sábado, 5 de janeiro de 2019

A Polémica : Mário Machado,Manuel Luís Goucha e Bruno Caetano / VIDEO: Manuel Luís Goucha responde a ataque nas redes sociais




Manuel Luís Goucha: “Não branqueio ditaduras nem ditadores, mas o politicamente correcto é perigoso”
O apresentador do programa Você na TV revela que não decidiu a presença de Mário Machado. Quem o fez foi o autor da rubrica. Goucha defende, no entanto, que esta é "uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia".

INÊS CHAÍÇA 4 de Janeiro de 2019, 9:47

Mário Machado, condenado várias vezes por crimes de ódio racial, foi o convidado do programa Você na TV desta quinta-feira. "Precisamos de um novo Salazar?" foi o tema da rubrica Diga de Sua (In)Justiça, com entrevista conduzida por Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes.

A presença do líder da Nova Ordem Social, que já motivou várias queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), não foi discutida internamente, revela Manuel Luís Goucha em conversa com o PÚBLICO, mas, tal como frisou no início do programa, acha importante que os programas televisivos debatam ideias que possam ser polémicas: "É uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia".

Foi o Manuel Luís Goucha quem escolheu Mário Machado para o programa?
A minha primeira pergunta no programa de ontem foi dirigida ao autor da rubrica: “Bruno Caetano, eu cheguei no dia 26 e soube que íamos ter este convidado, porque é que o convidaste?” Ele explicou e a partir daqui fizemos uma conversa com o Mário Machado procurando, eu e a Maria [Cerqueira Gomes], fazer sempre o contraditório. Se não havia aqui um elemento que contradissesse as suas convicções assumimos esse papel. E fizemo-lo de forma muito clara. Nem a Maria nem eu nos revemos nas ideias do convidado. Mas as ideias, por muito perigosas que sejam, devem ser debatidas e contrariadas com outras ideias que nos parecem justas e que a própria História e práticas democráticas nos provaram que são justas.

Quem viu a conversa teve uma opinião. Da parte da tarde, as coisas inflamaram-se, mas eu sei que a maior parte não ouviu a conversa. É a manipulação, muito vinculada pelas redes sociais. Nem eu nem a Maria convidámos Mário Machado, mas a partir do momento em que ele é nosso convidado temos uma conversa e vamos enfrentar os argumentos.

Como encara a polémica?
A discussão que se gerou foi sobretudo centrada nas redes sociais e é óbvio que a maior parte das pessoas não foi ver a conversa. Porque se fosse percebia que tanto a Maria como eu fomos muito firmes a contestar os pontos de vista. Fizemos aquilo que depois foi feito na TVI24, com um membro da SOS Racismo. Devia ter sido convidado? As ideias de Bolsonaro vingaram sem um debate televisivo. Eu sou da opinião que não devemos ter medo dos debates televisivos, pelo contrário. É uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias. Chama-se a isso viver em democracia. Se não, através das redes sociais, estas ideias podem colher frutos como colheram.

Actualmente onde está o perigo? Na televisão ou nas redes sociais? Não se acabe com as redes sociais, mas não deixem que manipulem. A minha função como entrevistador é falar com todos, desmontando argumentos com dados. Não se fala de Salazar sem se falar de censura, de liberdades restringidas, do Tarrafal, do exílio, da deportação ou da PIDE.

Não estando de acordo com as opiniões do entrevistado, não achou que seria uma espécie de branqueamento trazê-lo ao programa?
Nem eu nem a Maria branqueámos a conversa. É preciso ser contundentes na defesa dos valores da liberdade. Eu não quero ditadores no meu país, sejam de direita ou de esquerda. Uns e outros, em nome de ideologias, restringem a liberdade de pensamento e anulam a individualidade em nome de um colectivo.

A questão de o trazer foi debatida internamente?
A decisão foi exclusivamente do autor da rubrica. Nós viemos de férias de Natal e a rubrica já estava agendada e feito o convite.

Não, porque às 13h os comentários eram elogiosos, apesar de não estarem de acordo com a presença de Mário Machado. Isto [a polémica] dura dois dias… Os títulos são enganosos na maior parte das vezes. A opinião pública é manipulada pelos títulos. Quantas vezes já conversei com homens de direita e as minhas opções e convicções sempre foram muito firmes. Delas não cedo, a não ser que me provem que estão erradas. Não branqueio ditaduras nem ditadores, nem de direita nem de esquerda, mas a ideologia do politicamente correcto é perigosa — a não ser que viole a Constituição. Eu expliquei que o racismo e a xenofobia eram inconstitucionais.

Foi o próprio Manuel Luís que pôs a sondagem, onde se perguntava se precisamos de um novo Salazar, no seu Facebook?
Fui eu que pedi uma sondagem com aquela pergunta, como peço se é a favor da corrida de touros. A maioria, como eu estava à espera, disse que não queria um ditador. Qual é o problema? É bom recordar que num programa recente da RTP, os telespectadores elegeram a figura de Salazar como o maior português de sempre. Concordei? Claro que não. Mas é uma figura que faz parte da nossa História, uma figura incontornável do século XX. É bom que se fale dela com tudo aquilo que ela implica. Até para não voltarmos a ter outros Salazares.

Bruno Caetano diz-se ameaçado de morte por ter convidado Mário Machado

O autor da rubrica Diga de Sua (In)Justiça, Bruno Caetano, que convidou o líder da Nova Ordem Social, Mário Machado, condenado por crimes de ódio racial, para o programa de Manuel Luís Goucha, defende-se dos ataques que lhe estão a ser feitos.

Paula Sá
04 Janeiro 2019 — 16:09

No Facebook, Bruno Caetano assume que convidou Mário Machado para o programa "Você na TV", da TVI, da passada quinta-feira. Perante a polémica gerada em torno da entrevista feita por Manuel Luís Goucha ao líder da Nova Ordem Social, o autor da rubrica Diga de Sua (In)Justiça diz que nada justifica as ameaças de morte e as ofensas que estão as ser feitas a si e à sua família.

"Para que fique bem esclarecido, quando convidei o cidadão Mário Machado ficou sempre evidente que se tratava pura e simplesmente de uma entrevista que falava das convicções deste acerca de Salazar. Mário Machado criou um movimento que se chama Nova Ordem Social e vão em breve realizar uma manifestação onde dizem que vão celebrar Salazar. Tema que me levantou muitas dúvidas". escreve Bruno Caetano.

Defende ainda que "vivemos num estado democrata e todos temos opinião. Se concordamos uns com os outros, isso já é outro assunto". Sobre o que disse e que causou forte celeuma defende-se: "Disse que fazia falta mais autoridade, sim verdade! Provavelmente exagerei quando disse que seria a autoridade do Salazar. A verdade é que estou cansado de tanto crime. Fui mal interpretado. Ainda assim nada vos dá o direito de me ameaçar de morte ou mesmo ofender a minha pessoa e a minha família".

Bruno Caetano - cuja ausência de carteira profissional de jornalista já mereceu uma queixa por parte do sindicato da classe profissional - ainda que Mário Machado foi entrevistado por Manuel Luís Goucha e a maneira como o apresentador debateu "é um dos exemplos como se deve lidar com este tipo de temas. Debatendo!"

Manuel Luís Goucha já tinha garantido em entrevista ao jornal Público que não foi ele quem convidou Mário Machado, líder da Nova Ordem Social várias vezes condenado por crimes de ódio racial, para o seu programa Você na TV!, da TV, com o tema "Precisamos de um novo Salazar?".

O programa causou uma enorme polémica nas redes sociais motivando inclusive várias queixas para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Goucha justificou que foi o autor da rubrica "Diga de Sua (In)Justiça" que convidou Mário Machado. "A minha primeira pergunta no programa de ontem foi dirigida ao autor da rubrica: 'Bruno Caetano, eu cheguei no dia 26 e soube que íamos ter este convidado, porque é que o convidaste?' Ele explicou e a partir daqui fizemos uma conversa com o Mário Machado procurando, eu e a Maria Cerqueira Gomes [coapresentadora], fazer sempre o contraditório", explicou.


O convite da TVI a Mário Machado está a provocar um incêndio político
O incómodo com os programas da estação televisiva, que tinham como um dos protagonistas o rosto da extrema-direita em Portugal, já chegou a membros do Governo.

MARIA JOÃO LOPES e SEBASTIÃO ALMEIDA 5 de Janeiro de 2019, 0:01

Sérgio Figueiredo e Manuel Luís Goucha estiveram no espaço de debate de José Eduardo Moniz, Deus e o Diabo, nesta sexta-feira

É certo que foi uma declaração escrita no Twitter, mas foi pela mão do ministro da Defesa. Sem fugir à polémica, João Gomes Cravinho defendeu nesta sexta-feira que o convite da TVI para que o principal rosto da extrema-direita portuguesa, Mário Machado, participasse em programas na estação de Queluz “não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”.

Na publicação, o ministro partilhava a crónica de Rui Tavares no PÚBLICO e acrescentava: “Importante e certeiro texto do Rui Tavares. Vivemos tempos complexos, e é preciso ter a noção que uma atitude destas por parte da estação em causa não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas.” Entre outras considerações, Rui Tavares lamentava que a TVI, “no desespero da concorrência por audiências”, tivesse levado “a estúdio um reiterado criminoso racista para lhe perguntar se ‘precisamos de um novo Salazar’”.

Nesta sexta-feira à noite, Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI e Manuel Luís Goucha, apresentador do programa Você Na TV, estiveram no espaço de debate de José Eduardo Moniz, Deus e o Diabo, onde tentaram justificar o convite ao dirigente de extrema-direita.

O director de informação afirmou que o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, “não tem moral para atirar a primeira pedra e para associar o convite a Mário Machado à guerra das audiências”. Sérgio Figueiredo disse que vinha a público esclarecer o facto de o ministro integrar o Governo que “recusou pedir à Web Summit que retirasse o convite a Marine Le Pen”, deixando no ar a questão sobre se a líder da extrema-direita francesa “não cabe também ela na categoria dos incendiários”.

Ainda no seguimento das declarações do ministro, o director de informação da TVI ripostou, indagando, “com a mesma suspeição”, se “o dinheiro da Web Summit traz a Portugal o suficiente para apagar estas labaredas”.

Quanto à queixa que o Sindicato dos Jornalistas enviou à Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), o responsável pela informação da TVI mostrou-se indignado, acusando os dirigentes do sindicato de serem “falsos moralistas”. “Em vez de separarem águas, confundem as pessoas”, criticou.

TVI responde a acusações com “pluralismo” e “liberdade de expressão”
Sérgio Figueiredo voltou a sublinhar, à semelhança do que havia feito no comunicado emitido pela estação, durante a tarde, que “a TVI defende a democracia acima de tudo”, dando como exemplo as várias reportagens produzidas “que pretendem defender o cidadão comum e colocam o dedo na ferida”. O responsável pela informação da TVI não deixou de expressar que a estação considera que a ideologia de Mário Machado defende “é repugnante e um perigo para a sociedade”.

Manuel Luís Goucha deteve-se na questão do convite ao líder da Nova Ordem Social para o programa que co-apresenta com Maria Cerqueira Gomes. O apresentador justificou que o autor da rubrica Diga de Sua (In) Justiça foi o responsável pelo convite, embora Goucha tenha sabido dele com dias de antecedência e decidido que não se furtaria a “uma conversa certamente difícil” na qual assumiu sempre o “contraditório”.

O apresentador da TVI mostrou-se de consciência tranquila, dizendo que, “perante informações perigosas” como as transmitidas por Mário Machado, fez o trabalho de “desmontar esses argumentos”. Terminou reiterando que não se inibirá de entrar num debate, mesmo que existam ideias perigosas veiculadas por alguém.

O apresentador do programa da manhã da TVI disse ainda que as “ideias perigosas têm de ser combatidas com valores justos” e que essas ideias circulam hoje, sobretudo, através das redes sociais.

Sérgio Figueiredo disparou outros argumentos noutras direcções: questionou a razão de não se ilegalizar a associação a que Mário Machado pertence e de se permitir ao Partido Nacional Renovador, um partido de extrema-direita, de concorrer a eleições. “Nós aprendemos com as nossas experiências. Não venham bater no mensageiro”, concluiu.

Ex-líder da Frente Nacional e actual líder da Nova Ordem Social, Mário Machado já esteve preso pela prática de inúmeros crimes, vários relacionados com questões raciais. Um deles estará inscrito na memória de muitos: o assassinato de Alcindo Monteiro, espancado até à morte por um grupo de skinheads, no Bairro Alto.

Quanto aos programas em que Mário Machado esteve presente, são dois: Você na TV, com Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes, que incluiu uma rubrica na qual se perguntava se “precisamos de um novo Salazar; e SOS 24, na TVI24. Mas é sobretudo o primeiro que está a causar polémica.

Manuel Luís Goucha: “Não branqueio ditaduras nem ditadores, mas o politicamente correcto é perigoso”
A participação televisiva do líder da Nova Ordem Social motivou várias queixas à ERC, embora o regulador não adiante, nesta fase, quantas. O SOS Racismo também acusou a TVI de branquear o passado de Mário Machado e de legitimar política e socialmente o racismo e a extrema-direita.

E o Sindicato dos Jornalistas (SJ), além da queixa à ERC, prometeu denunciar a situação junto da Assembleia da República, apelando aos deputados para que se pronunciem sobre o caso, considerando estar em causa a democracia e a credibilidade dos jornalistas.

“O Sindicato dos Jornalistas considera inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema-direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes de violência, sequestro, posse de arma e discriminação racial, entre os quais a participação no homicídio de um jovem, em 1995", lê-se no comunicado do SJ, no qual se acrescenta que será também pedido “à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que avalie eventuais procedimentos disciplinares e esclareça a TVI sobre a indevida utilização da palavra ‘repórter’”.

O SJ critica o facto de os programas terem dado “voz a um racista explícito e um salazarista assumido, que defende o regresso de Portugal à ditadura e a quem foi dada a oportunidade de se dedicar ao branqueamento histórico, em sinal aberto e para um grande público”.

O PCP também se pronunciou e já pediu à comissão parlamentar de Cultura uma audição urgente com o conselho regulador da ERC para analisar a questão da “apologia do fascismo, do racismo e de práticas criminosas que lhe estão associadas através da comunicação social, bem como a resposta a dar pelas instituições democráticas a esses fenómenos”.

No requerimento enviado a Edite Estrela, presidente da comissão, a deputada Diana Ferreira realça que “não é a primeira vez” que acontecem situações como esta nas televisões portuguesas, mas depois não são conhecidos o desfecho e as consequências das queixas à entidade reguladora, “gerando a convicção da total impunidade da promoção por via televisiva da prática de actos que constituem ilícitos criminais”. A deputada comunista argumenta que o Parlamento não pode ficar “indiferente” a estes “atentados aos valores democráticos e humanistas” e considera que a ERC “assume também particulares responsabilidades nesta matéria”.

Manuel Luís Goucha, apresentador do programa Você na TV, sublinhou em declarações ao PÚBLICO que não decidiu a presença de Mário Machado, que não se revê naquelas ideias, mas vincou que esta é "uma oportunidade de ouro para confrontar argumentos e ideias". "Chama-se a isso viver em democracia", afirmou.

Questionado sobre se pôs, no Facebook, o inquérito no qual se perguntava se precisamos de um novo Salazar, Manuel Luís Goucha explicou: “Fui eu que pedi uma sondagem com aquela pergunta, como peço se é a favor da corrida de touros. A maioria, como eu estava à espera, disse que não queria um ditador. Qual é o problema? É bom recordar que num programa recente da RTP, os telespectadores elegeram a figura de Salazar como o maior português de sempre. Concordei? Claro que não. Mas é uma figura que faz parte da nossa História, uma figura incontornável do século XX. É bom que se fale dela com tudo aquilo que ela implica. Até para não voltarmos a ter outros Salazares.” com Liliana Borges, Inês Chaíça e Maria Lopes

A liberdade de expressão é uma coisa muito incómoda
Acho absurda a polémica muito maison, ou seja, muito redes sociais, sobre a entrevista de Goucha a Mário Machado.

José Pacheco Pereira
5 de Janeiro de 2019, 7:17

Lá vou pela enésima vez dizer que o verdadeiro sentido da liberdade de expressão não é para as opiniões de que gosto ou com que concordo, é para aquelas de que discordo, que penso serem ofensivas e que me podem ser repulsivas. É esse direito que defendo quando defendo a liberdade de expressão, o resto é demasiado cómodo. Numa altura em que o tribalismo cresce e as pessoas só ouvem e vêem o que gostam lá pelos lados da sua tribo, vendo-se sempre ao espelho que nunca lhes responde como o da Rainha Má, convém lembrar este princípio básico da liberdade e da democracia.

É por isso que acho absurda a polémica muito maison, ou seja, muito redes sociais, sobre a entrevista de Goucha a Mário Machado, skinhead, culpado de crimes, preso várias vezes, homem violento e com ideias de extrema-direita, que faz parte de um movimento nacionalista radical e que acha que Salazar faz muita falta ao país.

E depois? Convivo muito melhor com este tipo de defesa de Salazar, declarativo, simplista, rudimentar, ignorante do que foi Salazar e o Estado Novo, ou se calhar demasiado sabedor e saudosista do que ele fez, do que com o branqueamento sofisticado dos nossos “brandos costumes”, com comparações absurdas do número de mortos, que por singular coincidência não incluem nunca os mortos da guerra colonial, ou elaborações entre o totalitarismo e o autoritarismo que, também por singular coincidência, desculpam o autoritarismo em nome das maldades do totalitarismo. Claro que Estaline matou muito mais gente do que Salazar e a sua ditadura (Hitler também), mas a comparação é falseada à cabeça, porque não tem sentido histórico nem político.

Voltemos à entrevista de Goucha a Mário Machado. Goucha não denunciou os crimes de Machado e classificou as suas ideias brandamente de “polémicas”, mas fez-lhe uma das perguntas mais certas que se lhe poderia fazer confrontando-o com a sua circunstância pessoal, dele Goucha, de viver há muitos anos com um homem com quem é casado e queria saber se isso incomodava Mário Machado. E este respondeu-lhe surpreendentemente bem. Isto redime a entrevista e é muito mais significativo do que o salazarismo póstumo.

Claro que as ideias de Mário Machado são “perigosas”, como são as dos milhares de comentadores pelas redes sociais adentro que têm saudades de Salazar e de outras coisas piores. Mas são “perigosas” porque são suplementares ao ascenso populista que se verifica na sociedade portuguesa, em que o nacionalismo e o saudosismo da ditadura são muito menos importantes do que muitas outras coisas novas, recentes, modernas e que nasceram da degradação interior da democracia, não do salazarismo morto e enterrado. Podem ter a certeza que um “novo Salazar” se aparecer será muito mais desempoeirado nos costumes, mais yuppie, menos beato, menos, muito menos temeroso do capitalismo, e não terá medo da exposição televisiva, bem pelo contrário.

Acresce que as ideias podem ser “perigosas”, mas ele tem toda a legitimidade para as defender e nós para o rebater e contrariar. No caso da entrevista, nem sequer se colocam os crimes que a Constituição prevê, e eu sempre considerei essa parte da Constituição, que criminaliza opiniões, realmente afrontosa da liberdade de expressão. Mas não há qualquer matéria de crime no que ele disse e não se pode confundir as críticas que se podem fazer à condução da entrevista com a ilegitimidade de a fazer e de ouvir Mário Machado.

Por isso, vejo como igualmente “perigoso” o apelo à censura do SOS Racismo e do Sindicato dos Jornalistas, assim como a vontade de usar a ERC para policiar a liberdade de expressão. Do mesmo modo, embora as declarações do ministro da Defesa — que não se sabe bem porquê entendeu pronunciar-se sobre o assunto — sejam uma matéria de opinião, com o mesmo estatuto das de Mário Machado, contêm uma análise errada do “perigo” comunicacional.

Ele acusou de piromania a estação televisiva, dizendo que procederam como “quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”. Ora mil vezes mais perigoso do que ouvir Mário Machado a dizer umas enormidades sobre Salazar é ouvir e ver uma televisão cada vez mais tablóide de manhã à noite tratar da sociedade, do crime, da corrupção, da “ordem” de uma forma que é uma verdadeira incitação antidemocrática, ao colocar a dialéctica social e política como sendo “nós”, o povo, a verdade, a voz impoluta, as vítimas, e do outro lado “eles”, os políticos, o “sistema”, o “regime”.


E aqui, quando se escava um pouco, mesmo muito pouco, percebe-se que não é sequer uma melhor democracia que se deseja, mas uma outra forma de “ordem”, directa, sem mediações, taumatúrgica, assente de facto num grupo com “coletes amarelos”, ou num homem justiceiro, impoluto, azorrague dos corruptos, seja um juiz, seja um comentador do crime, seja um manipulador de um qualquer reality show, seja um político salvífico que fale a linguagem punitiva do populismo moderno. Há vários, há vários na televisão, mas nenhum é o Mário Machado. Isso, sim, é propaganda eficaz do salazarismo.

Mário Machado na TV e as labaredas do ministro
A verdade é esta: Gomes Cravinho está muito mais próximo dos fósforos do que Mário Machado. As labaredas estão noutro lado.

João Miguel Tavares
5 de Janeiro de 2019, 6:39

A minha reacção ao ver Mário Machado defender Salazar é semelhante à minha reacção ao ver o PCP defender o regime venezuelano: acho patético, em ambos os casos. E acho mais. Da mesma forma que o PCP não deve ser proibido de defender Nicolás Maduro, também Machado deve ter direito a espraiar o seu amor público por Oliveira Salazar e pelo saudoso tempo em que havia “respeito” – além de censura, violência, analfabetismo, paroquialismo e subdesenvolvimento.

Acho igualmente que toda a gente tem direito a indignar-se com os convidados de Manuel Luís Goucha e a criticá-lo por descrever Mário Machado no Facebook como – e cito – “autor de umas declarações polémicas”. Desde que não queiram proibir Goucha de convidar quem bem lhe apetecer, as suas acções e intervenções são certamente passíveis de crítica.

Até aqui, tudo normal. As coisas só deixam de ser normais quando um ministro do actual Governo, à boleia deste tema, decide ir para as redes sociais exercitar a sua liberdade de expressão e reflectir sobre a ascensão da extrema direita no mundo, como se o bater de asas de Mário Machado nos estúdios de Queluz de Baixo fosse provocar uma tempestade fascista em São Bento. Aí, eu já fico bastante encanitado.

Não porque os membros do Governo não tenham direito a exprimir-se e a comentar a actualidade social e política, mas porque essa expressão acarreta um peso institucional acrescido devido ao cargo que desempenham, e porque o rigor intelectual com que intervêm deve ser minimamente preservado.

Donde, quando o ministro da Defesa João Gomes Cravinho decide afirmar no Twitter que “é preciso ter a noção” de que a “atitude” da TVI, ao convidar Mário Machado para estar no “Você na TV”, “não é muito diferente de quem ateia incêndios pelo prazer de ver as labaredas”, eu tenho alguma coisa a dizer sobre incendiários, labaredas e a extrema-direita.

Até pode ser que um dia a malta saudosa do Estado Novo venha a entrar no Parlamento. Mas, se acaso tal acontecer, a responsabilidade será muito mais de políticos como João Gomes Cravinho do que de ex-presidiários como Mário Machado. De cada vez que Machado fala, como facilmente comprovará quem tenha assistido à conversa com Goucha, a causa nacionalista afunda-se mais um pouco.

Tudo nele soa a velho e requentado, e não está sequer bem articulado em termos retóricos. Além disso, 12 anos de vida na cadeia não é propriamente o melhor currículo para quem tanto ama a ordem e o “respeito”. Machado pode ser eficaz a amolgar os dentes de quem se atravessa no seu caminho, mas politicamente vale zero. Tão patético quanto ouvi-lo defender Salazar é ver políticos e colunistas com medo que ele represente alguma coisa. Não representa. Nada.

É por isso que tanto me irrita a intervenção de João Gomes Cravinho. Aquilo que um dia pode empurrar Portugal para os braços de populistas da extrema-direita ou da extrema-esquerda não é o discurso de Mário Machado.

São os deputados que dizem que estão no Parlamento e não estão. São as líderes de juventudes partidárias eleitas apesar das fraudes nos currículos. São as PGR competentes afastadas por serem incómodas para o poder político. São os políticos condenados que demoram anos a ir para a prisão. São os políticos corruptos protegidos pelos partidos. São as leis que faltam para combater a corrupção. A verdade é esta: Gomes Cravinho está muito mais próximo dos fósforos do que Mário Machado. As labaredas estão noutro lado.



Sindicato de Jornalistas avança com queixa contra a TVI
Sindicato dos Jornalistas tece duras críticas à presença de Mário Machado na estação de Queluz.

 Maria João Lopes
MARIA JOÃO LOPES 4 de Janeiro de 2019, 12:07

O Sindicato dos Jornalistas vai apresentar queixa contra a TVI junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social e denunciar também o caso junto da Assembleia da República, por entender que a actuação da estação televisiva não foi a adequada quando convidou o líder da extrema-direita, Mário Machado, para participar em programas.

A decisão foi revelada pelo Sindicato dos Jornalistas num comunicado emitido nesta sexta-feira. Em causa está a polémica levantada pelo facto de Mário Machado ter sido o convidado do programa Você na TV desta quinta-feira, com Manuel Luís Goucha e Maria Cerqueira Gomes, que incluiu uma rubrica na qual se perguntava se "precisamos de um novo Salazar”. Mário Machado esteve também no programa SOS 24, na TVI24. Neste contexto, o sindicato garante que vai “pedir à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que avalie eventuais procedimentos disciplinares e esclareça a TVI sobre a indevida utilização da palavra ‘repórter’”.

“O Sindicato dos Jornalistas considera inqualificável o tempo e o espaço concedido pelo canal de televisão TVI a Mário Machado, conhecido líder da extrema-direita, várias vezes condenado e preso por diversos crimes de violência, sequestro, posse de arma e discriminação racial, entre os quais a participação no homicídio de um jovem, em 1995", lê-se no comunicado, referindo-se neste último caso à morte de Alcindo Monteiro por skinheads no Bairro Alto.

Neste sentido, o sindicato recorda que o artigo 9.º do Código Deontológico estipula que “o jornalista deve rejeitar o tratamento discriminatório das pessoas em função da ascendência, cor, etnia, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social, idade, sexo, género ou orientação sexual”.

Ora, defende-se no comunicado, rejeitar “é um verbo activo, não se basta com ‘abster-se de’, nem ‘ser neutro em relação a’”, impondo antes “a pró-actividade da acção – e uma acção bem diferente da que a TVI tomou, em dois dos seus programas, um dos quais sob a alçada da direcção de informação”.

O sindicato refere-se aos programas Você na TV! e SOS 24, nos canais TVI e TVI24, que “deram voz a um racista explícito e um salazarista assumido, que defende o regresso de Portugal à ditadura e a quem foi dada a oportunidade de se dedicar ao branqueamento histórico, em sinal aberto e para um grande público, com pouco ou nenhum contraditório”.

O Sindicato dos Jornalistas aproveita ainda para deixar alguns alertas sobre o papel dos jornalistas: “No actual contexto europeu, é fundamental que o jornalismo se exerça em defesa da democracia, sem a qual a liberdade de expressão não existiria. Esse mesmo contexto, de crescimento da extrema-direita, do populismo e do nacionalismo, impõe que os jornalistas – a título individual, mas também os órgãos de informação, suas direcções e administrações – reflictam sobre o papel que desempenham na eliminação do racismo, da xenofobia e da discriminação – e, sobretudo, ajam em conformidade.”

A posição do sindicato sobre a actuação da estação televisiva é clara e não poupa críticas: “O Sindicato dos Jornalistas considera a opção da TVI irresponsável e insta a que o canal pare de usar indevidamente o termo ‘repórter’, que só deve ser aplicado a quem é, efectivamente, jornalista com carteira profissional.”


O sindicato lembra ainda que “o entretenimento – que, por vezes, serve de refúgio para contornar regras e violar princípios – também tem de respeitar a Constituição” e citam o artigo 13.º sobre o princípio da igualdade que determina que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”. Apesar de reconhecer o “direito a expor ideias”, o sindicato lembra que também devem ser respeitados os “valores democráticos” e os “direitos humanos universalmente consagrados”.

Ainda de acordo com a Constituição, continua o sindicato, “não são consentidas (…) organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”. É com base neste princípio que o Sindicato dos Jornalistas vai apelar à Assembleia da República para que se pronuncie “sobre o carácter da Nova Ordem Social, organização política ‘nacionalista e patriota’ liderada por Mário Machado”.

Para além disto, o sindicato também já pediu à Ordem dos Advogados para esclarecer se Mário Machado é advogado, como foi apresentado, e jurista, como o próprio se intitulou – “e a que título assim é considerado por uma classe profissional que também tem um código de ética que respeita a Constituição”, acrescenta o comunicado.

 “A comunicação social – os jornalistas e as direcções e administrações dos órgãos de informação – tem o dever de saber que a democracia também tem linhas vermelhas – as da sua própria preservação. Não vale tudo em busca das audiências. Muito menos usurpar e desrespeitar toda uma classe e uma ética profissionais. Em nome nosso, não!”, escreve o Sindicato dos Jornalistas.

A presença do líder da Nova Ordem Social já motivou várias queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O SOS Racismo também já acusou a TVI de branquear o passado de Mário Machado e de legitimar política e socialmente o racismo e a extrema-direita. O PÚBLICO contactou Helena Forjaz, directora da Media Capital para o Entretenimento, que disse que "a seu tempo a TVI ia tornar pública a sua posição" sobre o programa de quinta-feira.

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