Aumenta contestação ao avanço da requalificação do Martim
Moniz prevendo colocação de contentores
Sofia Cristino
Texto
28 Janeiro, 2019
Apesar da forte contestação recebida, o plano de renovação
da Praça do Martim Moniz avançou contra a vontade de todos. Inconformada, a
Associação Renovar a Mouraria promove um cordão humano, no sábado (dia 2 de
Fevereiro), no qual participarão diversas entidades locais e também membros do
executivo da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. O Movimento Morar em
Lisboa promete fazer o que for necessário para impedir o avanço da obra e, para
tal, ameaça colocar uma providência cautelar. “Como é que um concessionário se
sobrepõe à Câmara?”, questiona o Morar em Lisboa. Os vereadores do PCP anunciam
também, na tarde desta segunda-feira (28 de Janeiro), as próximas iniciativas
políticas sobre esta matéria. O projecto tem sido alvo de contestação. A
comunidade pede um espaço público para os cidadãos e não para o desenvolvimento
de interesses de exploração económica. Mas a promotora diz que “não é possível
voltar atrás”, porque “seria um incumprimento contratual”.
Na Praça Martim Moniz, ainda não se ouve o barulho das
obras, mas a instalação dos tapumes, a circundar parte do largo, confirma que a
empreitada começou. De acordo com um aviso colocado no estaleiro, os trabalhos
arrancaram no passado dia 14 de Janeiro. A Associação Renovar a Mouraria (ARM),
inconformada com o que considera o “desrespeito” pela comunidade demonstrado
pela concessionária do projecto, a Moonbrigade, vai promover um cordão humano,
junto ao largo onde já se vêem movimentações. A manifestação está agendada para
o próximo sábado (2 de Fevereiro), pelas 14h30, e a associação pede às pessoas
para levarem um desenho ou uma frase exemplificativa do seu sentimento
relativamente ao avanço da empreitada.
Os vereadores do PCP
escolheram o mesmo local para anunciarem, cinco dias antes, na tarde desta
segunda-feira (28 de Janeiro), as próximas iniciativas do políticas do partido
sobre esta matéria. “O PCP considera que a gestão do espaço público deve ser
eminentemente pública, deve responder às necessidades da população e dos seus
usuários, e não a lógicas privadas de rentabilização”, lê-se no comunicado
antecipando a tomada de posição desta segunda-feira.
Os quiosques, que até há poucos meses ocupavam o largo,
serão substituídos por contentores com áreas de restauração e comércio, mas uma
parte significativa da população manifestou oposição a tal tipologia, na sessão
pública de apresentação do projecto, realizada a 20 de Novembro, no Hotel
Mundial. A preferência vai para a criação de espaços verdes e zonas de lazer.
A ARM exige, por
isso, à Câmara Municipal de Lisboa (CML) que reveja a concessão de forma a ir
de encontro ao desejo da comunidade que ali mora e trabalha. Pedem um espaço
verde, minimizador dos danos do ruído urbano e das dinâmicas de pressão
turística que, dizem, “afectam fortemente a qualidade de vida em meio urbano”.
“Acreditamos que o projecto pode retroceder, mas, mesmo que tal recuo não
aconteça, queremos que saibam que não gostamos da forma como estão a agir”, diz
Inês Andrade, presidente da Associação Renovar a Mouraria.
Com esta manifestação, a Renovar a Mouraria quer reforçar o
sentimento de desagrado de todos, que terá aumentado quando os trabalhos se
iniciaram. Segundo um aviso das obras, colocado nos tapumes – entretanto
retirado -, a empreitada terá sido licenciada a 20 de Novembro, precisamente no
mesmo dia da apresentação pública no Hotel Mundial. A reunião foi organizada
pela Junta de Freguesia de Santa Maria Maior para recolher contributos de toda
a população, mas estes novos dados levantam dúvidas sobre a vontade dos
promotores em ouvir a comunidade, entende a ARM. “Sentimo-nos ultrajados na
forma como nos trataram, gozando completamente com a nossa cara. Queremos
demonstrar a discordância em relação ao projecto, mas também a todo o processo,
muito pouco transparente, pelos vistos”, critica Inês Andrade.
A Associação Renovar
a Mouraria já tinha apelado à Câmara Municipal de Lisboa (CML), no passado mês
de Dezembro, através de um comunicado no jornal Rosa Maria, para “cumprir o seu
papel de representação e defesa dos interesses dos munícipes, reforçando que o
desenho de arquitectura da praça tenha por linhas mestras os desejos da
população, e não as orientações comerciais do promotor”. Uma posição alinhada
com a vontade da comunidade, expressa na apresentação pública do projecto.
Nessa reunião pública, as críticas ao projecto foram unânimes: ninguém se
identificou com o plano de transformação do espaço público, de índole
essencialmente comercial. Todos pediram um espaço de uso livre, que promova o
lazer e o convívio, mais zonas verdes, e um parque infantil. Na ausência de
respostas, a ARM promete continuar a pressionar a câmara.
O Movimento Morar em
Lisboa, colectivo cívico também atento aos problemas da cidade, quer ir ainda
mais longe e avançar com uma providência cautelar contra o plano de renovação
da praça. “O vereador Manuel Salgado, que esteve presente na reunião, no Hotel
Mundial, disse que ouviu e registou a vontade das pessoas e que ia falar com a
restante vereação. No entanto, nesse mesmo dia, tinha já aprovado o
licenciamento da referida obra”, critica Leonor Duarte, do Movimento Morar em
Lisboa. A activista diz ter “preocupações sérias” sobre a falta de
transparência na gestão do processo e, por isso, esta semana, vai solicitar à
Câmara de Lisboa mais informações sobre o projecto.
Entre estas, pede o contrato de concessão de exploração dos
dez quiosques – que estiveram na praça até há pouco tempo -, os contratos de
concessão assinados para a cedência da Praça Martim Moniz a empresas privadas e
o protocolo assinado, em 2011, entre a CML e a extinta EPUL (Empresa Pública de
Urbanismo de Lisboa), para a concessão dos quiosques na Praça Martim Moniz. A
plataforma exige ainda ter todas as informações sobre eventuais incumprimentos
contratuais da empresa NCS e a disponibilização do processo de licenciamento e
do projecto de arquitectura, que estão na base das obras agora iniciadas.
“Vamos mexer-nos, até ao Supremo Tribunal de Justiça e até às últimas
instâncias, se for preciso. Como é que um concessionário se sobrepõe à Câmara?
Porque é que um fundo imobiliário está tão preocupado com meia dúzia de
cadeiras e uns contentores? Isto é tudo muito estranho”, diz.
O Movimento Morar em
Lisboa quer perceber, ainda, porque é que o projecto não foi tornado público,
onde pode ser consultado, se haverá concurso público para a exploração do
Martim Moniz e qual a fundamentação para a mudança de concessionário. “Segundo
consta, estendeu-se o contrato por mais 14 anos. Onde é que está o parecer que
fundamenta esta extensão?”, questiona Leonor Duarte. O Morar em Lisboa quer
saber ainda a razão para o projecto do ateliê José Adrião Arquitectos para
aquela praça nunca ter sido tornado público. “Qual será o futuro do projecto
contratado à José Adrião Arquitectos, pelo qual já foram pagos 90.120 euros?
Porque ainda não o conhecemos?”, questiona.
As questões, às quais
o movimento pede uma resposta urgente da Câmara de Lisboa, serão enviadas por
várias associações que integram o Movimento Morar em Lisboa, entre as quais a
Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), a Habita, a Academia Cidadã e a
Organização Transparência e Integridade. Segundo o Morar em Lisboa, a praça do
Martim Moniz deve ser, em primeiro lugar, “um espaço público para os cidadãos e
não para o desenvolvimento de interesses de exploração económica” que, como
ficou demonstrado pela contestação dos últimos meses, “não servem os interesses
e as expectativas dos lisboetas”. “A Praça do Martim Moniz, tal como todo o
espaço público, pertence à cidade e aos cidadãos e não à Câmara Municipal de
Lisboa nem a nenhum concessionário”, sublinha Leonor Duarte.
Confrontado por O
Corvo, sobre as acusações de falta de transparência do projecto, Geoffroy
Moreno explica que a coincidência do dia de licenciamento da obra e a
apresentação pública do projecto terá a haver com um lapso do empreiteiro. “É
extraordinário que esta polémica nasce de um erro do empreiteiro ao preencher a
placa na obra. Um erro que lamentamos e que foi de imediato corrigido”, diz. A
licença que permitiu iniciar as obras data de 14 de Janeiro deste ano, garante,
e “foi obtida mediante a mudança do projecto inicial que previa, por exemplo,
que a área concessionada pudesse ser fechada à noite”. “Tanto a assinatura da
adenda ao contrato de concessão de exploração da praça, como o despacho de 20
de Novembro de 2018, não permitiam dar início às obras e não esgotaram o
direito de controlo prévio da câmara. Ou seja, a licença de 20 de Novembro de
2018 não nos permitia dar início às obras e, logicamente, porque cumprimos
todas as formalidades, não o fizemos. Só o fizemos agora, depois do alvará de
14 de Janeiro e com as mudanças ao projecto consolidadas”, esclarece.
O accionista da
promotora, responsável por vários projectos urbanísticos na cidade, continua a
dizer estar “cem por cento disponível” para dialogar com as pessoas. “Acho que
a população ainda não entendeu bem em que consiste o projecto, e queremos voltar
a explicar-lhes. O diálogo traz sempre respostas positivas”, diz. Quando
questionado por O Corvo se esse diálogo se poderá traduzir em alterações do
projecto, a resposta é clara. “Não é possível voltar atrás, seria um
incumprimento contratual. Agora, estamos focados na obra, que é complexa, e
sempre disponíveis para explicar melhor às pessoas o que não entenderam”, diz.
Acrescenta, depois,
em depoimento escrito, que “este projecto é o resultado de dois anos de
negociação e de trabalho”. “Mais recentemente, ouvidas as críticas, decidimos
fazer algumas alterações no sentido de ir ao encontro destas preocupações,
apesar de termos percebido que algumas observações resultavam de desinformação
relativamente ao processo que nos trouxe aqui e também sobre o próprio
projecto. Parte dessa desinformação ainda persiste. Vamos continuar o diálogo”,
garante.
O presidente da Junta
de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho (PS), em declarações a O
Corvo, volta a manifestar-se contra o projecto. “Gostaria que não fosse para a
frente, como já afirmei, e seria hipócrita da minha parte querer que avançasse
nestes moldes”, diz. Miguel Coelho diz só não participar no cordão humano,
organizado pela Renovar a Mouraria, por se encontrar fora do país no dia da
manifestação. “As pessoas são livres de se manifestarem e acho bem que o façam,
não é só o Moreno que tem direitos na cidade. Eu estarei no estrangeiro, mas
muitos membros do meu executivo estarão lá. Enquanto cidadão, se tivesse cá,
passaria por lá”, admite.
Quando questionado sobre a coincidência das datas da licença
da obra e da apresentação pública do projecto, Miguel Coelho começa por remeter
as respostas para a mais recente edição da revista da junta de freguesia,
publicada em Dezembro. Nesta, diz que “a população deve ser auscultada e
respeitada antes de qualquer decisão definitiva ser tomada”. Após insistência
de O Corvo, acaba por criticar o processo. “Foi uma operação de cosmética”,
critica. O autarca socialista diz não querer alongar-se em comentários sobre o
assunto, mas não deixa de mostrar insatisfação. “Não estou dentro das
implicações jurídicas e não quero falar sobre os procedimentos contratuais.
Tenho de preservar a minha relação com a Câmara de Lisboa, respeito a autonomia
de cada um e não tenho de me intrometer. Foi tudo feito dentro da legalidade e
cada um tira as conclusões que quiser”, diz.
Depois da contestação
ao plano de renovação da zona central da Praça Martim Moniz, a concessionária
Moonbrigade anunciou, no passado 6 de Dezembro, algumas alterações à primeira
proposta. Geoffroy Moreno, sócio da Stone Capital, que detém uma parte desta
concessão, atribuída à empresa Moonbrigade, prometeu retirar a vedação, e
acrescentar mais áreas verdes do que as previstas inicialmente. Um dos aspectos
mais criticados, a utilização de contentores, porém, manteve-se. Apesar das
críticas, a obra, orçada em 3 milhões de euros, deverá estar concluída dentro
de cinco meses.
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