opinião
Os segredos pouco secretos de Juncker

Mariana Mortágua*
Hoje às 00:03

Conhecemos bem Durão Barroso. De primeiro-ministro corresponsável pela guerra do Iraque a presidente do Conselho de Administração da Goldmam Sachs foi um pulinho, e a Comissão Europeia fez as vezes de trampolim. Mas, para que saibamos bem quem manda numa das mais poderosas instituições da Europa, é justo conhecer também o sucessor de Barroso à frente da Comissão, Jean-Claude Juncker.

Tal como Barroso, Juncker tem um passado como primeiro-ministro, neste caso do Luxemburgo, cargo que ocupou quase vinte anos, e que acumulou com o de ministro das Finanças. Foi durante esses vinte anos que o Luxemburgo, um país com pouco mais de meio milhão de habitantes, se tornou uma das mais ricas economias da Europa.

Em 2014, uma brutal fuga de informação, conhecida como LuxLeaks, revelou o segredo do sucesso económico de Juncker: pelo menos 548 acordos secretos entre o Luxemburgo e 340 multinacionais (Google, Ikea, Deutsche Bank, Laboratórios Abbott, Amazon, Apple, etc.). Nestes acordos, assessorados pela consultora PricewaterhouseCoopers, o Governo luxemburguês comprometia-se a permitir e validar esquemas agressivos de planeamento fiscal em que as empresas transferiam os lucros da sua atividade noutros países para o Luxemburgo, aí pagando menos impostos. Nalguns casos, as taxas cobradas chegavam mesmo a ser inferiores a 1%.

Bom, até aqui a história já é conhecida. A novidade está numa notícia publicada pelo "The Guardian", com base numa fuga de telegramas diplomáticos, segundo a qual Juncker foi uma peça essencial para travar legislação europeia contra práticas fiscais abusivas. Surpreendente? Não. Relevante? Sim.

Aparentemente, tudo se passou num grupo secreto a nível europeu, criado em 1998, para lidar com o tema da tributação das empresas. Nele, o Luxemburgo de Juncker liderou um pequeno grupo de países que permanentemente bloqueou quaisquer esforços para reforçar a troca de informação ou investigar esquemas de planeamento fiscal. Diz o "The Guardian", citando uma fonte anónima pertencente ao grupo, que "cada país está pronto para bloquear qualquer acordo. Mais que isso, cada país está pronto para negociar a sua política fiscal contra qualquer outro tema na UE".

A pequena notícia do "The Guardian" passou despercebida, mas não devia, porque nos revela duas coisas com muita clareza. A primeira é a hipocrisia e falta de transparência de uma União Europeia que permite que um país se declare publicamente contra o abuso fiscal, mas bloqueie políticas nesse sentido dentro de um comité secreto. A segunda é a hipocrisia e falta de transparência de uma União Europeia que premeia o primeiro-ministro desse país, escolhendo-o para presidente da Comissão.

* DEPUTADA DO BE



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