Há juntas de Lisboa que dizem não ter meios para fiscalizar
novas regras e multar quem atira lixo para o chão
Sofia Cristino
Texto
17 Janeiro, 2019
A Câmara Municipal de Lisboa (CML) anunciou, na semana
passada, o agravar das penalizações para quem suje o espaço público. E vai
transferir 10 milhões de euros para as juntas de freguesia reforçarem os
serviços de limpeza, distribuindo-os em função da pressão turística de cada
zona. Algumas juntas consideram, porém, o critério insuficiente e injusto. Há
quem ache que deveria ser tido em conta o número de pessoas a circular nos
bairros e não só os turistas. A cobrança de multas, nova competência das juntas,
é, porém, uma novidade pouco consensual. Carnide (PCP) diz não ter equipas
suficientes para fiscalizar. Apesar de elogiar as medidas, o presidente da
Junta de Santo António (PSD) assegura que será muito difícil autuar. “Têm de
nos explicar como se aplicam as multas. Apanhamos as pessoas em flagrante
delito a deitar lixo ao chão ou fazemos um teste de ADN a uma pastilha
elástica?”, ironiza. Já Miguel Coelho (PS), autarca de Santa Maria Maior, está
optimista. “Claro que vamos ter capacidade para fiscalizar o bairro, até porque
já o fazíamos”, diz.
“A freguesia de
Belém, a que recebe mais turistas em Lisboa, vai ter direito apenas a 200 mil
euros. Não posso admitir que Santa Maria Maior, cinco vezes mais pequena, possa
receber sete vezes mais do que nós. Isto é um escândalo!”, critica Fernando
Rosa (PSD), presidente da Junta de Freguesia de Belém. O autarca refere-se a
uma das dez medidas de melhoria da higiene urbana anunciadas, no passado dia 10
de Janeiro, pela Câmara Municipal de Lisboa (CML). A autarquia distribuirá dez milhões de euros, até ao
final do mandato, para todas as juntas de freguesia da cidade. E a
transferência de verbas, com o objectivo de diminuir a produção de resíduos,
será feita em função da pressão turística de cada zona. Os critérios escolhidos
desagradam, porém, a vários autarcas da cidade. “Quero acreditar que o
município se enganou, quando decidiu o valor a atribuir a cada freguesia.
Estamos em oitavo lugar na lista das 24 freguesias, é um choque. Andam a
brincar connosco, ninguém foi consultado, foi tudo feito às escondidas”, acusa
Fernando Rosa.
As propostas de alteração do regulamento de gestão de
resíduos, anunciadas na semana passada, serão apresentadas e debatidas pelos
vereadores na reunião camarária desta quinta-feira (17 de Janeiro) e, após irem
para discussão pública, voltarão a reunião de câmara, seguindo depois para
aprovação em assembleia municipal. O presidente de Junta de Freguesia de Belém
diz, contudo, que o pacote de medidas sugerido pelo município não pode ser
aprovado “nestes termos” e que até deve ser adiado. “Ninguém foi ouvido,
precisamos de mais tempo para analisar a forma como isto foi feito. Não posso
aceitar que Belém esteja fora das três freguesias com mais lixo da cidade. Não
sou ingénuo, mas não quero acreditar que a decisão tem a ver com a nossa cor
partidária, seria muito grave”, diz ainda Fernando Rosa.
As críticas à forma
como a Câmara de Lisboa anunciou as alterações ao regulamento de gestão de
resíduos chegam de várias juntas de freguesia da oposição. Queixam-se de não
terem sido ouvidas e do município desconhecer a realidade das freguesias da
cidade à qual preside. O presidente da Junta de Freguesia de Carnide, Fábio
Sousa (PCP), acusa a câmara de “anunciar apenas à comunicação social as medidas
novas no âmbito da higiene urbana”, mas não as articular com as várias juntas
de freguesia, com diferentes particularidades.
“Deveriam ter reunido
connosco e analisado caso a caso, porque nós é que conhecemos o nosso
território. Não faz sentido serem só as freguesias com maior pressão turística
a receber mais, deveriam ter em conta o número de pessoas que frequentam cada
freguesia. Não há freguesias de primeira e de segunda, a cidade é um todo”, diz
Fábio Sousa. Carnide recebe milhares de pessoas, todos os dias, no Centro
Comercial Colombo, o maior da Península Ibérica, e no Hospital da Luz. E
acolherá, nos próximos anos, a Feira Popular. Estes indicadores, considera
ainda, deveriam ser tidos em conta na definição dos critérios de distribuição
do dinheiro.
O autarca diz que se a transferência de 10 milhões de euros
não for feita de uma forma justa, esta alocação de verbas até poderá ser
“perigosa”. “O dinheiro não compra tudo. Se o problema do lixo não for
resolvido, as pessoas vão-nos perguntar o que andamos a fazer com o dinheiro.
No fundo, é empurrar para as freguesias uma responsabilidade que é da cidade”,
considera.
A medida mais
polémica é, porém, o alargamento de competências de fiscalização às juntas de
freguesia, que passam agora a verificar o cumprimento de algumas regras por
moradores e comerciantes – como deitar o lixo ao chão – e a cobrar multas. “Nós
nem temos equipas para fazer essa fiscalização. Além disso, há todo um processo
burocrático, que envolve algum trabalho jurídico e períodos de formação. Só um
técnico equiparado a um fiscal municipal poderá autuar. Não é um processo
simples”, explica o autarca comunista. Fábio Sousa diz mesmo que estas medidas
poderão não ter praticabilidade. “Anunciar uma medida apenas para anunciar, e
depois não ser praticável, não faz sentido”, critica.
O presidente da Junta de Freguesia do Areeiro, Fernando
Braamcamp (PSD), é mais contido nas críticas, mas não deixa de fazer reparos ao
novo pacote de medidas da Câmara de Lisboa. “Apoio o programa apresentado pelo
município, tendo em conta o estado em que se encontrava a cidade. Não nos
informaram, porém, quais os critérios tidos em conta para avaliarem a pressão
turística de cada freguesia. Poderá haver um acréscimo de lixo por outros
motivos. Temos 20 mil pessoas a entrar na freguesia, diariamente, será que
estão a ser contabilizadas?”, questiona Braamcamp. As novas competências de
fiscalização deixam o autarca ainda mais apreensivo. “Se a câmara tem todos os
meios para fiscalizar, como a polícia municipal, porque nos transfere essa
competência? Vamos começar tudo de novo? Não é só atirar dinheiro para a
frente, não somos os subempreiteiros da câmara”, critica.
No centro histórico,
onde haverá maior pressão turística – segundo um estudo feito pela Câmara de
Lisboa – as opiniões divergem. O presidente da Junta de Freguesia de Santa
Maria Maior, Miguel Coelho (PS), não tem dúvidas de que conseguirá fazer face
aos novos desafios propostos pelo município. “Claro que vamos ter capacidade
para fiscalizar o bairro, até porque já o fazíamos. Agora, temos a
possibilidade de fazer melhor”, diz. Quanto ao facto de ser a freguesia com
direito a uma maior fatia da verba, de um milhão de euros, Miguel Coelho diz
que os critérios de distribuição foram “muito positivos”: “Não me posso
queixar”, afirma.
Já na freguesia
contígua, em Santo António, Vasco Morgado (PSD) ainda tem muitas dúvidas quanto
à eficácia das alterações na higiene urbana. “Parece-me tudo um bocadinho
utópico. Têm de nos explicar como se aplicam as multas. Apanhamos as pessoas em
flagrante delito a deitar lixo ao chão ou fazemos um teste de ADN a uma
pastilha elástica? Bloqueamos as pessoas, com a EMEL bloqueia os carros?”,
ironiza. O autarca social-democrata diz que a transferência de competências de
fiscalização da Câmara de Lisboa para as Juntas de Freguesia estarão
relacionadas serve apenas “para alertar as pessoas”. “Isto é mais para
assustar. O regulamento dos resíduos estava desactualizadíssimo, quase que
valia a pena deitar lixo ao chão. Agora, vai mudar muito”, diz.
Dos 10 milhões de euros distribuídos por todas as juntas de
freguesia, 7,6 milhões de euros serão provenientes da taxa turística e 2,4
milhões de euros de verbas municipais. Vasco Morgado defende que o valor da
taxa turística, que aumentou de 1 para 2 euros, no início deste ano, deveria
subir ainda mais. “Só conseguiremos ter uma distribuição de dinheiro mais real,
se a taxa for mais alta”, diz. O autarca considera ainda que o problema do lixo
na cidade de Lisboa não vai ficar resolvido, mas que as propostas do município
poderão dar uma “grande ajuda” na sua resolução. “As medidas só pecam por serem
tardias. Precisamos de mais meios humanos para acabar com o problema da
profusão de resíduos. Conhecemos os pontos críticos de sujidade da freguesia e
não conseguimos chegar a todo o lado. Continuam a haver móveis, todos os dias,
abandonados na rua”, critica.
O Corvo tentou ouvir sobre este assunto, durante esta
quarta-feira (16 de Janeiro), tanto a presidente da Junta de Freguesia de
Arroios, Margarida Martins (PS), como o seu homólogo da Junta de Freguesia da
Estrela, Luís Newton (PSD). Tal não se revelou, contudo, possível até ao
momento da publicação deste artigo.
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