quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Flibusteiros à abordagem do Novo Banco / A hora da Caixa: oito perguntas que precisam de resposta


Flibusteiros à abordagem do Novo Banco
Até hoje as propostas de Sérgio Monteiro para o banco têm sido todas perigosas. Estas não o são menos – e têm de ser evitadas.

FRANCISCO LOUÇÃ
4 de Janeiro de 2017, 6:43

Parece que o Banco de Portugal, ou Sérgio Monteiro, ou comentadores que transportam o recado estariam decididos a tentar forçar a mão do Governo para a impor a venda imediata do Novo Banco. Os felizes contemplados poderiam ser a Lone Star ou, se um golpe de teatro ainda o permitisse, o consórcio Apollo-Centerbridge, agora reforçado pelo carinho da família Violas, que anda de candeias às avessas com o BPI. Já hoje, não pode passar de quarta-feira, escreve-se também em jornais económicos, sob a ameaça tremenda de os fundos norte-americanos se zangarem.

Se bem conheço o Governo e outros decisores nesta matéria, esta chantagem não tem condições para triunfar e impor a entrega do Novo Banco como se não houvesse alternativas consistentes. Até hoje as propostas de Monteiro para o banco têm sido todas perigosas e estas não o são menos.
A solução Monteiro só tem uma virtude clarificadora, a anuência do PSD e CDS. Monteiro, despachado por Passos Coelho para esta função e sempre próximo de Maria Luís Albuquerque, tem cumprido o que dele se esperava, generosamente pago para tanto. Embrulhou as contas do banco, prospectou compradores, ofereceu condições e agora proclama a solução que lhe sobrou.

Mas a solução é má, por três razões. A primeira é que os potenciais compradores são flibusteiros, ou aventureiros provados no mar alto da finança mundial. O fundo texano Lone Star nasceu na crise dos anos 1990 e lançou-se com o crash dos tigres asiáticos, comprando propriedade imobiliária e empresas em dificuldades. O seu negócio é a dívida e a destruição de empresas ou a sua venda a curto prazo. O fundo Apollo, como o Centerbridge, gerem em conjunto o triplo dos valores, mas seguem o mesmo caminho: juntar fundos de pensões ou outros investidores para comprar dívida e conseguirem rentabilidades de curto prazo. Esta Apollo foi fundada por Leon Black, o braço direito de Michael Milken, o rei dos junk bonds, que veio a ser condenado à prisão em 1989 por crimes vários. Se um governo entregasse o terceiro banco do país em termos de activos líquidos a uma operação financeira desta natureza, só se poderia queixar de si próprio.

A segunda razão que assinala o perigo destes fundos é a sua forma de actuação, que decorre da sua natureza, ou do investimento de curto prazo que deve ser imediatamente ressarcido. Ao comprarem o Novo Banco, visto que lhes pode ser difícil distribuir desde logo dividendos para recuperarem o capital, estes fundos procurarão utilizar as garantias do Estado e os créditos fiscais (e já lá estarão cinco mil milhões), pedir novos empréstimos e retirar capitais do banco, espremendo também os créditos em curso na economia nacional para aumentarem as taxas de retorno. Em resumo, ameaçarão o banco, atacarão os clientes, arriscarão os depositantes.

A terceira razão é que este procedimento tem ainda um outro custo, o défice: o imediato, a contabilidade das contra-garantias, e o mediato, a perda fiscal ao longo dos anos. Se lhe dissessem que o Novo Banco foi vendido nestas condições, poderia ter a certeza de que a sua carteira fora arrombada, mas creio que o Governo não alinhará nesta aventura.

A solução Monteiro tem de ser evitada, tanto mais que há alternativas a este caríssimo ultimato quarta-feirista. Primeiro, é melhor fazer as contas do Novo Banco com rigor. Segundo, o banco não pode continuar a viver arrastado para o fundo pelas operações não bancárias do tempo passado e deve livrar-se delas. Terceiro, deve ser mantido como entidade separada e não incluída na CGD, mas deve integrar a banca pública para uma recapitalização ponderada ao longo do tempo e para uma gestão do crédito que estimule a economia. Sobre os detalhes desse plano voltarei a escrever em breve.


A hora da Caixa: oito perguntas que precisam de resposta
António Domingues vai à Assembleia, já livre para dizer o que aconteceu. Não sabemos o que está disposto a dizer, mas é a hora de lhe pedir estas oito respostas.

DAVID DINIS
4 de Janeiro de 2017, 6:29

1. António Domingues colocou, ou não, como pré-condição a não entrega de declarações no TC? Por escrito? Escreveram-se páginas e páginas de jornais sobre esta dúvida - e desta quarta-feira não podem sobrar dúvidas: Domingues deixou ou não claro que queria a sua administração isenta de apresentar declarações de património? E deixou-as registadas por escrito?

2. (Em caso afirmativo), a quem o pediu - e quem sabia disso? Questão subsequente: se Domingues pediu, pediu a quem essa condição? Ao secretário de Estado, ao ministro, ao chefe de Governo? Quem sabia, se é que havia condição para saber.

3. A Caixa esteve em risco de bail-in? Domingues pôs todas as cartas numa forte recapitalização, mas nunca falou sobre as contas que encontrou na Caixa. O banco público esteve em risco de uma reestruturação imposta por Bruxelas, com perdas associadas a clientes e investidores?

4. Quantas imparidades ficaram registadas já? O que é que isso nos diz sobre a qualidade dos empréstimos da CGD? As notícias publicadas apontam para o registo de três mil milhões de crédito malparado no banco público. O número está certo? Até que ponto era necessário tanto? E isso quer dizer que a CGD esteve a dar empréstimos sem garantias suficientes?

5. O plano de recapitalização está plenamente garantido? Já há ok de Bruxelas e Frankfurt para a primeira parte da operação (que pode totalizar 5,7 mil milhões de euros). Mas que condições foram impostas pelo supervisor para que as próximas se colocassem? E a emissão de títulos para privados? Que garantias de sucesso pode ter?

6. Quantos balcões fecham com o plano de reestruturação? Domingues e o seu Conselho de Administração já aprovaram os próximos passos. E sabe-se que passam pelo menos por redução de pessoal (via aposentações) e fecho de balcões e serviços. Vamos saber quantos e quais?

7. Quais foram os motivos da sua demissão? Domingues saiu, ao que se sabe, pela falta de apoio político. Talvez pela entrega de declarações no TC - que chegou a fazer, pedindo sigilo. Mas falta ouvi-lo. Em concreto, foi porquê? E disse-o quando ao Governo?

8. E porque não ficou mais uns dias, até que a nova gestão fosse aprovada? Foi a última das polémicas: só a dois dias do fim do prazo o Governo lhe pediu que ficasse até que Paulo Macedo o substituísse. Domingues e Governo desentenderam-se sobre o motivo e a culpa pela saída imediata. Afinal, o que aconteceu?


Sem comentários: