segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

E a polémica continua … Hoje é Fernanda Câncio … OVOODOCORVO publica o texto em contraponto com o texto de Helena Matos … e o de José Pacheco Pereira OVOODOCORVO



Como branquear um nazi na TV(I)
Ao contrário do que muita gente pensa e defende, ser racista não é crime. Ser nazi também não. Nem ser mentiroso. Tão-pouco dar tempo de antena a um nazi mentiroso. Não será sequer ilegal. É só repugnante.

Fernanda Câncio
05 Janeiro 2019 — 06:16

Quinta-feira foi um grande dia para Mário Machado. Esteve em dois programas da TVI, um de entretenimento - o de Manuel Luís Goucha - e outro de alegada informação (SOS24), e correu-lhe muito bem. Na página de Facebook do seu movimento, escrevia-se: "Objectivo n.º 1 - Atingido! "Chegar às pessoas!'".

Porque, como deveria ser óbvio, o simples facto de convidar um nazi condenado a uma infinidade de anos de prisão - em 2012, as penas consecutivas somavam mais de 19, que resultaram num cúmulo jurídico de dez -, na sua maioria por crimes violentos, para o sofá de um programa de entretenimento, entre uma rubrica que ensina a fazer pastéis e outra em que se impinge vendas aos idosos, é uma forma de o embalar como pessoa "normal", aceitável, até "simpática". Machado sabe isso, claro. Dá para acreditar que Goucha e a TVI não saibam?

Aliás, como ninguém convida um nazi criminoso para um programa destes para dizer: "Caros telespectadores, aqui temos este grandessíssimo nazi criminoso para ficarem cheios de nojo dele e de nós por o termos trazido", Machado foi apresentado, no programa como no Facebook de Goucha - que depois apagou o post, supõe-se que pela enxurrada de críticas (a liberdade de expressão é muito boa, mas) -, como um mero "autor de declarações polémicas." Transformando um criminoso que professa uma ideologia violenta numa pessoa "controversa", que pode e deve, como aliás defende Goucha, ser "contraditada com argumentos": "Ele tem os dele e nós temos os nossos."

Por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, Goucha caiu na armadilha de achar que poderia fazer um brilharete "desmontando" Machado sem sequer saber quem tinha na frente.

Essa é a armadilha em que o apresentador, por irresponsabilidade, soberba e ingenuidade, caiu: a de achar que poderia fazer um brilharete "desmontando" Machado sem sequer saber quem tem na frente, e portanto induzindo os seus espectadores no mesmo erro. É certo que o convidado foi questionado sobre os seus crimes. Mas quem o fez, apresentando-se como "repórter", limitou-se a ouvi-lo afirmar que tinha sido preso preventivamente - e injustamente - em 1995 por suspeitas de envolvimento na morte do português negro Alcindo Monteiro, assassinado à pancada por um grupo de skinheads no 10 de Junho desse ano, e que fora solto em 1997 por ser "absolvido". Deixou-o queixar-se: "É um fardo que carrego, pesadíssimo para mim e a minha família."

Pobre Mário Machado. De facto não foi condenado por essa morte; foi condenado em 1997, pelo Supremo - no mesmo processo em que outros membros do grupo foram condenados pelo homicídio qualificado de Alcindo -, a dois anos e seis meses de prisão, em cúmulo jurídico, por fazer parte desse gangue que foi ao centro de Lisboa com o objetivo de agredir negros e pela autoria material de cinco dessas agressões, duas delas resultando em traumatismos cranianos. Estaria a espancar outros negros quando os amigos mataram Alcindo.

"Denota completa ausência de arrependimento", escreveu o tribunal em 1997. 23 anos depois, Machado apresenta-se como vítima da justiça e repete as mentiras de 1995: que se tratou de "um confronto entre nacionalistas e africanos", quando se provou que foram, armados de soqueiras, tacos e botas de ponta de aço, à caça de negros para agredir.

"Denota completa ausência de arrependimento", lê-se no acórdão. Ausência de arrependimento evidente 23 anos depois ao apresentar-se como vítima do "falhanço da nossa justiça" e repetir a mentira que o grupo apresentou desde o primeiro momento: que se tratou de "um confronto entre nacionalistas e africanos no Bairro Alto", quando, deu-se como provado, Machado e amigos iam armados com soqueiras, tacos e botas de ponta de aço à caça de negros para agredir, querendo "com essa atuação, integrada nos objetivos do grupo de skins, contribuir para a expulsão de Portugal daquele grupo racial."

Nada disso Goucha ou o seu "repórter" souberam ou quiseram evidenciar. Como os escritos racistas e nazis muito mais recentes de Machado, as fotos a fazer a saudação nazi, as tatuagens nazis, a informação sobre as suas condenações, a última das quais, a sete anos e dois meses por roubo, sequestro, coação e posse ilegal de arma, é de 2010 - esteve preso até 2017, quando saiu em condicional. É de resto tal a profusão e a gravidade das condenações que talvez nem o próprio se lembre de todas, quanto mais Goucha. Daí que tenha podido dar-se ao desplante de se dizer "a primeira pessoa em Portugal a ser presa dois anos e nove meses por um texto escrito na internet", coisa que, comentou, "no tempo de Salazar não aconteceu a ninguém" - referindo-se à condenação, em 2016, por uma carta escrita em 2014 a partir da prisão, na qual afiançava a uma mulher, que acusava de o ter "tramado", que se não lhe pagasse 30 mil euros iria ser morta "à frente dos teus filhos", e "encomendava" agressões a outras pessoas.

Após tal performance no programa de Goucha, Machado seguiu para o inominável SOS24 , onde debitou a sua cartilha racista e odienta, falando de "africanos", "portugueses brancos" e "da nossa cultura" (para quem precise de um desenho: portugueses são brancos, os não brancos não são portugueses) e afirmando que "hoje em dia o racismo vem sobretudo dos negros contra os próprios brancos, (...) desses grupos de marginais que espalham o terror nas nossas cidades, que perseguem os nossos miúdos nas escolas, que violam as raparigas sempre que têm uma oportunidade, porque o fazem movidos por ódio racial". Também aí, ninguém lhe pediu que apresentasse provas do que disse, ninguém o contraditou com o mínimo de eficácia.

A TVI quis dar "respeitabilidade" e "seriedade" a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de "liberdade de expressão". Parabéns a todos.

Não sei se Machado e a TVI violaram alguma lei; não sei se faz sentido "resolver" isto com queixas à ERC, alimentando a sua estratégia de vitimização. Não se trata, para mim, de o impedir de ser o nazi e o racista repelente que é e de defender essas "ideias" - direito que lhe reconheço, desde que sem apelar à violência (se bem que ser nazi sem apelar à violência seja difícil); sequer de querer impedir alguém de o entrevistar. Trata-se de tornar claro o que a TVI fez: branqueou uma carreira de duas décadas de crime (no programa de Goucha) para a seguir dar tempo de antena, no SOS24, ao discurso de ódio que enforma essas duas décadas de crimes. Quis dar "respeitabilidade" e "seriedade" a um criminoso cúmplice de assassinos permitindo-lhe intoxicar milhões com as suas mentiras. E tanto que o conseguiu que está tudo, para variar, a falar de "liberdade de expressão". Parabéns a todos.


Os caça-fantasmas
Helena Matos
6/1/2019

Portugal não tem fascistas que cheguem para encher uma pequena praça ou até a Rua da Betesga mas tem cada vez mais dependentes do fascismo. São eles os caça-fascistas, a versão lusa dos caça-fantasmas

A reacção à ida de Mário Machado ao programa de Manuel Luís Goucha veio lembrar-nos o óbvio: o fim da censura prévia em Abril de 1974 não encerrou de modo algum, em Portugal, o capítulo do controlo das ideias e das opiniões. Entre nós, tudo é censurável desde que essa censura seja feita em nome do anti-fascismo. Daí que, sem nos alongarmos muito, a lista de tudo aquilo que em determinado momento foi arredado do écran em nome do combate ao fascismo se assemelhe a uma programação de fim-de-semana: o fado foi fascista, o Festival da Canção idem e até a decisão da RTP, em 1976, de exibir a “Aldeia da Roupa Branca” e o “Pátio das Cantigas” motivou sérios receios de regresso ao fascismo. Debater a Reforma Agrária era dar a mão ao fascismo. Informar simplesmente que os retornados existiam foi durante vários meses sinónimo de fascismo, racismo e colonialismo…

Portugal, ironia das ironias, não tem fascistas que cheguem para encher uma pequena praça ou até a Rua da Betesga mas tem cada vez mais dependentes do fascismo. São eles os caça-fascistas, a versão lusa dos caça-fantasmas. Sem a capa do anti-fascismo revelar-se-ia o que de facto são: uns querem ser ditadores, outros servi-los. Para uns o anti-fascismo remete-os para um passado que os preserva de se confrontarem com aquilo em que se transformaram no presente. Para outros, o anti-fascismo é uma táctica de exercício de poder. E para outros, de ideais tão ou mais ditatoriais que os do fascismo propriamente dito, o anti-fascismo é uma peça na sua estratégia de controlo sobre as sociedades, independentemente dos votos que obtiveram e vierem a obter. Por isso, todos os dias, várias vezes por dia, todos eles, por necessidade e interesse, aí andam à caça de fascistas, vasculhando fascistas, inventado fascistas, combatendo fascistas. E para o caso tanto dá que Mário Machado se diga ou não fascista, ou saiba sequer o que foi o fascismo, que já agora, acrescente-se, não é sinónimo de salazarismo. O espantalho do fascismo grosseiramente confundido com salazarismo, tornou-se a saída ideológica de emergência para um regime que depois do discurso sobre a “longa noite” e da riqueza que havia de vir da CEE ficou sem outro projecto para Portugal que não seja o do desenrascanço imediato frequentemente na sua versão mais grotesca.

Os mais vulgares são os antifascistas por escape ou transferência. São aqueles que quanto mais dobram a espinha, perante o comportamento anómalo dos chefes, candidatos a chefes, líderes que se dizem animais ferozes e outros espécimes do poder pós-74, mais se fixam na figura de Salazar. Precisam de Salazar e das histórias sobre a estupidez dos censores do Estado Novo para não se confrontarem com o que agora calam. Vivem como se tivessem engolido o lápis outrora azul mas que nos meandros do seu corpo passou a vermelho. O anti-fascismo é neles uma necessidade algures entre a ética e a oftalmologia: enquanto falam de Salazar, de cada vez que procuram criar empatia pronunciando “salazarento”, evitam confrontar-se com o seu rosto no espelho e sobretudo evitam pronunciar-se sobre o pântano, no sentido guterriano do termo, em que a sua falta de coragem e alguma avidez transformaram o regime democrático.

Depois temos os anti-fascistas por táctica: roubam-se armas em quartéis, a Lei de Programação Militar vai ser discutida em menos de uma hora no parlamento e sobre o que se pronuncia o ministro da Defesa? Sobre o programa de Manuel Luís Goucha! O ministro João Gomes Cravinho até achou por bem no país que viveu os incêndios de 2017 – aqueles em que o governo de que faz parte teve um desempenho miserável – comparar o convite a Mário Machado por parte da TVI com a atitude “de quem ateia incêndios pelo prazer de ver a labaredas”. Tocante, não foi?

É precisamente esta ausência de memória e de senso, que quase nos faz acreditar que estamos num mundo de absurdos, uma das característica do anti-fascismo táctico: arma-se um escândalo porque Mário Machado, defensor de ideais não democráticos pelos quais os portugueses mostram um enorme desinteresse, vai a um programa televisivo, mas mal se ouve uma palavra contras decisões autoritárias do Governo que agora, por exemplo, pressiona OCDE a mudar capítulo sobre corrupção (tão fofinhos os títulos que dizem estar Governo e OCDE “às turras” por causa da corrupção, como se tudo não passasse de uma birrinha infantil). Muito menos se sussurra uma ligeira perplexidade pelo facto de o mesmo governo ter recusado os nomes seleccionados pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP) para o cargo de Director-Geral da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, com o argumento expresso em despacho da secretária de Estado da Administração Pública, Fátima Fonseca, de que entre os não indicados pela CRESAP fora identificado “um candidato com um perfil mais compatível com as orientações estratégicas definidas”. Que interessante. E  já agora o “candidato com um perfil mais compatível” foi identificado por quem? Pela CRESAP não, certamente, que não o seleccionou. Terá sido pela secretária de Estado da Administração Pública, Fátima Fonseca? Em conclusão, ou os preteridos no concurso conseguem que alguém acuse de fascismo o “candidato com um perfil mais compatível com as orientações estratégicas definidas” ou nada feito! Mas sejamos realistas: o que é a opacidade em torno da escolha do futuro director-geral da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público ao pé da selecção dos convidados para o programa de Manuel Luís Goucha?! Nada! Nadinha. (Aliás o problema de Mário Machado não são as tolices que diz mas tão só o facto de as suas tolices não se enquadrarem  nas “orientações estratégicas definidas”.)

Por fim, mas não por último, temos os anti-fascistas por estratégia. Gente que usa a expressão anti-fascista como um colete à prova de perguntas. Muitos deles, a maior parte, mostra uma extraordinária simpatia pelos autoritarismos marxistas. A sua estratégia é simples: impõem o seu poder através da diabolização da divergência. Por isso eles não debatem, em vez disso adjectivam e compõem um mundo pejado de fascistas, racistas, homofóbicos (conhecendo o que esta gente disse e fez nesta matéria é caso para rir e chorar ao mesmo tempo), machistas… Discordar deles implica ser passado automaticamente para o paradigma do odioso do momento.

Podia pensar-se que anos e anos de democracia nos tinham libertado do fascismo. Nada mais falso. Cada vez mais o fascismo – enquanto espantalho – se torna indispensável. Não duvido que o número de fascistas vai crescer exponencialmente nos próximos tempos. Não porque o senhor Mário Machado obtenha mais votos mas sim porque, numa irrefutável prova de que Deus escreve direito por linhas tortas, o PS terá maioria absoluta nas próximas eleições e portanto os estalinistas, trotsquistas e maoistas de cujo apoio o PS agora depende, vão dedicar-se a recuperar os votos perdidos. Como? Combatendo o fascismo. O do governo, naturalmente.

PS.  Em Portugal, passam pelas televisões, rádios e jornais vários acusados, suspeitos e condenados por crimes de violência, terrorismo, sequestro. O Sindicato dos Jornalistas não se manifesta contra, nem aliás deveria fazê-lo. Que o faça a propósito de Mário Machado é o viés habitual. Mas ideologia à parte sempre podia o SJ aproveitar para tirar algo de proveitoso deste caso. Como? Mostrando a muitos jornalistas como Manuel Luís Goucha se prepara para as entrevistas que faz e como de facto conhece os livros de que fala. Preparação essa que falta a inúmeros jornalistas.

A liberdade de expressão é uma coisa muito incómoda

Acho absurda a polémica muito maison, ou seja, muito redes sociais, sobre a entrevista de Goucha a Mário Machado.

José Pacheco Pereira
5 de Janeiro de 2019, 7:17

Lá vou pela enésima vez dizer que o verdadeiro sentido da liberdade de expressão não é para as opiniões de que gosto ou com que concordo, é para aquelas de que discordo, que penso serem ofensivas e que me podem ser repulsivas. É esse direito que defendo quando defendo a liberdade de expressão, o resto é demasiado cómodo. Numa altura em que o tribalismo cresce e as pessoas só ouvem e vêem o que gostam lá pelos lados da sua tribo, vendo-se sempre ao espelho que nunca lhes responde como o da Rainha Má, convém lembrar este princípio básico da liberdade e da democracia.

É por isso que acho absurda a polémica muito maison, ou seja, muito redes sociais, sobre a entrevista de Goucha a Mário Machado, skinhead, culpado de crimes, preso várias vezes, homem violento e com ideias de extrema-direita, que faz parte de um movimento nacionalista radical e que acha que Salazar faz muita falta ao país.

E depois? Convivo muito melhor com este tipo de defesa de Salazar, declarativo, simplista, rudimentar, ignorante do que foi Salazar e o Estado Novo, ou se calhar demasiado sabedor e saudosista do que ele fez, do que com o branqueamento sofisticado dos nossos “brandos costumes”, com comparações absurdas do número de mortos, que por singular coincidência não incluem nunca os mortos da guerra colonial, ou elaborações entre o totalitarismo e o autoritarismo que, também por singular coincidência, desculpam o autoritarismo em nome das maldades do totalitarismo. Claro que Estaline matou muito mais gente do que Salazar e a sua ditadura (Hitler também), mas a comparação é falseada à cabeça, porque não tem sentido histórico nem político.

Voltemos à entrevista de Goucha a Mário Machado. Goucha não denunciou os crimes de Machado e classificou as suas ideias brandamente de “polémicas”, mas fez-lhe uma das perguntas mais certas que se lhe poderia fazer confrontando-o com a sua circunstância pessoal, dele Goucha, de viver há muitos anos com um homem com quem é casado e queria saber se isso incomodava Mário Machado. E este respondeu-lhe surpreendentemente bem. Isto redime a entrevista e é muito mais significativo do que o salazarismo póstumo.

Claro que as ideias de Mário Machado são “perigosas”, como são as dos milhares de comentadores pelas redes sociais adentro que têm saudades de Salazar e de outras coisas piores. Mas são “perigosas” porque são suplementares ao ascenso populista que se verifica na sociedade portuguesa, em que o nacionalismo e o saudosismo da ditadura são muito menos importantes do que muitas outras coisas novas, recentes, modernas e que nasceram da degradação interior da democracia, não do salazarismo morto e enterrado. Podem ter a certeza que um “novo Salazar” se aparecer será muito mais desempoeirado nos costumes, mais yuppie, menos beato, menos, muito menos temeroso do capitalismo, e não terá medo da exposição televisiva, bem pelo contrário.

Acresce que as ideias podem ser “perigosas”, mas ele tem toda a legitimidade para as defender e nós para o rebater e contrariar. No caso da entrevista, nem sequer se colocam os crimes que a Constituição prevê, e eu sempre considerei essa parte da Constituição, que criminaliza opiniões, realmente afrontosa da liberdade de expressão. Mas não há qualquer matéria de crime no que ele disse e não se pode confundir as críticas que se podem fazer à condução da entrevista com a ilegitimidade de a fazer e de ouvir Mário Machado.

Por isso, vejo como igualmente “perigoso” o apelo à censura do SOS Racismo e do Sindicato dos Jornalistas, assim como a vontade de usar a ERC para policiar a liberdade de expressão. Do mesmo modo, embora as declarações do ministro da Defesa — que não se sabe bem porquê entendeu pronunciar-se sobre o assunto — sejam uma matéria de opinião, com o mesmo estatuto das de Mário Machado, contêm uma análise errada do “perigo” comunicacional.

Ele acusou de piromania a estação televisiva, dizendo que procederam como “quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”. Ora mil vezes mais perigoso do que ouvir Mário Machado a dizer umas enormidades sobre Salazar é ouvir e ver uma televisão cada vez mais tablóide de manhã à noite tratar da sociedade, do crime, da corrupção, da “ordem” de uma forma que é uma verdadeira incitação antidemocrática, ao colocar a dialéctica social e política como sendo “nós”, o povo, a verdade, a voz impoluta, as vítimas, e do outro lado “eles”, os políticos, o “sistema”, o “regime”.

E aqui, quando se escava um pouco, mesmo muito pouco, percebe-se que não é sequer uma melhor democracia que se deseja, mas uma outra forma de “ordem”, directa, sem mediações, taumatúrgica, assente de facto num grupo com “coletes amarelos”, ou num homem justiceiro, impoluto, azorrague dos corruptos, seja um juiz, seja um comentador do crime, seja um manipulador de um qualquer reality show, seja um político salvífico que fale a linguagem punitiva do populismo moderno. Há vários, há vários na televisão, mas nenhum é o Mário Machado. Isso, sim, é propaganda eficaz do salazarismo.



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