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Imagem do Dia / OVOODOCORVO
Hoje o Reino Unido
dá um passo irreversível no desconhecido.
O parlamento Escocês
vota o processo de arranque do Referendo.
A Irlanda revela a
sua apreensão sobre as consequências.
Quão Unido está o
Reino ?
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Eles
estão apreensivos mas não vão desistir
Nove
meses depois do referendo, voltámos a falar com quatro portugueses
que residem no Reino Unido, o destino preferencial da emigração
portuguesa desde o início da década. Incerteza sobre os direitos
dos cidadãos europeus após o “Brexit” obriga-os a planear o
futuro a curto prazo.
Ana Fonseca Pereira
ANA FONSECA PEREIRA
29 de Março de 2017, 6:49
“Fomos dormir
descansados e acordámos em choque.” É assim que Patrícia
Marcelino, a viver há seis anos em Londres, recorda o dia a seguir
ao referendo que decidiu a saída do Reino Unido da União Europeia.
“Vi muita gente crescida a chorar.” Passaram quase nove meses e o
“medo inicial abrandou”, dando lugar a “uma expectativa muito
grande” sobre as negociações que agora se vão iniciar. Como
outros portugueses que o PÚBLICO entrevistou em Junho e voltou a
ouvir nas vésperas de Theresa May accionar o artigo 50, Patrícia
quer continuar no país que escolheu para viver e trabalhar, mas
admite que o futuro passou a ser planeado a curto prazo.
O Reino Unido é
desde o início da década o principal destino da emigração
portuguesa — só em 2015 foram 32 mil pessoas, quase um terço de
todos os que deixaram o país para ir trabalhar, segundo os últimos
números divulgados pelo Observatório das Migrações. E nem o
“Brexit” que se avizinha nem a linha dura do Governo de Theresa
May — disposta a sacrificar o acesso ao mercado único para poder
controlar a imigração — parecem desincentivar os portugueses. Em
2016, inscreveram-se na Segurança Social britânica (obrigatória
para quem quer trabalhar no país) 30.500 cidadãos nacionais,
segundo os primeiros dados que já integram o pós-referendo.
Medo do "Brexit"
e teste de inglês mais difícil travam saída de enfermeiros
“Não se vê o
número de chegadas diminuir”, assegura Patrícia Marcelino,
empresária envolvida há vários anos em iniciativas de apoio à
comunidade portuguesa de Stockwell, bairro londrino onde se
concentram emigrantes antigos e recém-chegados, numa área conhecida
como Little Portugal.
Responsável por
acções de formação e de guias de ajuda para quem quer emigrar
para o Reino Unido, Marcelino assegura que muita gente quer tentar a
sua sorte antes de a saída da UE se concretizar. Muitas empresas
tencionam também usar o prazo de dois anos previsto para as
negociações para tentar entrar no mercado britânico. “Não há
dados sobre a taxa de sucesso, não sabemos quantas estão a voltar
para trás”, admite, mas “as pessoas continuam a chegar”.
Também Pedro Antas,
presidente da Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes
no Reino Unido (PARSUK), diz que, apesar de algumas universidades
terem apontado um decréscimo do número de alunos oriundos de outros
países da UE, o efeito do “Brexit” ainda se sente pouco. “As
candidaturas às bolsas nos institutos de investigação não
diminuíram”, afirma, acrescentando que também na PARSUK “o
número de inscrições não sofreu alterações”.
O que mudou é a
forma como se encara o futuro. “Nas universidades, o planeamento é
feito mais a curto prazo” e a prioridade é estudar medidas para
“limitar os danos que possam resultar do ‘Brexit’”, como a
redução do financiamento a projectos de investigação, diz este
doutorando do Instituto Francis Crick, prestes a começar a redigir a
sua tese.
Em Junho, dias antes
do referendo, Pedro Antas dizia ao PÚBLICO que queria continuar a
fazer investigação no Reino Unido, um projecto que se mantém, até
porque as certezas sobre o que vai mudar com a saída da UE são
poucas. “É por ser tudo tão incerto que mantemos tudo na mesma.”
Martina Fonseca,
aluna de doutoramento na University College de Londres e também
dirigente da PARSUK, não tem dúvidas de que, a longo prazo, o Reino
Unido vai continuar aberto aos imigrantes mais qualificados e
continuará a ser um destino preferencial para quem, como ela, quer
trabalhar nas áreas ligadas à Ciência. O que a preocupa é o que
acontecerá no futuro mais próximo — os dois anos que demorarão
as negociações de saída e o período seguinte, em que serão
negociados novos acordos e definidas novas regras, a começar pelo
sistema de imigração. “May vai ter que ceder nalguma coisa aos
populistas”, diz. É por isso que, mesmo preferindo continuar em
Londres após o doutoramento, incluiu nos seus planos uma possível
mudança para outro país da UE.
Incerteza redobrada
Mas a incerteza do
momento tem outros reflexos. Martina conta que “estava a planear
vir para Portugal escrever a tese”, mas está a repensar a decisão,
porque há informações de que o tempo passado fora do país é um
factor tido em conta pelas autoridades no momento de pedir a
residência permanente.
Esta é uma
salvaguarda que milhares de europeus que vivem há anos (muitas vezes
décadas) no Reino Unido estão agora a pedir, acabando por ver-se
confrontados com um pesadelo burocrático de 85 páginas: um
documento que, entre dezenas de outras exigências, obriga os
requerentes a contabilizar todas as vezes que entraram e saíram do
país.
Uma montanha de
papéis que Patrícia Marcelino ainda não se decidiu a enfrentar,
apesar de acreditar que cumpre todos os critérios para obter a
residência permanente. “As condições que impõem assustam um
bocadinho as pessoas”, diz, apesar de sublinhar que a lei britânica
já estipula que “ao fim de cinco anos quem cá está tem o direito
adquirido de viver no país de forma permanente”. “Com o ‘Brexit’
é aconselhado que façamos prova, mas quem cumpre certas condições
tem esse direito garantido por lei”, diz, reforçando o conselho do
Ministério dos Negócios Estrangeiros português para que todos os
portugueses se registem também nos consulados.
Portugal entre os
mais sensíveis a um “Brexit”
Também Isabel
Marques, professora há mais de dez anos a trabalhar na região de
Londres, não avançou ainda com o processo, nem se mostra preocupada
com o seu futuro. “Não sou pessoa de entrar em pânico e muito
menos tenho uma natureza alarmista”, diz. Mas admite que se
encontra numa “situação privilegiada”, quer pelo tempo que já
passou no Reino Unido quer pelas suas habilitações. “O tempo
médio que um jovem professor aqui permanece na profissão é de
cerca de cinco anos. Eu sou um pouco mais teimosa do que isso”,
ironiza.
Com a mesma certeza
que critica as cedências de May ao discurso anti-imigração dos
eurocépticos e populistas, Isabel Marques recusa acreditar que o
“Brexit” lhe mudará a vida. “Não receio ter de deixar o país.
Já havia milhares de portugueses a viver cá antes de Portugal ter
sequer aderido à UE.”
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Theresa
May to call on Britons to unite as she triggers article 50
PM
signs letter that will be hand-delivered to European council
president at the same time as she addresses House of Commons
Anushka Asthana and
Rowena Mason
Tuesday 28 March
2017 23.31 BST First published on Tuesday 28 March 2017 22.01 BST
Theresa May will
call on the British people to unite as she triggers article 50,
beginning a two-year process that will see the UK leave the European
Union and sever a political relationship that has lasted 44 years.
A letter signed by
the prime minister will be hand-delivered to the president of the
European council at about 12.30pm – as she rises in Westminster to
deliver a statement to MPs signalling the end of the UK’s most
significant diplomatic association since the end of the second world
war.
May will aim to
strike a note of reconciliation when she addresses the Commons,
claiming this is the time for Brexiters and remainers to “come
together” after holding an early morning meeting of her cabinet.
“When I sit around
the negotiating table in the months ahead, I will represent every
person in the whole United Kingdom – young and old, rich and poor,
city, town, country and all the villages and hamlets in between. And
yes, those EU nationals who have made this country their home,” she
will say.
Labour said it
respected the decision of the British public but vowed to hold the
government to account. Jeremy Corbyn, the Labour leader, said:
“Britain is going to change as a result. The question is how … It
will be a national failure of historic proportions if the prime
minister comes back from Brussels without having secured protection
for jobs and living standards.”
But the historic
action that formally begins the Brexit process, following last June’s
referendum, continues to pitch senior political figures against each
other as the ferocity of the debate shows no sign of abating.
Michael Heseltine,
the Conservative former cabinet minister, told the Guardian the move
represented the “worst peacetime decision taken by any modern
postwar government”, with the power now all in the hands of
European leaders.
“Our friends and
allies in Europe will now tell us what conditions we must accept to
trade in our largest market,” he said. “This is the moment when
the empty phrases and undeliverable promises of the Brexiters will be
replaced by the hard reality. They will decide. We will be told. It
is what every Conservative prime minister I have worked for was
determined to avoid.”
But Iain Duncan
Smith, a former Conservative leader and longstanding Brexit
campaigner, insisted that it marked the “end of all of the preamble
and the beginning of departure”.
He said: “Tomorrow,
ironically, is the day the United Kingdom becomes truly united
because it has only one position: that we are leaving the EU.”
The former Liberal
Democrat leader Nick Clegg said it was the moment that the “utopian
wishful thinking from Brexiters” gave way to hard realities,
calling on May to “face down the Brexit zealots in her own party
and in the Brexit press”.
However, the former
Ukip leader Nigel Farage said of the moment that article 50 would be
triggered: “After a quarter of a century spent campaigning for this
moment, it will be a big happy day.”
Gisela Stuart, the
Labour MP who chaired the Vote Leave campaign, called on colleagues
to bring an end to the arguments. “This is when we move on,” she
said. “David Cameron called a nationwide referendum, which had a
massive turnout and a clear majority. Whether people agreed or not,
it is done.”
The prime minister
signed the letter shortly after 4.30pm in the cabinet room in Downing
Street, next to a union flag and beneath a portrait of Britain’s
first prime minister, Sir Robert Walpole.
May called the
German chancellor, Angel Merkel, the president of the European
Council, Donald Tusk, and the president of the European Commission,
Jean Claude Juncker, on Tuesday evening to update them ahead of
sending the letter.
A Downing Street
spokesperson said: “In separate calls, they agreed that a strong EU
was in everyone’s interests and that the UK would remain a close
and committed ally. They also agreed on the importance of entering
into negotiations in a constructive and positive spirit, and of
ensuring a smooth and orderly exit process.”
The six-page
document will be handed to Tusk by Britain’s EU ambassador, Sir Tim
Barrow, after arriving in Brussels on Tuesday night onboard a
Eurostar train. It marks the start of a two-year period in which
British and EU27 negotiators will lock horns over questions of
citizens’ rights, an exit bill, immigration and a future trading
relationship.
The first issue to
be placed on the negotiating table is likely to be the status of EU
citizens living in the UK and British nationals living on the
continent, with some suggesting that the prime minister could be
minded to set 29 March, 2017 as a cut-off date for when people will
have their rights protected.
However, the prime
minister is already facing warnings that the European parliament will
veto any Brexit deal that prevents EU citizens who move to the UK in
the next two years having their rights protected.
A senior Whitehall
source told the Guardian that the government had always made clear it
wanted to secure a deal on citizens’ rights and the issue would be
a “priority” in negotiations – but said any cut-off date would
have to be part of those discussions and so had not been decided.
Other early
negotiations will be about the divorce bill itself, with the UK
likely to pay anything between nothing and €60bn (£52bn). Only
when that is resolved, say the remaining EU countries, will they be
prepared to embark on the future trading relationship.
Whatever the
situation, Britain is expected to leave the EU by the end of March
2019, ending a membership that dates back to January 1973 and was
once approved by the public in a referendum.
Downing Street has
tightly controlled the impending announcement. Pro-Brexit cabinet
ministers are expected to stay out of the limelight, while Tory MPs
are attempting not to appear too jubilant.
May knows that she
will also have to battle to keep the UK together after Holyrood voted
to give Nicola Sturgeon the power to negotiate the terms of a second
independence referendum. Warning that Scotland would not be ignored,
the SNP’s Westminster leader, Angus Robertson, said that Britain
was on track to be “permanently poorer” from the Tories’ Brexit
negotiations.
He was one of a
number of high-profile remain campaigners piling pressure on to May
not to forget the needs of the 48% of the electorate who wanted the
UK to stay inside the EU.
Nick Herbert, the
Tory MP who chaired his party’s remain campaign, wrote in the
Guardian that anyone warning against hard Brexit was branded as
“heretics who must recant and swear adherence to the new faith”.
A letter to the
Guardian from more than a dozen high-profile figures including the
Labour MP Clive Lewis, the co-leader of the Green party Caroline
Lucas, and the general secretary of Unison Dave Prentis, claimed the
government was pursuing a “harmful, extreme form of Brexit for
which it has no democratic mandate”.
Some will hope that
Brexit can still be averted if May fails to hammer out a deal and
then is defeated in a general election. Some legal experts, and the
man who drafted article 50 in the first place – Lord Kerr – have
said the process is reversible, although the government has made
clear that it believes the “point of no return” for Brexit has
passed.
The former cabinet
minister and longstanding Eurosceptic John Redwood insisted that he
believed it was a “hugely significant moment” – and was now
irreversible.
“We either leave
by agreement within the next two years or we leave without agreement
on 29 March 2019,” he said. “I’m overjoyed. I think the sooner
we are free and able to make our own laws and spend our own money the
better. I don’t see the harm coming from it all.”
But the pro-EU
Conservative MP and Open Britain supporter Anna Soubry made clear
that while the “phoney war” was over, there was still a fight to
be had. “Britain will begin walking the path of Brexit, and the
wishes of those who voted to leave in the referendum will have been
honoured,” she said. “But this is the beginning, not the end.
“It is crucial
that in this two-year period the voices and concerns of those who
want to preserve close links between Britain and Europe are not
shouted down and silenced, and that those with power over this
process are held to account.”
O
dia em que o artigo 50.º se tornou realidade
A
batalha legal e política em torno do artigo 50.º marcará o futuro
de britânicos e europeus.
29 de Março de
2017, 7:00 Partilhar notícia
1. Há artigos nos
textos jurídicos com a ideia de não serem usados, apenas ficarem lá
bem por qualquer razão. Foi esse o caso do artigo 50.º do Tratado
da União Europeia. Surgiu, pela primeira vez, nos trabalhos da
Convenção para redigir uma Constituição Europeia (2002-2004),
presididos por Valéry Giscard d'Estaing, que levaram ao Tratado
Constitucional Europeu (a chamada Constituição Europeia). Mas esta
não entrou em vigor devido à impossibilidade de ratificação, em
consequência dos referendos na França e na Holanda de 2005. Passou,
assim, para o seu sucedâneo, o actual Tratado de Lisboa. Na génese
estão razões políticas para facilitar a aprovação e ratificação
do texto da Constituição Europeia. A inserção de um artigo com
esse teor permitia silenciar os críticos face aos avanços de uma
integração federalizante. Estabelecia-se, assim, um direito de
saída, mas apenas teoricamente acreditavam os seus redactores. Para
os mais euroentusiastas tratava-se de uma espécie de ficção
jurídica: mantinha a ilusão de que os Estados continuavam soberanos
e conservavam pleno controlo do processo de integração.
2. A notificação
do Reino Unido ao Conselho Europeu, a 29 de Março de 2017, é um
facto singular na história da integração europeia. Pela primeira
vez, um Estado-membro invoca o dispositivo do artigo 50.º para se
retirar da União Europeia. A ficção legal torna-se realidade.
Apesar de tudo, não é muito surpreendente ter sido o Reino Unido a
fazê-lo. Sempre foi um membro renitente da União Europeia. A Europa
comunitária nunca foi o seu projecto de integração, o que teve
consequências, nomeadamente na forma como este ganhou contornos. A
auto-exclusão britânica levou a que fosse moldado à medida dos
problemas e interesses nacionais de outros, essencialmente de alemães
e franceses. A questão da Alsácia-Lorena, do Sarre, da bacia do
Rhur e do rearmamento germânico no pós-II Guerra Mundial estiveram
no cerne da formação das Comunidades. O Tratado de Roma de 1957
criou um mercado comum para produtos industriais, sobretudo alemães,
e uma política agrícola essencialmente para os produtos e
agricultores franceses. Não surgiu à imagem de uma visão britânica
da Europa, nem do seu interesse nacional. Na complexa engrenagem que
levou ao Brexit, percebe-se que este pecado original nunca foi
perdoado.
3. Adivinha-se uma
longa e dura batalha legal e política. Um acordo de saída, tal como
está previsto no n.º 3 do artigo 50.º, deverá prever a eliminação
progressiva dos programas financeiros e de outras normas da União
Europeia. A futura relação comercial deverá também ficar
delineada no mesmo. Mas pode acontecer uma saída sem acordo, se
passados dois anos este não tiver sido concluído, nem houver
consenso de ambas as partes para prorrogar o prazo negocial. Em
qualquer das hipóteses — saída com acordo, ou saída em dois anos
sem este —, a legislação da União deixará de ser aplicável.
Mas desligar-se totalmente não é fácil: os actos jurídicos de
transposição de normas da União (e são milhares) só deixarão de
ser válidos quando forem alterados ou revogados a nível nacional.
Nos próximos dois anos a tarefa é, assim, bem espinhosa,
especialmente na questão da contribuição britânica para o
orçamento da União. Cessa imediatamente com a notificação de
saída (tese britânica), ou apenas dois anos após essa notificação,
ou com um acordo de saída (tese da União Europeia)? As mesmas
questões e divergências se vão levantar sobre a livre circulação
de trabalhadores, ou a aplicação das decisões do Tribunal de
Justiça da União Europeia, entre outros assuntos de maior ou menor
relevância.
4. A sombra de
Margaret Thatcher vai pairar sobre Theresa May e as negociações do
Brexit. Para os britânicos, a comparação será inevitável, e não
apenas por ambas serem mulheres e do Partido Conservador. Na memória
está a percepção de uma vitória conseguida durante o Conselho
Europeu de Fontainebleau, em Junho de 1984, após um longo
contencioso orçamental. Devido ao peso da política agrícola comum
na despesa europeia, da qual os agricultores franceses eram (e são)
os principais beneficiários, obteve o direito a um reembolso parcial
da sua contribuição. Foi especialmente celebrada por ter sido
obtida em França e sobre François Mitterrand. Mas Theresa May não
é Margaret Thatcher. A sua chegada ao poder resultou da demissão de
David Cameron, com a derrota política no referendo de 23 de Junho de
2016. Theresa May terá ainda de conquistar o seu lugar na história
política britânica. O seu primeiro obstáculo será agora Michael
Barnier, o francês que chefia a equipa negocial da União Europeia.
Veremos se Theresa May conseguirá replicar a vitória de Thatcher
sobre Mitterrand em 1984, ou se assistiremos a uma revanche. A
batalha legal e política em torno do artigo 50.º marcará o futuro
de britânicos e europeus.
"Não
são tempos de brincar; mas brinca-se”
De
repente, o governo português tem dois partidos que o apoiam
defendendo que estaríamos melhor fora do que dentro do euro.
29 de Março de
2017, 6:38 Partilhar notícia
Regressou o debate
da saída do euro, como sempre diluído em termos como “estudar a
saída do euro” ou “prepararmo-nos para a saída do euro”. Na
sua ambiguidade criativa, estas expressões podem ser lidas como uma
defesa da saída ou do “estudo da saída”. E, na sequência do
debate, os opositores do euro oscilam entre essas duas posições.
Primeiro, são mais pela saída; quando as perguntas difíceis
começam, são pelo “estudo da saída”.
A questão é que,
tantos anos depois de se anunciar “o estudo da saída” já podia
haver alguma resposta para as perguntas difíceis. Ora, os defensores
da saída do euro nunca explicam se pretendem ao mesmo tempo sair da
UE ou não. No caso de quererem sair da UE, as grandes vantagens do
novo escudo e da sua desvalorização desvanecem-se ao não podermos
exportar para os mercados que são os nossos maiores clientes no
mercado único da UE (para não falar do milhão e tal de portugueses
no resto da UE que passariam a ser extracomunitários de um dia para
o outro). No caso de começarmos a imprimir uma nova moeda dentro da
UE, não se explica como se fará para redenominar as dívidas nem o
que se fará se for determinado pelos tribunais internacionais que a
nova moeda não é transacionável.
Também fica sem
resposta a mais crucial das perguntas: e o povo? Segundo todas as
sondagens, o nível de adesão dos portugueses ao euro tem aumentado,
estando agora em máximos históricos que não se viam desde antes da
crise. Entre 80% e 90% dos portugueses são favoráveis à
continuidade na moeda da UE. Como pensam os defensores da saída do
euro legitimar democraticamente a decisão de saída?
Chegados a este
ponto, convém fazer uma distinção entre os participantes no debate
intelectual e aqueles que além disso têm responsabilidades
políticas. Entre os primeiros, o ex-secretário-geral do PCP Carlos
Carvalhas admite que a decisão de saída não deve poder ser tomada
por referendo, pois tal constituiria um pré-anúncio de
desvalorização da moeda e um convite à especulação contra
Portugal. Só que, por maioria de razão, a mesma lógica se aplica a
uma campanha eleitoral em que um partido peça mandato para sair do
euro ou mesmo à abertura de negociações, necessariamente
demoradas, no caso de Portugal pedir uma derrogação especial para
sair do euro e ficar na UE. Derrogação essa que teria de ser votada
por 27 ou 28 países, 40 câmaras parlamentares, e dois ou mais
referendos, tudo com poder de veto e altíssimo risco de fazer gorar
todo o processo.
Sobra então a
hipótese de um governo desencadear a saída de forma unilateral e
desordenada. Um debate que se pode fazer, desde que se tenha em conta
o défice de legitimidade democrática e a responsabilidade de estado
por parte de quem defenda tal opção.
É nesse sentido que
a posição do BE neste fim-de-semana de aumentar a “urgência”
da preparação para a saída se revela surpreendente para quem não
tenha acompanhado o retrocesso político deste partido em matéria
europeia. Que o PCP defendia a preparação para a saída e estava a
ponto de iniciar uma campanha defendendo as suas vantagens, nós já
sabíamos. Que o BE não conseguiria resistir à pressão para fazer
o mesmo, só alguns imaginariam. E assim, de repente, o governo
português tem dois partidos que o apoiam defendendo que estaríamos
melhor fora do que dentro do euro. Um dos quais achou oportuno
enfatizar essa posição agora, quando está num grupo de trabalho
para a renegociação da dívida (a estratégia deve ser dizer aos
credores “renegoceiem ou Portugal dá um tiro no seu próprio
joelho”) e que estamos a um par de meses da saída do procedimento
por défice excessivo.
Uma vez encontrei
num arquivo uma carta do século XVIII que tinha uma boa frase para
situações como esta: “não são tempos de brincar; mas
brinca-se”.