Acidente com carro de Cabrita: Todas as contradições de
uma morte anunciada com versões diferentes
01.07.2021 às
08h15
RITA RATO NUNES
JORNALISTA
Há duas semanas,
um acidente na A6, que envolveu o carro onde seguia o ministro Eduardo Cabrita,
fez uma vítima mortal - o trabalhador de uma obra, que estaria a atravessar a
estrada, no momento da colisão. A tutela, antes de se remeter ao silêncio,
argumentou que a obra não estava sinalizada, mas a concessionária da
autoestrada (Brisa) desmente. A investigação decorre, mas este não é o único
facto por explicar
As perguntas são
mais do que as respostas: a que velocidade seguia o carro do ministério da
Administração Interna (MAI), no dia 18 de junho, quando chocou, na A6, contra
um trabalhador das obras que estaria a atravessar a estrada? A obra estava ou
não sinalizada? Porque ia o carro numa faixa da esquerda, sem trânsito? O
ministro Eduardo Cabrita – que seguia no banco de trás do carro – não responde.
Mesmo instado pelo Presidente da República, remeteu-se ao silêncio até à
conclusão da investigação aberta pelo Ministério Público ao acidente. Fica
apenas a garantia deixada por Marcelo Rebelo de Sousa, nesta quarta-feira:
“Essa investigação não deve depender de saber se a A ou B ou C ia a conduzir,
ao lado ou atrás do condutor. O que for apurado, é apurado”.
Cronologia dos acontecimentos
18 de junho: Um
acidente e uma vítima
A informação
sobre o acidente ao quilómetro 77 da A6 – que liga a Marateca à fronteira do
Caia, em Elas (Portalegre), – chega às redações através de um comunicado do
ministério da Administração Interna, onde se lamenta a morte de um cidadão (um
homem de 43 anos), que realizava trabalhos de limpeza na berma da autoestrada.
Nas primeiras
horas, fonte da GNR ainda chega a assegurar, ao jornal Observador e replicado
nas televisões, que Eduardo Cabrita não seguia no carro. Notícia que viria a
ser desmentida pouco depois. O ministro regressava de uma deslocação oficial a
Portalegre. A tutela esclarece ainda, neste dia, que não se tratou de um
despiste da viatura, que “circulava na faixa de rodagem, de onde nunca saiu,
quando o trabalhador a atravessava”, e que a obra em causa não estava
assinalada [versão que viria a ser desmentida pela Brisa, a 29 de junho].
18 de junho: Investigações
em curso
No mesmo dia, o
Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação da GNR de Évora
deslocou-se ao local e abriu um inquérito, que ainda não está concluído,
confirmou a Visão junto da GNR. Mas que deverá ter em conta a velocidade a que
ia o carro do MAI (informação desconhecida para já). Outro dado que esta
investigação deverá esclarecer é o facto de a viatura estar a circular na faixa
mais à esquerda, quando havia pouco trânsito. É deste lado (o esquerdo) que
ficou a marca da amolgadela no carro; sendo que o acidente aconteceu junto ao
separador central. No entanto, não há câmaras de vigilância que o comprovem,
uma vez que a câmara mais próxima localiza-se ao quilómetro 76.
Para além da GNR,
também abriram inquéritos o Ministério Público, para apurar as circunstâncias
da morte (procedimento habitual em acidentes rodoviários com vítimas mortais),
e o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para averiguar as
circunstâncias em que foi prestado o socorro à vítima.
28 de junho: Oposição
pede explicações
O líder do PSD,
Rui Rio, pede esclarecimentos urgentes quanto ao acidente e responsabiliza o
primeiro-ministro por aquilo que “vão sendo as falhas” de Eduardo Cabrita.
Junta-se assim ao CDS, que pede a demissão do ministro, caso seja apurado que o
carro onde seguia ia em excesso de velocidade.
29 de junho:
Brisa garante sinalização da obra
Em comunicado, a
empresa concessionária da autoestrada declara que – ao contrário do que a
tutela referiu inicialmente – a “sinalização dos trabalhos de limpeza
realizados na berma direita da A6 estava a ser cumprida pela ArquiJardim”, a
empresa responsável pela intervenção, e que a sinalização estaria de acordo com
“os procedimentos de segurança adequados”. Contactada pela Visão, a ArquiJardim
reafirmou a sinalização da obra, mas não quis prestar mais declarações.
30 de junho:
“Velocidade louca”
Um dos colegas da
vítima, que assistiu ao acidente, descreve, ao Correio da Manhã, que o carro do
MAI vinha com uma “velocidade louca”. A mesma testemunha garante que a
sinalização estava feita e que o colega vestia um colete refletor,
acrescentando que tanto o ministro como o motorista nunca chegaram a sair do
carro.
30 de junho: MAI
em silêncio
Questionado pela
Visão sobre a velocidade a que seguia o carro e a garantia de sinalização da
obra, por parte da empresa, o ministério indica que “não tem nada a acrescentar
aos esclarecimentos públicos já prestados”. Pela hora de almoço, Cabrita é
encurralado pelos jornalistas, no final de uma visita à Unidade Especial de
Polícia, no concelho de Sintra, e estes pedem-lhe, mais uma vez, para comentar
a evolução do caso, mas o ministro remete-se ao silêncio, apontando que não
seria o “momento adequado”.
Já Marcelo Rebelo
de Sousa, que se encontrava ao seu lado, não deixa de comentar o caso, dizendo
que espera pelas conclusões da investigação e deixa a garantia de que esta não
será mais branda por estar envolvido um governante. “ Essa investigação, a meu
ver, não deve depender de saber se a A ou B ou C ia a conduzir ou ao lado do
condutor ou atrás do condutor. É apurado, é apurado, o que for apurado é
apurado”, referiu.
01 de julho:
“Ordem Superior”
Segundo o Correio
da Manhã, quando os elementos do Núcleo de Investigação Criminal a Acidentes de
Viação da GNR de Évora quiseram fazer novas diligências ao carro, foram
impedidos “por ordem superior”. Os cálculos de estimativas feitas com base nos
registos da Via Verde e das câmaras da A6 e a hora do acidente indiciam que o
carro oficial do Ministro da Administração Interna circulava a uma velocidade
média de 200 km/h.
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