Criticadas ou ignoradas, as obras no Martim Moniz arrancaram
Obras na praça arrancaram esta semana. O projecto, que
mereceu fortes críticas da população, parece estar a passar ao lado dos
comerciantes que têm os seus negócios voltados para a praça. Poucos sabem o que
será o novo Martim Moniz.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria Moreira 19 de Janeiro de 2019, 8:23
É certo que a Pastelaria Capelo é pequena, mas Carlos
Capelo, 68 anos, não tem mãos a medir para tirar todos os cafés que os clientes
lhe pedem no fim de almoço. Está ali há 25 anos e já viu o Martim Moniz mudar
várias vezes de cara. Desta vez, ainda não sabe bem o que vai acontecer.
“Não conheço bem o
projecto, mas a nós não faz diferença”, começa por dizer, ainda que a intenção
de requalificação da praça seja criar uma zona de restauração que Carlos espera
que não se torne concorrência.
Entre os comerciantes do Martim Moniz, poucos sabem o que
vai acontecer à praça. Os tapumes de obra foram recentemente colocados, o que
indica que o projecto que prevê para aquele espaço a instalação de contentores
— que substituirão os quiosques que até há uns meses preenchiam a praça —,
criando áreas de restauração e comércio, estão mesmo a avançar, mesmo depois de
ter estado debaixo de críticas de munícipes e de todos os partidos do
executivo, à excepção do PS.
Geoffroy Moreno, accionista da Moonbrigade Lda., empresa que
ficou com a concessão da praça, confirmou o início dos trabalhos e a data
prevista para a abertura do novo mercado: Junho de 2019. Em Dezembro, depois de
conhecido o primeiro projecto e de terem chovido críticas, Moreno anunciou
algumas alterações e disse logo que as obras se iniciariam no princípio do ano.
Ainda assim, Carlos espera que seja para melhorar a praça.
“Se os contentores forem bonitos pode ficar bonito”, diz.
Teresa Romão, que trabalha nos armazéns Apolo, abertos no
Martim Moniz há mais de duas décadas, diz só ter sabido do projecto pelos
jornais. “O quê, contentores no meio da cidade? Nem pensar”, critica. Roxana
Morshed, que também ali trabalha, diz que só reparou que a praça estaria para
mudar quando viram os comerciantes dos quiosques a arrumar as coisas para se
irem embora.
Maria Eugénia, que trabalha nas Galerias Mundial, não sabe
de nada. Esta seria a resposta mais ouvida nos diversos estabelecimentos em que
o PÚBLICO entrou. Ou não conhecem o projecto, ou sabem muito pouco sobre ele.
Ainda assim, quem tem uma opinião está contra os contentores: “Não gostei. Acho
que descaracteriza muito uma área que tem um contexto clássico”, diz Michel, 31
anos, que trabalha numa loja de artigos de cortiça junto à praça.
Junta e oposição lamentam avanço do projecto
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que
desde a apresentação pública do projecto se tem manifestado contra ele, não
quis fazer comentários sobre o assunto e remeteu para a mais recente edição da
revista da junta, publicada em Dezembro. No editorial, Miguel Coelho defendia
que “a população deve ser auscultada e respeitada antes de qualquer decisão
definitiva ser tomada” e criticava novamente os contentores. “É mais uma
solução confusa, ruidosa e “stressante” que continua o bulício da cidade e da
sua zona histórica, quando o que se impunha era um corte, no sentido de tornar
o Martim Moniz uma antecâmara agradável para diversas zonas habitacionais.
Lamentamos a persistência no projecto, apesar das cosméticas feitas pelo
promotor e anunciadas recentemente.”
A posição de Miguel Coelho contrasta com a de Fernando
Medina, que dizendo abertamente que o projecto “não é o melhor” e “não é o
ideal” para a praça, também afirmou que ele “é bem melhor do que aquilo que lá
está hoje”.
O PÚBLICO questionou a autarquia esta sexta-feira sobre o
início das obras, tendo fonte do município afirmado que os trabalhos agora
iniciados terão em conta as “alterações introduzidas na sequência do debate
público e das reuniões entre os moradores e o concessionário promotor”. Que
implicam, por exemplo, que “não exista vedação, que haja mais mobiliário urbano
e ainda que o revestimento com elementos vegetais” nos contentores seja
reforçado.
Segundo aviso de obras colocado nos tapumes que rodeiam
agora a praça, a empreitada foi licenciada a 20 de Novembro, no mesmo dia da
apresentação pública no Hotel Mundial, que pretendia recolher contributos da
população. E o alvará de obras de urbanização foi emitido a 14 de Janeiro, diz
a autarquia.
Na câmara, quase todos os partidos criticaram os contentores
e PSD e PCP propuseram mesmo a realização de um concurso internacional de
ideias para decidir o que fazer da praça. João Pedro Costa, vereador
social-democrata, lamenta que a proposta do partido ainda não tenha sido
agendada para discussão. “O bom senso e o pudor aconselhariam a que se
aguardasse pela votação da proposta antes de se começar as obras”, critica,
deixando uma pergunta a Medina: “O que é que tenciona fazer se a proposta do
PSD for aprovada?”
Para os sociais-democratas, esta “é uma má decisão” e “deve
ser a câmara a assumir o desenho da cidade e não o concessionário”. Igual
posição manifesta Ana Jara, vereadora do PCP, que diz ter “enormes reservas em
relação ao que a câmara de Lisboa está a propor para a cidade”. A vereadora
sublinha ainda o facto de o projecto está a ser levado a cabo “à revelia da
população e da do restante executivo”. Sobretudo o facto de o projecto de
requalificação ter sido licenciado no mesmo dia da sua apresentação pública.
“Aquela participação
foi fictícia e fora de prazo”, acusa. “Há aqui uma maneira de fazer cidade que
nos levanta as maiores dúvidas, em que os privados decidem sobre um espaço que
é público”, nota Ana Jara.
Já João Gonçalves Pereira, do CDS, diz não estar
surpreendido. “Medina não tem em conta a opinião das forças políticas e dos
lisboetas. É uma marca negativa de ‘quero, posso e mando’”, censura.
Do lado do Bloco de Esquerda — que tem um acordo com o PS
para a gestão da cidade —, o vereador Manuel Grilo lamenta que o projecto do
novo investidor do actual concessionário “vá para a frente contra a vontade da
população”. Numa declaração escrita enviado ao PÚBLICO, o vereador refere que,
em Novembro, na sessão pública no Hotel Mundial, a população foi “clara quando
se fez ouvir” ao defender que “não quer uma solução de contentores
estilizados”. “Quer uma solução aberta e que não obrigue à concessão de toda
uma praça a privados. Lisboa e neste caso, o Martim Moniz, merece um urbanismo
participado”, defende Manuel Grilo.
Michel admite preferir outros projectos de cidadãos que
foram sendo divulgados e dão outro rosto à praça. Quanto aos contentores, não
os quer ali. “Por que é que não se faz isso junto ao Tejo?”, sugere.
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