Avenida da Liberdade e Baixa deverão ser encerradas ao
trânsito automóvel, pede Assembleia Municipal de Lisboa
Kátia Catulo
Texto
23 Janeiro, 2019
Uma medida radical para um problema de vulto. Os eleitos da
Assembleia Municipal de Lisboa (AML) votaram, na tarde desta terça-feira (22 de
Janeiro), uma recomendação em que se pede à câmara da capital que estude a
adopção de “medidas drásticas de redução do tráfego no Eixo Avenida da
Liberdade/Baixa, nomeadamente o encerramento ao trânsito e a transformação da
zona num espaço pedonal e ciclável”. A proposta, apresentada pelo grupo de
deputados independentes e que mereceu votos contra do PCP e do Partido Ecologista
“Os Verdes” (PEV) e abstenções do CDS-PP, MPT e PPM, surge em resposta à
recente denúncia, por parte da organização ecologista Zero, de que os valores
limite de poluentes como o dióxido de azoto e partículas inaláveis têm sido
ultrapassados sistematicamente. A maioria dos membros daquele órgão autárquico
pede, por isso, à autarquia liderada por Fernando Medina (PS) não apenas o real
cumprimento das limitações legais em vigor, fazendo uso da capacidade
fiscalizadora da Polícia Municipal, mas também o seu endurecimento.
Partindo do referido comunicado da Zero, que, no passado 15
de Janeiro, denunciava a “sistemática ultrapassagem dos valores-limite de
diversos poluentes no centro de Lisboa causada pelo tráfego rodoviário” e pedia
a aplicação de “medidas com muito maior impacte e expressão, de forma a
salvaguardar a saúde de quem vive e/ou trabalha” na maior cidade portuguesa, a
recomendação adopta o essencial do caderno reivindicativo da associação
ambientalista. A começar pelo reforço da fiscalização do cumprimento das
limitações à circulação automóvel no centro da capital dos veículos mais
poluentes, através da Zonas de Emissões Reduzidas (ZER), instituídas em 2011.
Desde a implementação da terceira fase das ZER, em Janeiro de 2015, teoricamente,
é proibida a circulação de automóveis construídos antes de 2000 (norma EURO 3),
na Zona 1, correspondente ao eixo da Avenida da Liberdade e da Baixa, e a dos
fabricados antes de 1996 (EURO 2), na Zona 2, situada a Sul do eixo Avenida de
Ceuta-Eixo Norte-Sul-Avenida das Forças Armadas-Avenida EUA-Avenida Marechal
António Spínola-Avenida Infante Dom Henrique.
Tais restrições, no entanto, e num cenário implicitamente
admitido por quase todos, revelam-se uma mera formalidade, não existindo registo
conhecido recente de multas passadas aos incumpridores – um facto já
salientando por O Corvo, num artigo publicado em Maio do ano passado. Uma
situação que a Zero, e agora também os deputados municipais da capital, atribui
à “falta de fiscalização”. Tanto que a maioria dos eleitos, incluindo a bancada
socialista, pede agora à Câmara Municipal de Lisboa que “reforce a fiscalização
pela Polícia Municipal do cumprimento das regras relativas às ZER” e, mais que
isso, “actualize o grau de exigência das ZER, passando as Zonas 1 e 2 para as
normas EURO 4 e EURO 3, respectivamente”. Na prática, tal significará que no
Eixo Avenida da Liberdade e Baixa apenas passem a circular automóveis
construídos após Janeiro de 2005 e no território da Zona 2 (Sul do eixo Avenida
de Ceuta-Eixo Norte-Sul-Avenida das Forças Armadas-Avenida EUA-Avenida Marechal
António Spínola-Avenida Infante Dom Henrique) apenas sejam permitidos carros
feitos depois de Janeiro de 2000.
Essas medidas já eram, aliás, defendidas em Outubro de 2017,
pelos especialistas responsáveis pela elaboração do “Plano de Melhoria da
Qualidade do Ar da Região Lisboa e Vale do Tejo”, realizado pela Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT),
aquando da sua apresentação pública. O problema é que, desde então, e volvido
quase ano e meio, nada foi feito pela administração central para colocar em
prática o referido instrumento de gestão ambiental, que tarda em sair da
gaveta. O plano deverá substituir o anterior, aprovado em 2005, mas apenas
aprovado pelo Governo em 2008 e cujas medidas vigorariam até 2012. Ou seja,
desde essa altura, verifica-se um vazio nesta matéria. Isso mesmo é salientado
tanto pela recomendação dos deputados independentes, como por uma outra do
Partido Popular Monárquico (PPM), apresentada também na sessão desta
terça-feira, em ambas se pedindo à Câmara de Lisboa que pressione a CCDR-LVT
para avançar com a conclusão do mencionado plano de melhoria da qualidade do
ar.
A recomendação dos deputados independentes pede ainda à
câmara que “reforce a política de mobilidade que tenha como objectivo uma
redução geral do tráfego automóvel na cidade de Lisboa”, bem como “estude a
implementação de um plano de contingência para a poluição atmosférica, à
semelhança do que é feito por outras grandes cidades como Paris e Madrid, a ser
activado nos momentos de maior poluição”. Em todos os cinco pontos da
recomendação, as únicas forças a votar contra foram o PCP e o PEV. A posição
dos comunistas, que sempre se manifestaram contra a criação das ZER, foi
explicada pela deputada Ana Páscoa com o argumento de que, mais que a imposição
de limitações com base em valores de emissões poluentes, aquilo que deve ser
combatido é o número de viaturas em circulação. A deputada municipal pôs mesmo
em causa a quase unânime leitura dos dados relativos aos poluentes, relevados
pela Zero.
“Os valores das partículas vieram consistentemente descendo.
E, portanto, nem as médias nem os dias de ultrapassagem se encontram, de facto,
acima dos limites”, afirmou a eleita do PCP, para quem o problema principal
residente sobretudo no número de carros a circular. “Um dos problemas desta
cidade é o do número de viaturas em circulação. Não serve de nada ter limites
para as emissões, se o número de viaturas aumentar. Além disso, temos hoje
viaturas de maior potência, o que anula qualquer efeito que a restrição de
poluentes possa ter”, afirmou. E acrescentou: “A solução tem, forçosamente, de
passar por uma rede de transportes públicos que seja coerente e não um mero
conjunto de linhas de conexão difícil e duvidosa. Propostas de solução que
passem por portagens ou aumento de restrições que obriguem à aquisição de novas
viaturas são totalmente inaceitáveis”.
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