Estabelecimento Prisional de Lisboa vai ser uma residência
para estudantes
Kátia Catulo
Texto
29 Janeiro, 2019
Os detalhes do projecto ainda estão por apurar, mas já se
sabe que planos tem a Câmara Municipal de Lisboa (CML) para o edifício central
do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), quando o receber da administração
central: será uma residência de estudantes. Isso mesmo é confirmado pelo
Departamento de Planeamento Urbano da autarquia, numa informação escrita
enviada, na semana passada, por Manuel Salgado, vereador do Urbanismo, à
Assembleia Municipal de Lisboa (AML), em resposta a um conjunto de questões,
levantado pelo Bloco de Esquerda (BE), sobre o futuro dos terrenos. A câmara
aguarda, no entanto, o desfecho das negociações entre o Ministério da Justiça
(MJ) e a empresa pública Estamo, proprietária do histórico imóvel carcerário.
Delas resultará a decisão sobre a dimensão da fatia dos restantes terrenos
pertencentes ao EPL necessária à construção de novos edifícios para acolher os
tribunais hoje localizados no Campus da Justiça, no Parque das Nações – e que a
tutela quer para ali transferir. O que obrigará ao redesenho do Plano de
Pormenor da área, aprovado em 2014.
Num requerimento enviado à Câmara de Lisboa, em meados de
Novembro passado, os deputados municipais bloquistas interrogavam a edilidade
liderada por Fernando Medina (PS) sobre o conhecimento que teria dos planos do
MJ para fechar o Campus da Justiça e transferi-lo para o Alto do Parque Eduardo
VII – na Rua Marquês de Fronteira, junto ao Palácio da Justiça -, mas também
como irá decorrer a “articulação” entre a autarquia e a tutela neste processo.
Lembrando o apetite imobiliário que os terrenos adjacentes ao EPL têm
despertado, desde que se ficou a saber que viriam a ser desocupados, o Bloco
perguntava ainda quais os planos da autarquia para que os mesmos “possam estar
ao serviço da população”. Algo que já estaria garantido para o edifício central
da prisão, uma vez que o mesmo, indica o Plano de Pormenor de Reabilitação
Urbana do Campus de Campolide, aprovado em Julho de 2014 pela Assembleia
Municipal de Lisboa, deverá ser cedido à câmara para a “instalação de
equipamentos de utilização pública”.
É à luz dessa prerrogativa, sabe-se agora, que se pretende
instalar uma residência para estudantes no edifício classificado, em 2012, como
Monumento de Interesse Púbico – razão pela qual não pode ser demolido. O prédio
em forma de estrela, que alberga pouco menos de nove centenas de reclusos –
parte dos quais, em Dezembro passado, protagonizaram um conjunto de incidentes
sérios, embora a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, tenha depois
desvalorizado a sua gravidade, considerando não poder ser classificado como
motim -, encontra-se muito degradado. Inaugurado em 1885, para aplicar as
medidas da Reforma Penal e de Prisões de 1867, o edifício seguia o modelo
penitenciário então instituído pelo Sistema de Pensilvânia, criado em 1829,
pelo arquitecto inglês John Haviland, que, ao conceber o novo estabelecimento
prisional de Filadélfia, desenhou um edifício com diversas alas que partem de
um ponto central único, permitindo assim um melhor controlo dos reclusos por
parte dos guardas. A Penitenciária de Lisboa, como foi conhecida durante
décadas, encontra-se há muito obsoleta e as última obras de vulto que conheceu
foram realizadas há um quarto de século.
Os planos de encerramento do estabelecimento prisional já
são antigos. Mas apenas passaram a constituir-se como cenário bastante
plausível a partir de meados do ano passado, quando Francisca Van Dunem tornou
público o desejo de transferir para os terrenos em redor do edifício central do
EPL os tribunais concentrados no Campus da Justiça – inaugurado em 2009, pelo
governo de José Sócrates, e alvo de críticas dos agentes judiciários desde
então, por considerarem não terem ali as condições adequadas. A mudança, para
além de agradar a quem trabalha nos tribunais da capital, representará
sobretudo uma significativa medida de poupança ao erário público, que gasta
cerca de nove milhões de euros por ano com o arrendamento dos edifícios do
Parque das Nações. Revelado em Maio de 2018, o Plano Estratégico Plurianual de
Requalificação e Modernização da Rede de Tribunais 2018-2028 prevê, no que se
refere a Lisboa, a “construção de edifícios em terrenos da Estamo, inseridos no
Plano de Pormenor de Campolide”.
Tal projecto está previsto custar cerca de 44 milhões de
euros. Uma ambição da tutela que começou a ter tradução prática na lei do
Orçamento de Estado (OE) para este ano. O diploma expressa a vontade de,
durante 2019, o Governo tomar “as medidas necessárias para a execução do plano
que visa o encerramento gradual dos estabelecimentos prisionais de Lisboa e de
Setúbal, bem como a reinstalação dos serviços centrais do Ministério da Justiça
e dos tribunais de Lisboa”. Existe a intenção, se tudo correr como planeia a
tutela – a transferência faseada dos prisioneiros para outras unidades
penitenciárias -, de encerrar “até 2020” o Estabelecimento Prisional de Lisboa
ao uso para que foi concebido. Para além disso, subiste o processo negocial
entre o Ministério da Justiça e a Estamo. O EPL foi vendido, em 2006, pelo
Ministério da Justiça à empresa pública Estamo, dependente do Ministério das
Finanças, por 62 milhões de euros. Uma operação contabilística então
justificada com a necessidade de financiar a redução do défice. Como, desde
então, não desocupou o imóvel, o MJ paga uma penalização anual de 2,8 milhões
de euros à empresa pública.
Quando, em Outubro passado, se tomou conhecimento da referida medida constante do OE 2019,
confirmando assim a decisão de encerramento do estabelecimento prisional, foram
tornadas públicas alegadas divergências sobre o que fazer com os terrenos em
redor do edifício central do EPL. Avaliados em cerca de 200 milhões de euros,
são considerados altamente apetecíveis pelo seu potencial imobiliário e o tal
Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana do Campus de Campolide prevê que
possam ser vendidos a privados – e demolidos os desqualificados edifícios ali
existentes – para ali construir imóveis de habitação, hotelaria e comércio. Se
à televisão SIC, o MJ assegurava que “está definido que a cidade judiciária de
Lisboa se localizará na Rua Marquês da Fronteira, em Campolide”, já a Câmara de
Lisboa dizia ao mesmo órgão de comunicação social não poder pronunciar-se sobre
o assunto, alegando desconhecer formalmente as áreas a desactivar do uso
público. Também a Estamo dizia na altura ser ainda cedo para se pronunciar
sobre a matéria, por a mesma estar ainda a ser discutida.
Passados três meses,
o dossiê estará bem mais adiantado e tudo indica que a vontade de Van Dunem
prevalecerá. Aqueles terrenos deverão mesmo ser destinados à construção de uma
nova “cidade judiciária”, mantendo-se assim na esfera pública. Tanto que os
responsáveis pelo Urbanismo da Câmara de Lisboa participaram numa reunião no
MJ, onde tal assunto foi discutido. Na resposta da autarquia agora dada ao
requerimento dos deputados municipais do BE, é referido que o assunto aguarda
apenas a conclusão de um entendimento entre MJ e Estamo para avançar. Definidas
entre ambas as partes as áreas a reconverter para uso do ministério, a CML dará
então início ao processo de referido Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana
do Campus de Campolide – que terá de voltar a ser ratificado tanto pela câmara
como pela assembleia municipal. Na mencionada informação, lembra-se que “o
plano em vigor contempla uma área significativa à expansão de equipamentos
universitários do Campus da Universidade Nova de Lisboa, que abrangem parte dos
terrenos actualmente afectos ao EPL”.
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