Utentes do metro da zona norte de Lisboa contestam avanço da
linha circular e ponderam usar o carro
Sofia Cristino
Texto
8 Janeiro, 2019
Os utilizadores da Linha Amarela queixam-se do mau
funcionamento dos transportes públicos e temem que a sua mobilidade piore com a
nova linha circular do metro. O futuro troço obrigará quem vem de Odivelas,
Ameixoeira e Lumiar a fazer um transbordo no Campo Grande, demorando mais tempo
a chegar ao centro da cidade. Em Telheiras, porém, há quem não veja problema na
reformulação da rede nestes moldes, e até elogie a criação de duas novas
estações, Santos e Estrela. Quando a futura linha foi anunciada, em maio de
2017, dispararam as críticas de especialistas de mobilidade, de funcionários do
metro, da comissão de utentes e de vários partidos políticos. Apesar da
contestação, o plano de expansão da rede foi aprovado e as obras deverão
arrancar nos próximos seis meses. O Corvo apanhou a Linha Amarela no seu troço
Norte para ouvir a opinião dos passageiros. A maioria não quer uma linha
circular.
A futura linha
circular do Metro de Lisboa (ML), aprovada no passado dia 13 de Dezembro, em
Conselho de Ministros, já foi anunciada em Maio de 2017, mas na zona norte de
Lisboa muitos ainda desconhecem o plano de ampliação da rede. “É mesmo verdade?
Não podem avançar com isso, não faz sentido nenhum. Quem vai beneficiar com
essa alteração?”, questiona, surpreendida, Elisabete Ferreira, 40 anos, à
entrada da estação de metro da Ameixoeira. As obras do novo troço, com dois
quilómetros de extensão, arrancam no primeiro semestre de 2019 e terão um custo
de 210 milhões de euros. O novo anel subterrâneo resultará da junção da Linha
Verde com parte da actual Linha Amarela. Esta será encurtada, obrigando os
passageiros que viajem de Odivelas, Senhor Roubado, Ameixoeira, Lumiar ou
Quinta das Conchas, a trocar de linha no Campo Grande para prosseguirem para o
centro de Lisboa. Elisabete Ferreira apanha o meio de transporte na Ameixoeira
para o local de trabalho, no Marquês de Pombal, e teme mais atrasos na rede.
“Vamos demorar muito mais tempo a chegar ao destino e o Campo Grande vai ficar
congestionado, não acredito que aumentem as carruagens para Odivelas”, critica.
Além do encurtamento da extensão da Linha Amarela, com a
integração das estações da Cidade Universitária ao Rato na Linha Verde (Linha
Circular) – tornada possível pela ligação do Cais do Sodré ao Rato -, serão
abertas duas novas estações (Estrela e Santos). O novo diagrama da rede foi
idealizado para aumentar a frequência de carruagens, mas quem utiliza o
transporte está descontente com o que parece ser o favorecimento da zona centro
de Lisboa, em detrimento da área Norte da cidade, bem como dos concelhos de
Odivelas e Loures. “A Alta de Lisboa continua a ser esquecida. Têm aqui uma
oportunidade para ouvir os utentes e não o estão a fazer”, lamenta Catarina
Panguana, com cerca de 20 anos. Enquanto a moradora na Ameixoeira se dirige
para a estação de metro, cruzando-se com pessoas apressadas para não perderem o
transporte, Guilherme Prazeres, 25 anos, olha atentamente para o novo mapa da
linha circular, mostrado por O Corvo. E não demora muito tempo a formular uma
opinião. “Vamos ter de dar uma grande volta para ir ao centro comercial
Colombo, por exemplo. Na Ameixoeira, há poucos serviços públicos e muitas
pessoas deslocam-se para Benfica e o centro da cidade para fazerem compras, não
vão ficar nada satisfeitas”, observa.
O jovem está desempregado e a frequentar um curso do
Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), na Reboleira, paragem
terminal da Linha Azul. Com o desenho actual da rede do metro demora quase uma
hora a chegar ao destino, um período que aumenta consideravelmente com a nova
configuração. “Os mais jovens precisam de outro tipo de oportunidades, que
também passam pela melhoria dos transportes, influencia muito as nossas
escolhas profissionais”, diz Guilherme Prazeres. A população envelhecida e com
pouca mobilidade, contudo, poderá ser ainda mais afectada, diz Arlete Oliveira,
70 anos. “Vai causar muito transtorno, principalmente aos idosos, os nossos
governantes prejudicam muito as pessoas mais velhas”, critica. A reformada
apanha o metro para o Saldanha, onde se desloca com regularidade. Com a nova
linha circular, provavelmente, passará a andar mais de táxi.
Atrás do balcão do
café da estação de metro da Ameixoeira, Ricardo Santos, 42 anos, observa o
número de utentes que entram e saem. Numa zona de contrastes sociais, foi
conquistando clientes de classes baixas e média-alta, ao longo dos anos, e teme
que a construção da nova linha afecte algum do trabalho de inclusão que tem
sido feito nesta parte da cidade. “Esta zona foi muito valorizada com pessoas
de classe média-alta. O novo troço vai diminuir muito a qualidade de vida de
quem mora no limite da cidade, vai deixar de ser apetecível viver aqui. As
pessoas vão levar o carro para o Campo Grande, que terá mais veículos ainda, e
vou perder muitos clientes”, lamenta.
Numa altura em que o
número de carros a entrar em Lisboa aumenta, sendo difícil encontrar uma
solução para o tráfego excessivo, Ricardo Santos considera que a rede de metro
deveria apostar na extensão às zonas limítrofes da cidade. “Fazia-nos falta uma
linha até Loures, trazia muito mais gente para aqui e diminuía o trânsito. Há
cada vez mais pessoas a morarem na zona norte e menos no centro histórico, por
causa dos preços da habitação. Quando o boom turístico acabar, voltamos a ter a
Baixa de Lisboa de há dez anos, deserta”, antecipa. Ricardo Santos considera
que as novas estações, em Santos e na Estrela, não são necessárias, uma vez que
aquelas zonas da cidade estão “muito bem servidas” de transportes públicos,
como os eléctricos 25 e 28 e os autocarros da Carris, e sugere outras estações.
“Devia-se fazer uma ligação ao aeroporto. Temos de atravessar quase a cidade
toda para chegar lá, quando estamos a poucos quilómetros do aeroporto”, nota.
A Linha Amarela é
utilizada por utentes de zonas tão diferentes como Caneças, Ramada, Brandoa e
Alfornelos. Às estações de metro do Lumiar e da Quinta das Conchas, chegam
também muitos moradores destas áreas, que no seu dia-a-dia já têm de lutar
contra a escassez de oferta de transporte nas suas zona de residência. Os
passageiros do metro não percebem, por isso, porque não se investe em mais
transportes públicos para a zona norte da cidade. “Com a nova linha circular, o
metro vai perder utentes, e as carruagens até Odivelas vão diminuir. Normalmente,
quando se anunciam expansões, seja do metro ou dos autocarros, ficamos com a
ideia que querem abranger mais zonas da cidade, mas isso não vai acontecer”,
diz Maria Sobral, 40 anos, moradora na Brandoa. Agora, para ir do Lumiar até
Alfornelos, troca de linha apenas uma vez. Com o futuro troço, terá de fazer um
percurso maior. “Talvez deixe de utilizar o metro e passe a andar de autocarro,
mas não é uma boa solução porque há sempre atrasos nos autocarros. Se quem
idealizou a linha andasse de transportes públicos, não a faria dessa forma, de
certeza. Deve haver uma empresa com interesses imobiliários”, especula.
Maria Sobral trabalha na freguesia Lumiar e, apesar de não
morar lá, conhece bem a realidade desta parte da cidade. “Há muitas escolas e
colégios, e há cada vez mais crianças a andarem de metro. Se tiverem de fazer
muitas trocas, os pais terão de ver outra alternativa, provavelmente, porque se
torna mais complicado explicar aos filhos o trajecto”, observa. De Camarate,
chega Patrícia Silva, 40 anos. Trabalha na Cidade Universitária e já se
habituou aquela rotina há vários anos. “Vamos chegar ainda mais tarde a casa,
com o novo transbordo, o que vai afectar a nossa vida familiar. Andamos sempre
a tentar melhorar a nossa estabilidade, mas estas mudanças, sem ouvirem a
população, não ajudam nada”, lamenta.
À estação da Quinta
das Conchas chegam menos passageiros. Leonor Paulino, 56 anos, mora em Odivelas
e tem de percorrer a Linha Amarela de uma ponta à outra. “Vou prosseguir até ao
Rato, e já demoro algum tempo. Se tiver de fazer um transbordo, se calhar passo
a apanhar o autocarro para o Cais do Sodré. Não é a melhor hipótese, porque o
serviço ainda é pior”, critica, enquanto segue viagem. Numa das saídas desta
estação de metro, virada para vários blocos de prédios de habitação, Manuela
Lopes, 58 anos, foi a primeira pessoa que O Corvo interpelou, na manhã em que
esteve a ouvir os utentes do metro, que conhece o projecto de reformulação da
rede.
“É uma pena as
pessoas estarem tão mal informadas, é assim que as más decisões são tomadas e
avançam. Esse plano é péssimo, vai-me fazer mudar muitas vezes de linha,
certamente há aí interesses imobiliários”, conjectura a moradora na Quinta das
Conchas há mais de 20 anos. João Guerreiro, 31 anos, acredita que o tempo gasto
nas viagens passará a ser menor, devido à circulação de mais composições, e
desvaloriza as críticas apontadas. “Se não houver avarias no transporte, a
diferença será irrisória. O tempo de deslocação entre as novas paragens vai
diminuir, não se vai sentir assim tanto a diferença”, considera.
Em Telheiras, também há quem não veja nenhum problema nas
alterações previstas para a rede de metropolitano. “Acho uma excelente ideia,
os autocarros para o centro de Lisboa demoram muito e, com a nova linha, vamos
chegar mais rápido. Além disso, é o meu transporte preferido”, diz Margarida
Pilão, 70 anos. E não é a única. André Lima, 35 anos, acredita que será “uma
questão de tempo” até as pessoas se habituarem ao novo traço. “Ando muito a pé,
de Carnide para Telheiras, onde moro e trabalho, e cada vez uso menos
transportes. Não me prejudica muito a alteração, talvez até me faça ir mais
vezes ao centro de Lisboa”, prevê. Há
ainda quem considere que existem “outras alternativas de troços mais
favoráveis”, mas não veja nenhum inconveniente na construção da linha circular.
“Não me parece que vá afectar tanto os utentes como se tem dito. Estrela e
Santos ganham metro, também é bom para os moradores de lá”, diz Nuno Costa, 41
anos, morador em Telheiras.
Os depoimentos
recolhidos por O Corvo não serão, porém, representativos da opinião da maioria
dos moradores deste bairro. A Associação de Residentes de Telheiras redigiu uma
petição, em Maio do ano passado, contra a criação do novo troço, que conta com
1569 assinaturas. Os autores da subscrição consideram que a criação de uma
linha circular leva à transformação da Linha Amarela “num mero apêndice da rede
de metropolitano, ligando directamente apenas Odivelas a Telheiras”. Desta “má
opção”, defendem, “decorrerão efeitos negativos para a mobilidade na cidade de
Lisboa em geral, especificamente com maiores prejuízos para os residentes na
zona norte da cidade (Telheiras, Lumiar e Ameixoeira) e municípios vizinhos
(Odivelas e Loures)”. Os argumentos para esta mudança, considera ainda a
associação de moradores, “são falsos ou estão mal fundamentados”.
A empreitada, que
arranca nos primeiros seis meses deste ano, inclui a remodelação da gare do
Cais do Sodré e intervenções nos viadutos do Campo Grande, de forma a ligar as
linhas Verde e Amarela. A ideia é que hajam mais carruagens a servir, com mais
regularidade, o centro da cidade. Mas especialistas em mobilidade e transportes
defendem que, da forma como a linha está pensada, a frequência do metro não vai
aumentar, e pode até mesmo diminuir. Mário Lopes, engenheiro civil e um dos
promotores de uma outra petição contra o avanço da linha, em declarações a O
Corvo, diz que os argumentos a favor do troço são “falsos”. “A frequência vai
aumentar, se arranjarem mais comboios, maquinistas e mais funcionários para a
manutenção. Estima-se que a nova linha vá poupar em média dez minutos o
trajecto percorrido, se for prolongada até ao Cais do Sodré. Se fosse para
Alcântara, não só servia mais gente, como poupava 13 minutos, em vez de dez,
era muito melhor”, sugere.
O especialista,
também representante do PSD na Assembleia de
Freguesia do Lumiar, onde no passado dia 20 de Dezembro propôs uma moção
contra a linha do metro, critica ainda a falta de atenção dada à população da
zona norte. “Os moradores de Odivelas e de Loures não têm onde deixar o carro
e, por esse motivo, têm muita dificuldade em deslocar-se de metro. É necessário
que se façam estações de metro em sítios com bons acessos rodoviários, para os
habitantes da zona norte conseguirem ir para Lisboa”, sugere. Quem vai
beneficiar da nova linha, diz ainda, é quem entra no metro através do Cais do
Sodré, mas todos os que entram no Campo Grande serão prejudicados. “O número de
pessoas afectadas é maior que o número de pessoas beneficiadas, e não se vai
tirar carros de Lisboa, como se pretendia, fica tudo na mesma”, critica.
O presidente da Junta de Freguesia do Lumiar, Pedro Delgado
Alves (PS), ouvido por O Corvo, em Julho de 2017, disse que a forma como a nova
linha está desenhada “não obriga, necessariamente, a que a Linha Amarela seja
explorada da forma como tem sido apresentada em vários diagramas de rede”. “A
Linha Amarela pode continuar a servir o mesmo território, indo até ao centro da
cidade, partilhando o percurso da Linha Verde, como é, aliás, o mais comum nas
cidades europeias que têm linha circular. Esta raramente está ‘sozinha’ nos
túneis, antes sendo as estações no seu percurso utilizadas por mais de uma
linha”, explicou na altura, mostrando-se favorável à construção do novo troço.
Desde o anúncio da
linha circular, vários partidos políticos, da direita à esquerda,
manifestaram-se contra o plano de reformulação da rede do metropolitano. O PSD
e Os Verdes chegaram a apresentar duas propostas para travar a linha circular,
em Assembleia Municipal, mas estas acabariam por ser rejeitadas. A Comissão
Política do PSD Odivelas também tomou uma posição pública, no passado dia 13 de
Dezembro, contra o fim da linha nestes moldes. Em comunicado enviado às
redacções, diz que a Linha Amarela vai transformar-se num apêndice da rede,
piorando a oferta da qualidade do transporte público para todos os residentes
das freguesias e concelhos na fronteira norte de Lisboa. Os tempos de espera
entre viagens, considera, vão ser maiores, e o acesso ao centro de Lisboa será
muito mais demorado para os moradores de Odivelas. Considera, ainda,
“imprescindível” no concelho de Odivelas “uma extensão para uma nova estação,
em Odivelas, com bons acessos rodoviários e um parque de estacionamento ligado
à CRIL, bem como uma extensão para o concelho de Loures”. Entre as várias
críticas feitas ao plano de expansão do metro, condenam ainda a falta de um
debate público e de consulta do projecto.
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