Olhar para a UE em 2019 até arrepia
João Abel de Freitas, Economista 07 Janeiro 2019, 00:07
A UE, como costuma marchar, não avança. Tem de mudar de
treinadores de marcha. As reformas não se vêem nem sequer se pode dizer que se
arrastam, pois não se movem.
Ao olharmos para o mundo também não se imagina uma muito
melhor pintura, embora apareça uma superpotência, a China, a destacar-se, com
objectivos bem traçados num Horizonte de longo prazo e dando a impressão que
sabe (por se ter preparado) por e para onde caminhar.
Numa sua mensagem a coincidir com o início do Ano Novo
Gregoriano (o ano chinês só acontece a 5 de Fevereiro próximo), Xi Jinping foi
afirmativo: “o ritmo das nossas reformas não vai marcar passo, e a nossa
abertura vai aumentar”, ou seja, apesar da complexidade do actual ambiente
geopolítico global, a economia chinesa vai continuar a abrir-se ao mundo.
Este meu primeiro comentário no Jornal Económico “de
arrepio” sobre as perspectivas políticas e económicas na União Europeia (UE) em
2019 pode imprimir a sua primeira marca (já sem falar no Brexit) nos resultados
eleitorais de Maio próximo: o avanço significativo do populismo e da
extrema-direita. E, a partir daí, um terreno bem cultivado para um movimento
europeu e internacional de extrema-direita, mais formal ou informal, bem ou
melhor organizado, se implantar e consolidar.
As condições sedimentadas na Europa apontam nessa direcção.
Não temos um único país europeu dos Grandes (determinantes na política da UE) e
grande parte dos pequenos e mais pequenos, com um mínimo de estabilidade.
Encontram-se, na sua maioria, “desengonçados”, sem identidade, por esta ou
aquela razão. Em situação de turbulência latente ou evidente.
A Alemanha baloiça por tudo quanto é lado. A política de
refugiados de Merkel abriu fissuras na sociedade alemã. A direita tradicional
(cristã) está em crise, o SPD em definhamento lento mas constante. Assim, a
organização política tradicional do país esboroou-se, deixando caminho livre
para o populismo e a extrema-direita aparecerem e consolidarem-se de forma
significativa.
Merkel, na sua mensagem de Ano Novo, 2019, parece ter saído
de um sonho a dizer que a Alemanha “deve assumir mais responsabilidade na arena
internacional”. Será que o seu sonho de assumir “mais responsabilidade” também
se destina ao interior da Europa? Será que vai ter efeitos no avanço estrutural
da Europa?
Não menos importante, será desta que Merkel vai ser decisiva
(e tem poder para isso) na redução das assimetrias existentes e que se
auto-reproduzem, condicionando o desenvolvimento de muitos dos países no seio
da UE e da União no seu todo? Por exemplo, as assimetrias no acesso ao
financiamento. A Alemanha pode financiar-se a uma taxa de juro inferior a 1%,
pois o euro funciona para a Alemanha como uma moeda fraca, enquanto para
Portugal e outros países o euro é uma moeda cara, com taxas de juros muito
superiores. Será que é este o tipo de responsabilidades que Merkel tem em
mente?!
A França, em termos de sociedade política, já se tinha
“desmembrado” nas últimas eleições, com o quase desaparecimento dos partidos
tradicionais e a ascensão fulgurante de Macron. Mas, agora, com “os coletes
amarelos” Macron quase se afogou. Sobrevive à tona de água. Por e para onde vai
a França? Uma grande incerteza. Esta situação deixa terreno fértil para mais
uns avanços consolidados da organização de Marine Le Pen, aquela que não tem
sido tocada e passo a passo vai avançando. Quem sabe se, nesta nova conjuntura,
dará passos muito firmes…!
Da Itália pouco a dizer. Um governo contranatura. Uma
sociedade “baralhada” com as suas persistentes e grandes desigualdades de desenvolvimento
económico e social norte/sul, e uma tremenda desestruturação política em
profundo “banho-maria”. Já dispõe de várias hipóteses de reestruturação
política, mas a sua incapacidade tem sido uma constante.
Temos ainda, ao nível de grandes, a Espanha e a Polónia.
A Espanha já tinha e tem a sua turbulência estrutural com os
diferentes poderes autonómicos, nomeadamente a Catalunha, nos tempos mais
recentes. Vê agora chegar ao palco um novo fenómeno, o populismo de
extrema-direita, e logo a ter influência decisiva na constituição do novo poder
político da Andaluzia, afastando o PSOE que, desde a mudança franquista, sempre
foi o senhor daquela região.
A Polónia é um dos casos da UE de democracia limitada com a
comunicação social em situação de quase clandestinidade, com culpas claras da
União que não aplica as suas próprias decisões. Outro foco de grande
instabilidade.
E a baralhar isto tudo, só falta mesmo o Brexit, cujos
cenários de desfecho são muito complexos com efeitos imprevisíveis em todo o
continente europeu.
Os países médios e pequenos têm os seus problemas. Uns mais,
outros menos. Apesar disso em alguns existe alguma estabilidade, ou de outra
forma, menor instabilidade. Será que poderão estes países de dimensão menor
desempenhar algum papel positivo no “reanimar” da UE?
As esperanças são poucas, em minha opinião, pois na União
Europeia parece não haver aquele mínimo de coerência entre os países e de
discussão tendente a soluções adequadas, praticamente a nenhum nível. Já se
aperceberam que as decisões europeias são tomadas sempre sob pressão às tantas
da madrugada e nunca na base de uma discussão sólida?! Isto deve ser
patológico.
A UE, como costuma marchar, não avança. Tem de mudar de
treinadores de marcha. As reformas não se vêem nem sequer se pode dizer que se
arrastam, pois não se movem. No entanto, há países que enriquecem à custa de
outros no seio da União. Basta pensar no caso do euro fraco para uns e caro
para outros. Daí que esta Europa serve alguns.
A UE tem sobre si a culpa desta tendência de movimentos para
o populismo e extrema-direita e da estagnação e perda de poder nos últimos
tempos, no contexto mundial.
A UE não convence os europeus da sua bondade de futuro.
Esta linha de continuidade, esta forma de agir dos
principais dirigentes e políticos da União, e nomeadamente dos países maiores,
não se enquadra nos princípios que estiveram no arranque desta Instituição.
Cada dia que passa, a paz e o entendimento entre os países europeus estremecem,
tornando-se bem periclitantes.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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