O aeroporto de Lisboa na Portela é um problema ambiental
ignorado
Numa cidade moderna, limpa e saudável, como se apregoa para
Lisboa, um aeroporto lá dentro não tem lugar. Isso deveria fazer parte da
discussão sobre o novo aeroporto.
Pedro Nunes
4 de Janeiro de 2019, 6:28
A poluição, juntamente com a mudança climática e a perda da
biodiversidade, é, ambientalmente, um dos problemas mais dramáticos que a
sociedade enfrenta. A poluição do ar em cidade, maioritariamente provinda de
motores sujos de todo o tipo de veículos, é especialmente grave, pois trata-se
de um assassino silencioso e invisível – a não existência de smog visível no ar
não é sinónimo de boa qualidade do ar –, que nos faz adoecer e nos mata lenta
ou subitamente sem nos apercebermos. Respiramos, sem dar por isso, um ar
carregado de microscópicos poluentes que penetram profundamente nos sistemas
respiratório e circulatório, lesionando o coração, cérebro e pulmões. Isto não
acontece só fora das nossas casas, mas também lá dentro, onde a poluição vinda
do exterior se infiltra. Mundialmente, um em cada nove óbitos e um em cada três
AVCs, doenças coronárias e cancros do pulmão deve-se a causas directamente
atribuíveis a poluição atmosférica. Os efeitos são equivalentes aos do
tabagismo, e cerca de 90% das pessoas respiram todos os dias este ar sujo – sem
excepção para as crianças, que é como se fumassem, portanto. Estes números são
da OMS – Organização Mundial de Saúde, que vê a poluição do ar como a maior
ameaça para a saúde humana que o mundo actualmente enfrenta. Não é coisa pouca.
Neste contexto, um aeroporto dentro de uma cidade, só agrava
o problema. É o caso bizarro do da Portela em Lisboa, o aeroporto Humberto
Delgado, ainda para mais porque se trata do maior do país, representando cerca
de 50% do número de passageiros em todos os aeroportos portugueses. A dimensão
exacta do problema infelizmente não está contabilizada – a Agência Portuguesa
do Ambiente não tem sequer estações de medição de poluentes na zona do
aeroporto de Lisboa –, mas existem estudos que apontam para níveis alarmantes
de poluição local gerada por outros aeroportos. Os níveis de óxidos de azoto
(NOx), partículas ultrafinas (PM10, as mais pequenas e gravosas, pois penetram
profundamente nos pulmões e são absorvidas pela corrente sanguínea, chegando a
todo o organismo), monóxido de carbono (CO) e compostos orgânicos voláteis
(oriundos principalmente da trasfega de combustível) em volta de aeroportos
estão fortemente correlacionados com os voos; estes poluentes têm origem não só
na actividade aeroportuária – aviões e veículos de suporte – mas também no
tráfego rodoviário com destino ou origem no aeroporto. O efeito é mais grave
nos locais a jusante do escoamento atmosférico primordial, que no caso de
Lisboa é no sentido dos quadrantes a Sul do aeroporto, i.e., a poluição é
transportada pelo vento para as zonas mais interiores da cidade (basta passar
de carro na segunda circular para amiúde sentir o cheiro a combustível de avião
que inunda os bairros em redor). Um estudo feito para Heathrow nos arredores de
Londres aponta que até cerca de 3km de distância ao aeroporto 30% do NOx no ar
provém do mesmo.
Outro exemplo, a congestão aeroportuária, traduzida pelo
tempo que os aviões estão em pista com os motores em funcionamento antes e
depois de voarem – altura em que são mais poluentes –, é responsável num raio
até 10 km de aeroportos norte-americanos por 30% das admissões hospitalares por
motivo de asma, por 18% por problemas respiratórios genéricos e por 17% por
problemas cardíacos. Estima-se que o custo destas admissões amonte a um milhão
de dólares por ano por aeroporto. No caso da Portela, o tempo médio em pista
dos aviões à saída é de 13 minutos, o valor mais alto dos aeroportos
portugueses.
Para piorar, a Portela continua a crescer fortemente em
volume de voos e passageiros, sendo que, ao contrário da mobilidade terrestre,
que se vai electrificar, nas próximas décadas os aviões continuarão a ser
poluentes e ruidosos. Os voos nos primeiros quatro meses de 2018, em relação ao
período homólogo, cresceram 11,5%, e os passageiros 6,9%, o que representa 76%
do aumento de passageiros em aeroportos portugueses. E assim a crescer se
perspectiva que continue, podendo mesmo, segundo planos da ANA, subir dos
actuais 26 milhões de passageiros por ano para 49 caso aumentem os movimentos
por hora e se alargue o horário de funcionamento de 18 horas diárias para 20.
Recorde-se que o aeroporto de Lisboa é rodeado de áreas
residenciais, e, por questões de ruído, no período das 0h00 às 6h00 só podem existir
diariamente 26 movimentos aéreos e semanalmente 91. Ou seja, a população
residente em redor do aeroporto, exposta 18 horas por dia a altos níveis de
ruído – os aviões passam inclusivamente poucos metros acima de algumas zonas
residenciais –, e que já só tem uma certa acalmia para poder descansar durante
seis horas por dia (entrecortada cerca de 91 vezes por semana), corre o risco
de ver esse período reduzido para quatro horas por dia, da 1h00 às 5h00.
Recorde-se que o ruído é também uma forma de poluição com graves efeitos na
saúde pública e bem-estar dos cidadãos. Mais uma vez, o problema infelizmente
não está estudado em Lisboa, mas estudos feitos para outros aeroportos permitem
concluir que o ruído aeroportuário causa nas populações vizinhas distúrbios no
sono, aumenta o risco de doença cardiovascular e reduz a capacidade de
aprendizagem das crianças.
Mas existem mais motivos que agravam o problema do aeroporto
Humberto Delgado, como o da contaminação dos solos e lençóis de água, ou o do
risco civil que representa, por exemplo no caso de acidente aéreo numa
aproximação à pista, pois os aviões sobrevoam perigosa e proximamente zonas
densamente edificadas e populosas. Não há dúvidas de que se o aeroporto não
existisse e estivesse a ser agora proposto e discutido, chumbaria em todos os
estudos possíveis de avaliação ambiental e segurança aeronáutica, e seria
liminarmente rejeitado. Mas, na verdade, o facto de já existir não deveria
dispensá-lo dessa avaliação, que seria mesmo vital para uma discussão informada
sobre o novo aeroporto, e em que medida este deve, ou devem, porque pode ser
mais do que um, complementar ou substituir a Portela. Se o actual aeroporto
fosse relocalizado, os seus 510 hectares de terrenos poderiam ser um pilar na
reestruturação da cidade e no seu desenvolvimento sustentável, podendo servir
para usos mais nobres, como zonas verdes, habitação a custos controlados –
contribuindo para atenuar a escassez de oferta habitacional em Lisboa e o seu
alto custo –, ou outros projectos urbanísticos de qualidade.
Foi já na década de 1960 que surgiram os primeiros estudos
que apontavam para a necessidade de se tomarem medidas que evitassem o ponto a
que o aeroporto de Lisboa chegou, sendo proposta a Ota para localização do aeroporto
substituto, mas sucessivamente o problema foi empurrado com barriga. Quando se
invocam razões para não situar o novo aeroporto no Montijo, que comprometerá a
saúde e a qualidade de vida de muita gente e terá relevantes impactos
ambientais, poderia e deveria invocar-se o mesmo tipo de argumentos para não
manter o aeroporto na Portela, complementando a discussão. Começou-se lenta e
paulatinamente, sem ninguém dar por isso ou questionar, a dar como adquirido
que a Portela é para ficar. Parece haver uma sensação de impotência, de
conformismo: o aeroporto já cá está e não há nada a fazer; ou, pior, nem se
pensa no assunto, ou, se se pensa, põe-se o comodismo de um aeroporto à mão de
semear e os interesses comerciais à frente da saúde e da segurança da população.
Numa cidade moderna, limpa e saudável, como se apregoa para Lisboa, um
aeroporto lá dentro não tem lugar. Isso deveria fazer parte da discussão sobre
o novo aeroporto.
A grande orgia global
Os líderes do mundo têm vindo a adiar as decisões urgentes e
o relógio do Apocalipse continua o seu percurso determinante.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
9 de Agosto de 2018, 6:30
O dia 1 de Julho de 2018 foi uma data histórica para o
Planeta Terra. Neste dia contaram-se 200.000 aviões simultaneamente no ar. Um
número culminante, nunca antes alcançado. O dia 6 de Agosto de 2018 foi a data
da publicação de um artigo na revista científica PNAS, da autoria de, entre
outros, Johan Rockström, director executivo do Centro de Resiliência de
Estocolmo.
Este artigo avisa-nos de que a simples ideia propagada pelo
Acordo de Paris (2015) de que estabilizar a temperatura nos dois graus acima do
período pré-industrial será suficiente para estabilizar o efeito de estufa é
irrealista e insuficiente. A situação é mais complexa, pois trata-se de uma
teia de processos e de um encadeamento de fenómenos que mutuamente se
influenciam, e que a partir de um certo limite podem transformar-se num efeito
de dominó activo, acelerador e imparável, tornando o Planeta inabitável.
Eles são conhecidos: o degelo do Pólo Norte com o perigo do
descongelamento da permafrost e a libertação do metano. A alteração da corrente
do Golfo, que já está neste momento ao nível mais baixo dos últimos 1600 anos.
O degelo na Gronelândia, etc..
A data limite para descarbonizar situa-se entre 2040-2050. A
partir daí as reacções conjuntas e irreversíveis podem iniciar-se, num cenário
capaz de ultrapassar qualquer fantasia catastrófica.
Os líderes do mundo têm vindo a adiar as mega-urgentes decisões
e o relógio do Apocalipse continua o seu percurso determinante.
Neste momento em que escrevo, encontro-me em Amesterdão e a
temperatura é de 34 graus. Não chove desde Maio, e as conhecidas paisagens
verdes foram transformadas num amarelo expectável no Verão alentejano mas
simplesmente alarmantes na Holanda. O mesmo se verifica em toda a Europa do
Norte, tendo a Suécia sido confrontada com incêndios florestais.
Simultaneamente, as cidades europeias conheceram o conhecido
e sempre crescente fluxo imparável de turismo, sustentado pelo “low cost” que
permite e possibilita deslocações em massa, intuitivas, inconscientes e
predadoras, que já transformaram as cidades europeias, antigos locais
representantes de identidade cultural, em “sítios” a serem consumidos e
devorados em banquetes de hedonismo e orgias globalizadoras.
A redução de uma cidade a uma plataforma monofuncional
reduzindo e sacrificando tudo a uma só actividade, leia-se turismo, apresenta
sintomas destruidores para o ecossistema urbano, que estão na mesma linha,
embora em escalas diferentes, dos sintomas planetários.
Qual é a pegada e o preço ambiental deste modelo de
“desenvolvimento”? Qual é a pegada e o preço ambiental do “low cost flying”?
O país foi dominado pelo caso Robles e pela queda dos seus
pedestais das “santas” Catarina e Joana, o que levou a tsunamis de opinião e de
indignação. No entanto, com Robles & Companhia ou não, com aproveitamento
político ou não destes fenómenos, os verdadeiros problemas ligados à
especulação imobiliária, ao aumento apocalíptico do preço da habitação, à
catastrófica dependência e vassalagem do Alojamento Local “à rédea solta” e ao
flagelo dos despejos, mantêm-se na sua crescente omnipresença e omnipotência
erosiva e destruidora.
E a “festa” continua imparável, no seu carácter de “festa
titânica”, contribuindo na sua mobilidade incontrolada para mais C02. Em última
análise, em absoluto desespero, nem nos precisamos de preocupar.
Este modelo de viagens ilimitadas, e de mobilidade predadora
e consumidora da autenticidade cultural e da identidade local, é ambientalmente
completamente insustentável e incomportável e na sua inconsciência criminosa. O
momento de paragem desta grande orgia global aproxima-se inevitavelmente,
momento dramático para Portugal, que irá acordar do seu torpor e ser obrigado a
reconhecer a sua dependência e os limites da aposta exclusiva num modelo
auto-destruidor e alienante.
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