quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Câmara de Lisboa assume não ter forma de evitar que exista “quem tenha um BMW e ocupe habitação municipal”



Câmara de Lisboa assume não ter forma de evitar que exista “quem tenha um BMW e ocupe habitação municipal”
Kátia Catulo
Texto
10 Janeiro, 2019

Os critérios de atribuição das casas camarárias de Lisboa são claros: baseiam-se na declaração de rendimentos de cada agregado familiar. O que não impede que muitos continuem a apontar o dedo ao que consideram a proliferação de situações dúbias na forma como o parque habitacional municipal da capital é gerido. É frequente ouvirem-se relatos de pessoas que, apesar de denotarem claros sinais exteriores de riqueza, continuam a beneficiar de acesso a habitação social da autarquia. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) garante, porém, estar fora do alcance das suas competências a fiscalização desses eventuais indícios de afluência desproporcionada em relação ao apoio reivindicado. “A Câmara não é fiscal das finanças, nem dos bens eventualmente detidos indevidamente por cidadãos da cidade. Não é essa a sua função, nomeadamente na questão da habitação”, garante Paula Marques, vereadora com esse pelouro.

A resposta da autarca surgia, no início da primeira reunião descentralizada de 2019 da vereação da capital, realizada nas instalações do Ginásio Clube de Lisboa, em Arroios, em reposta à interpelação de um munícipe sobre o assunto. “Há a questão da pobreza envergonhada e há a questão da não pobreza que não tem vergonha na cara. É muito complicado viver num bairro onde tenho pessoas que pedem apoios para pagar rendas e ajudas de custo para tudo e mais alguma coisa e, depois, têm um BMW à porta. Custa-se um bocado, faz-me um bocado de confusão”, confessou Alexandre Belo Morais, residente no Bairro de Santos ao Rego, na freguesia das Avenidas Novas – à audição de cujos moradores, juntamente com os de Arroios, se destinava a reunião.

O habitante daquela parte da cidade acha, por isso, que a Câmara de Lisboa até poderia fazer mais para mudar tal estado de coisas. “Nesse aspecto, em rigor, a fiscalização daquilo que são os apoios municipais, sobretudo na habitação, era importante”, considerou, sugerindo que tal poderia ajudar a repor o défice de equidade social por si denunciado. “Se calhar, há pessoas que têm mais do que dizem e não precisam. E, depois, há pessoas, como mães solteiras que ganham o ordenado mínimo e se inscrevem para os programas de apoio à habitação, que não têm classificação para ter um T1. É difícil. E se tiverem o T0 é em Chelas”, afirmou Alexandre Belo Morais, para logo a seguir pedir clemência a quem se pudesse vir a sentir ofendido com tal referência a este bairro da freguesia de Marvila.

Na réplica a esta questão – o munícipe interpelou a autarquia em relação a outras matérias, respondidas pelos responsáveis pelos respectivos pelouros -, a vereadora da Habitação fez questão de lhe explicar os limites estritos de actuação da CML. “Os critérios de avaliação da situação sócio-económica na atribuição da habitação atêm-se aquilo que é a declaração de rendimentos, apresentada às Finanças, de cada uma das pessoas que se candidata. É com base nesses pressupostos que é feita a avaliação da situação sócio-económica”, disse Paula Marques, referindo que as regras são as mesmas usadas em avaliações referentes a outros apoios sociais concedidos um pouco por todo o país. “Depois, o cálculo da renda também é feito em função desses rendimentos declarados”, explicou, antes de salientar que os valores da renda cobrados pelos serviços do pelouro por si tutelados variam consoante as oscilações nos rendimentos dos inquilinos do parque habitacional municipal.

A vereadora não deixou, contudo, de responder à incómoda pergunta lançada pelo munícipe. “A questão que me está a pôr é outra: se há eventuais sinais de bens que as pessoas possam ter e não estejam condizentes, supostamente, com a condição sócio-económica”, elaborou Paula Marques, para depois sublinhar o que havia dito. “A câmara atem-se aquilo que são as declarações de rendimentos, seja a minha, a sua ou a de qualquer outro cidadão que se candidata. A câmara não é fiscal das finanças, nem dos bens eventualmente detidos indevidamente por cidadãos da cidade. Não é essa a sua função”, afirmou, deixando claro que a única coisa que a CML poderá fazer passa por aferir a renda em relação às alterações e flutuações dos rendimentos de cada um. “Se aumentam, as rendas aumentam. Mas se diminuem os rendimentos, também diminui a renda”.

 A autarca deixou, por isso, bem claro que “não é competência da câmara fazer a fiscalização se alguém tem um ‘BM’ ou outros sinais”, bem como estar a averiguar da posse de qualquer bem por parte dos cidadãos. Excepção feita à propriedade de imóveis, que funciona como factor excludente do acesso à habitação municipal. “Quanto ao resto, somos rigoroso e o escrutínio é público”, afirmou.

 Nos últimos meses, a Câmara de Lisboa tem sido questionada por diversos partidos – e também por O Corvo – sobre a real dimensão do número de habitações municipais ilegalmente ocupadas, quando não pára de aumentar a pressão sobre a autarquia para a atribuição de fogos a famílias necessitadas. Em Junho passado, uma fonte do gabinete de Paula Marques garantia que estava a ser realizado um levantamento, cujos resultados seriam apresentados em breve. Os mesmos ainda não são, contudo, conhecidos. Já a 14 de Novembro, confrontado por O Corvo sobre a mesma matéria, o presidente da CML, Fernando Medina, desvalorizou o problema. “Há algumas situações de ocupação indevida, a que iremos pôr cobro, mas é um número bastante marginal do ponto de vista da sua dimensão, face ao total de casas da Câmara de Lisboa”, disse na altura.

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