domingo, 29 de janeiro de 2017

O Padeiro e o Banqueiro

Raquel Varela

Curtas notas minhas sobre esta polémica da Padaria Portuguesa, que merecia claro mais desenvolvimentos:
1) os patrões não pagam salários, quem paga salários é o trabalho dos trabalhadores - uma parte do que fazem paga o seu salário, a outra fica com o patrão. Ao fim do dia um trabalhador produz 20, entrega ao patrão, que lhe devolve 3 ou 4 - é isso o salário.
2) as pequenas empresas neste país vivem asfixiadas, mas isso não pode ser despejado nas costas de quem trabalha
3) o salário mínimo quando foi criado correspondia a um cálculo médio dos gastos de reprodução dos trabalhadores e suas famílias (casa, roupa, alimentação, etc) - hoje ele não cobre o mínimo
4) o salário médio é que é de facto o salário mínimo - 900 a 1000 euros
5) quem paga o salário real dos empresários que pagam o salário mínimo são os contribuintes portugueses através da Assistência Social
6) A taxa de portugueses a trabalhar a tempo inteiro sem conseguir pagar as contas regulares - excluo dividas - já é superior a 10%.
7) É urgente fazer-se um cálculo do que é hoje o verdadeiro salário mínimo. Talvez fosse uma boa ideia os sindicatos juntarem-se, como no Brasil, e encomendar este estudo - no Brasil chama-se Salário Mínimo Necessário.
8) há um projecto interessante do meu colega Professor Pereirinha, do ISEG, que há anos estuda o que chama de Rendimento Adequado.
9) o país tem que debater a sério com quem conhece a realidade laboral quais são todas as consequências de ter um salário mínimo actual abaixo da reprodução biológica - estudei o seu impacto nas relações laborais e na segurança social - é devastador, ao contrário do que se diz e insiste, não temos qualquer problema de sustentabilidade da segurança social por causa do envelhecimento, temos sim, um enorme problema da sustentabilidade desta por causa dos baixos salários.
10) Portuguesa é a minha padaria, tem 8 metros quadrados, mãe e filha, duas minhotas, uma delas regressada da África do Sul, tem pão de alfarroba, batata doce, erva doce, milho, noz, passas; estão afogadas em impostos, inspecções, pressões. Distribuem delicadeza e sorrisos no bairro. Não é uma cadeia, toda igual, com empregados stressados e exaustos que nem nos olham para a face.

Aqui as contas da produtividade e do salário mínimo. Para ser mais exacta se tivesse incorporado o aumento da produtividade seria hoje de 1329 euros.
São estudos do Eugénio Rosa, que apesar da ligação com a CGTP e desta com o PC e do PC com o Governo, tem mantido, o economista agora doutorado pelo ISEG, desde a tomada de posse deste governo, uma seriedade assinalável. Criticando e explicando em números o impacto negativo das medidas deste Governo nos trabalhadores, entre elas o aumento dos impostos; que a maioria dos pensionistas não teve aumentos; que a maioria dos assalariados perdeu capacidade de consumo; que o salário mínimo está a alargar-se a um conjunto cada vez maior de trabalhadores. Assim se faz um intelectual sério - defendendo ideias estudadas e demonstradas e não governos, sejam de cor forem.

O Padeiro e o Banqueiro
Raquel Varela
Posted on January 28, 2017

O dono da padaria portuguesa diz que vive em concorrência, não pode pagar muito mais do que o salário mínimo, e quer os trabalhadores disponíveis a qualquer hora para ele, se não a empresa fecha e os trabalhadores perdem o emprego. O dono da padaria portuguesa tem que pagar o lucro do proprietário de terra que faz trigo; o lucro da empresa de transportes que o transporta para a cidade; o lucro da Galp onde a empresa mete gasóleo; o lucro da EDP; o lucro da Bosh que lhe vendeu o forno e os frigoríficos; o lucro dos accionistas bancários que vivem da dívida pública via impostos ao Estado que paga o dono da Padaria; o lucro do banqueiro que lhe emprestou dinheiro. Cansados? Ele ainda tem que pagar pelo menos o lucro a mais 100 empresas (fruta, leite, sumos, vidros, janelas, pinturas, alumínio, limpeza…). E todo este lucro vem do meio de uma relação entre um pão e o consumidor. Chama-se capitalismo, fazer dinheiro com serviços básicos e elementares, ou, na versão ideológica não científica «o sistema económico» – assim, o «sistema», até parece cientifico e eterno, estilo lei da gravidade. O corajoso empreendedor vive aterrorizado com medo de ser esmagado pela concorrência e ficar endividado ao banco a quem pediu dinheiro, com juros, para intermediar o consumo de pão e sumos. O banqueiro também tem medo porque pediu ao outro banqueiro mais dinheiro, a juros também. O dono da padaria quer ter menos medo, o banqueiro não gosta de sustos, flexibilidade é bom mas só se for para os outros, para nós segurança, máxima! E qual é o selo de emprego para a vida do dono da padaria? Os 500 euros que paga aos seus trabalhadores. O dos banqueiros já sabemos, somos nós os contribuintes. Emprego para a vida está-lhes garantido pelo Estado, que lhes protege as dívidas. Não se vá dar o famoso «risco sistémico». Mais seguro ainda, explicaram, é se os trabalhadores da Padaria Portuguesa ficarem lá até às 11 da noite – nem com o padeiro dormem as mulheres! Amor, isso é?! Deixa-me pensar…Vida própria? Família, lazer, pieguices… Pagam 400 euros de casa, 100 de passe social e vão mendigar o cabaz social e a tarifa social da electricidade e a isenção das taxas moderadoras ao Estado, dobrando-se na frente da assistente social, que lhes vasculha a vida, humilhando-se – a isto chama muita gente, defendendo a assistência social, «dignidade», ou seja trabalhar e não conseguir sequer comer e pedir ao Estado comida, no século XIX. Perdão, queria dizer XXI.

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