Os ladrões fizeram o seu trabalho na Caixa, os polícias não
Pedro Sousa Carvalho
O Banco de Portugal investiga gestão da CGD da qual fez
parte o seu governador. É ridículo. CMVM está a fazer um "acompanhamento
cuidadoso” de uma auditoria que não teve acesso. Ridículo ao quadrado.
Sherlock Holmes e o Watson foram acampar. A meio da noite,
Sherlock Holmes acorda e diz:
– Olha para cima e diz-me o que vês.
Watson responde, num tom muito filosófico:
– Bem, vejo estrelas, planetas, imagino outras galáxias, a
grandeza do Universo onde estamos…
Sherlock Holmes diz:
– Não estúpido! Roubaram-nos a tenda…
A inteligência e a perspicácia de Watson é mais ou menos
equivalente àquilo que se passa com os reguladores e supervisores financeiros
em Portugal. Estão sempre a olhar para as estrelas e para galáxias distantes,
enquanto o BPN, BPP, o BES, o Banif e a Caixa Geral de Depósitos são
assaltados. A auditoria da EY à Caixa, conhecida na semana passada (obrigado
Joana Amaral Dias), é a prova de que os ladrões fizeram um bom trabalho na
Caixa e que os polícias (CMVM, Banco de Portugal e PGR) fizeram e fazem mal o
seu papel.
Antes de ir aos polícias, convém falar dos ladrões. É
importante dizer que a auditoria da EY à gestão da CGD, por razões políticas e
para agradar à esquerda e à direita, abrange um período longo, de 2000 a 2015.
O que é injusto porque põe no mesmo saco todos os que por lá passaram: Armando
Vara, Santos Ferreira, Carlos Costa, Faria de Oliveira, José de Matos, etc…. Um
saco de porrada para que a opinião pública descarregue as frustrações depois
dos 5 mil milhões de euros que tivemos de injetar no banco público para tapar
os buracos dos desmandos e das tropelias financeiras que foram feitas no
passado.
José de Matos, por exemplo, foi talvez um dos melhores
presidentes da Caixa. Além de carregar o banco público às costas durante a crise,
teve de limpar as imparidades que os outros fizeram e, segundo se percebe pela
manchete do Expresso, foi durante a sua gestão (2013) que a Caixa, no âmbito da
lei de prevenção de branqueamento de capitais, comunicou ao Ministério Público
transações suspeitas na conta de José Sócrates e dos seus familiares e que
serviram de embrião àquilo que viria a ser conhecida como Operação Marquês,
cuja fase de instrução arranca esta segunda-feira.
O Governo socialista não renovou o mandato de José de Matos.
Depois de terminar o mandato, e após ter estado seis meses, como o próprio
escreveu, em “situação precária” e com um plano de recapitalização por aprovar,
saiu do banco público tal como entrou: low-profile. É o que acontece em
Portugal às pessoas competentes.
Agora vamos passar de pessoas competentes para pessoas não
tão competentes, ou seja, reguladores e supervisores.
A auditoria da EY relatou-nos práticas de gestão e de
contabilidade duvidosas na Caixa que a Deloitte, auditora do banco entre 2002 e
2016, não terá detetado. A CMVM, que desde 2006 supervisiona o trabalho das
auditoras, foi confrontada com este facto e a resposta da presidente Gabriela
Figueiredo Dias foi a seguinte: “a CMVM não teve acesso ao relatório, não pediu
para ter e não tinha que pedir”, mas isso “não significa que não possamos vir a
fazê-lo”. Acrescentando que o regulador está a fazer um “acompanhamento atento
e cuidadoso”.
Isto é que é um mistério digno de Sherlock Holmes: primeiro,
não se percebe porque é que a CMVM não pede a auditoria da EY, sobretudo
conhecendo a gravidade do conteúdo. O caricato é tentar perceber como é que a
CMVM está a a fazer um “acompanhamento atento e cuidadoso” de uma auditoria a
que não teve acesso e pelos vistos não quer ter? Telefona a Joana Amaral Dias
para se inteirar dos factos? Sintoniza a CMTV? Vai lendo nos jornais a versão
preliminar?
Gabriela Figueiredo Dias pode sempre contar com Carlos
Costa; governador do Banco de Portugal, para garantir que não fica sozinha na
galeria dos reguladores ridículos de Portugal. Mário Centeno (que tem contas a
ajustar com Carlos Costa) veio dizer esta semana no Parlamento que a CGD terá
solicitado ao Banco de Portugal para que este requeresse uma auditoria à CGD e
que o regulador terá respondido que tal “exorbitaria as suas atribuições e
competências”.
Como recordou, e bem, o Diário de Notícias, no Regime Geral
das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras é referido expressamente
que no desempenho das suas funções de supervisão, o Banco de Portugal “pode
exigir a realização de auditorias especiais por entidade independente, por si
designada, a expensas da instituição auditada”. Então porque é que o Governador
não pediu a dita auditoria e teve de ser a CGD a pedi-la à EY?
Carlos Costa é um governador com currículo. Foi ele quem,
enquanto diretor-geral do BCP deu parecer favorável à renovação dos créditos
das offshores. Era ele quem tinha o pelouro internacional quando a Caixa
esturricou milhões na aventura de Espanha. Carlos Costa também fez parte da
administração de Santos Ferreira e Armando Vara da Caixa, a pior que passou
pelo banco público. E é ele, agora como governador do Banco de Portugal, que
está a investigar o que se passou na altura. Faz sentido. Se há alguém capaz de
perceber se houve gestão danosa na Caixa é alguém que lá esteve. “Elementar,
meu caro Watson”.
Uma sensação estranha
Da Justiça, vem uma ideia de favoritismo e parcialidade. É
inegável a imagem de vulnerabilidade da Justiça, que se traduz em fraqueza dos
cidadãos.
António Barreto
27 de Janeiro de 2019, 7:22
É indelével a sensação de que algo na Justiça não está a
correr bem e de que se preparam grandes acções. Ou reviravoltas. Não se esconde
a ideia de que a Justiça pode ser fonte de surpresas a breve prazo. É uma
questão inescapável: estará em curso um movimento de revisão dos grandes
processos pendentes?
É uma hipótese com fundamento: será que nos devemos preparar
para más notícias no domínio dos casos em que são visados os poderosos? Nos
últimos meses, houve mudanças muito importantes no universo da Justiça,
designadamente nos tribunais superiores e em alguns departamentos vocacionados
para estes processos. Tem havido substituições, algumas aparentemente de
rotina, na Procuradoria-Geral da República, no Conselho Superior de
Magistratura, no Conselho Superior de Magistratura do Ministério Público e no
Supremo Tribunal de Justiça. O que também se verifica entre os dirigentes das
polícias de investigação.
Coincidindo com estas mudanças, há sinais inquietantes: o
número de arguidos diminui; o número de acusações decresce; há arguidos que
deixam de o ser; há penas que são reduzidas; por alegada falta de consistência
de provas indícios, caem acusações. Devagar, como quem não quer a coisa, algo
se passa.
Ora, estão em curso processos de extrema gravidade e de
excepcional importância. Está em causa a honra de dezenas de figuras notáveis.
Dezenas de políticos, incluindo primeiro-ministro, ministros, secretários de
Estado, deputados e autarcas de vários partidos estão profundamente envolvidos.
Muitos dirigentes económicos e financeiros, talvez alguns dos mais poderosos
banqueiros portugueses, além de bancários, empresários e gestores também se
encontram visados. Contam-se ainda dirigentes de algumas das mais importantes
empresas portuguesas públicas e privadas, sendo que umas tantas foram objecto
de destruição deliberada e roubo. A este elenco, acrescentam-se militares e
polícias de todas as patentes, assim como dirigentes dos mais poderosos clubes
de futebol. Nunca nada de parecido se viu na história.
Movimentos quase imperceptíveis, aparentemente de pouca
importância, alteram os comportamentos dos Conselhos Superiores, do Ministério
Público, dos Tribunais, das associações de magistrados e outros profissionais
da Justiça. Uma nomeação aqui e outra ali. Uma substituição sem motivo evidente
e outra em resultado de ciclos e de escalas. Processos que se atrasam sem
razão, outros que aceleram de modo imprevisível. Há uma espécie de erosão nas
acusações, nas suspeitas e nas pronúncias. No universo da corrupção, do
peculato, do favoritismo, do branqueamento de capitais, da prevaricação, do
segredo de justiça, da fuga de informação, da legislação feita por encomenda e
dos contratos entre o público e o privado, os processos são objecto de atraso,
de esquecimento, de dificuldades imprevistas, de investigação alegadamente mal
feita, de acusação não fundamentada, de gravações desaparecidas e de escutas
mandadas destruir. Que se passa? Má investigação? Má acusação? Má instrução?
Vingança pessoal? Envolvimento partidário? Mudança de sentido político no seio
do Ministério Público? Tentativa de recuperação por parte dos principais
arguidos da política, da banca e dos negócios? Que se passou na destruição de
provas e de escutas? A política de “bica aberta” relativamente às provas e às
escutas tem explicação? A publicação, a ocultação e a destruição de escutas
continuam a ser suspeitas.
A recente polémica a propósito da tentativa frustrada de
alteração da composição do Conselho Superior da Magistratura do Ministério
Público teve o efeito de revelar o jogo de tensões e pressões no interior e à
volta dos grandes corpos de profissionais da Justiça. Quase coincidindo, no
tempo, com esta discussão, a substituição da procuradora-geral da República, a
mudança do juiz de instrução do caso da Operação Marquês e alegadas anomalias
na distribuição de processos confirmaram a existência de sérios confrontos
institucionais.
Nos processos dos políticos e do dinheiro, a justiça tem dificuldade
em resolver.
Há quem atrase e deixe prescrever. Ou oculte evidência e
provas. Da Justiça, vem uma ideia de favoritismo e parcialidade. É inegável a
imagem de vulnerabilidade da Justiça, que se traduz em fraqueza dos cidadãos.
Ora, o que acontece é simultâneo com alguns progressos.
A Justiça melhora os seus meios, progride na sua
administração quotidiana e na profissionalização, mas parece estancar diante
das rivalidades entre os seus corpos mais importantes, magistrados,
procuradores, oficiais, advogados e polícias.
A Justiça moderniza-se, aumenta a eficácia, diminui as
pendências, aumenta a produtividade e recorre a especialistas, mas parece
estancar diante dos processos que envolvem governantes, políticos, poderosos
das finanças e das empresas e altos funcionários da Administração Pública.
A Justiça afirma gradualmente a sua independência, mas
constrói uma autogestão orgulhosa que intimida e paralisa o legislador e que a
afasta do povo soberano e das fontes de legitimidade democrática.
A Justiça reclama a sua isenção, mas mostra-se vulnerável às
pressões e lutas em que intervém interesses secretos e discretos, religiosos e
laicos, económicos e financeiros, partidários e corporativos.
A Justiça proclama a sua distância aos interesses do dia, às
lutas de corpos e de classes, aos grupos e associações, mas organiza sindicatos
e similares, ameaça e leva a cabo greves e reivindicações tanto profissionais
como políticas.
A Justiça exige garantias e condições de investigação e
julgamento, defende o recato e protege as suas prerrogativas de trabalho, mas
aceita ou estimula o mais fétido clima de fugas de informação e de falhas
deliberadas de segredo de justiça.
A Justiça invoca um alto espírito de respeito pelo Direito,
pela Lei e pelo Processo, no que tem seguramente razão, mas utiliza métodos
duvidosos e privilegia as escutas que valida ou elimina com intenções
estranhas.
A Justiça portuguesa teve dificuldade em adaptar-se à
democracia, aos tempos modernos, à Europa, aos Tribunais europeus, ao digital,
ao capitalismo e à sociedade de informação.
A Justiça tem como missão dirimir conflitos e defender as
liberdades e os direitos humanos. E escorar a democracia. Esta, sem justiça,
fica entregue aos clãs e às tribos.
Ministério Público pede caução para Vara, mas juiz recusa
ECO
8:31
O Ministério Público teme que o antigo governante dissipe os
seus bens e pediu uma caução de meio milhão de euros, mas Ivo Rosa recusou-a. A
fase de instrução arranca esta segunda-feira.
O Ministério Público pediu uma caução de meio milhão de
euros para o antigo ministro socialista, Armando Vara, por temer que o antigo
governante dissipe os seus bens. O jornal Público escreve que, no entanto, o
juiz de instrução criminal, Ivo Rosa, não decretou a medida por entender que
esta não se justifica. Entretanto, eliminou ainda uma caução anterior no valor
de 300 mil euros, que impendia sobre este arguido.
O antigo governante está atualmente a cumprir uma pena de
cinco anos na cadeia de Évora, na sequência do processo Face Oculta. Responde
agora pelos crimes de corrupção passiva, fraude fiscal qualificada e lavagem de
dinheiro.
A fase de instrução da Operação Marquês, em que o antigo
primeiro-ministro, José Sócrates, é um dos 28 arguidos, arranca esta segunda-feira
em Lisboa.
A maioria dos 19 acusados dedica uma parte significativa da
argumentação a atacar as provas recolhidas durante a investigação e pede que
sejam consideradas inválidas. José Sócrates é dos arguidos a exigir o
encerramento do processo, sustentando que “não cometeu qualquer crime”.
Cabe agora ao juiz de instrução, Ivo Rosa, titular do
processo nesta fase, determinar se a entrada em vigor do novo mapa judiciário
obrigava à redistribuição do processo, que estava nas mãos do juiz Carlos Alexandre
desde 2013, quando ainda apenas havia este magistrado no TCIC.
Esta segunda-feira, a primeira arguida a falar é Bárbara
Vara, filha de Armando Vara, que está acusada de branqueamento de capitais.
Esta fase de instrução contará com audiências nos três últimos dias de cada
mês.
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