O diabo pode mesmo vir aí
Com a Alemanha em travagem, a Espanha a rever em baixa o
crescimento, a China e os EUA a abrandar, as perspectivas da nossa economia não
são francamente animadoras.
David Pontes / EDITORIAL / PÚBLICO
21 de Janeiro de 2019, 7:14
Há nuvens negras a formar-se no horizonte da economia, que
prenunciam as tempestades que se vão abater sobre as nossas vidas.
Adivinhavam-se nas conversas de alguns CEO que prenunciavam um 2019 em sentido
descendente, viram-se na tentativa frustrada de três empresas portuguesas de se
lançarem no mercado bolsista, confirmam-se nos números da desaceleração da
economia mundial.
Com a Alemanha em travagem, a Espanha a rever em baixa o
crescimento, a China e os EUA a abrandar, as perspectivas de uma economia pequena,
aberta ao mundo como a nossa, não são francamente animadoras.
Para um país que continua a apresentar os níveis de
endividamento de Portugal, com problemas de capital e de investimento, fracos
níveis de formação, uma classe empresarial débil, as tempestades que se
avizinham podem ser mesmo o diabo que alguns anunciaram antes do tempo.
Factores como a crescente automação da indústria e dos serviços ou o
desequilíbrio demográfico (como aponta Charles Prideaux, em entrevista na
edição de hoje) têm a inevitabilidade de os rios correrem para o mar e Portugal
fragilidades próprias que aumentam a possibilidade de sermos arrastados pela
torrente.
Por isso continuam a fazer sentido os apelos presidenciais
para resistir ao eleitoralismo, por isso continua a fazer sentido cultivar
alguma contenção orçamental mesmo que as tentações sejam muitas, por isso temos
a obrigação de olhar para o ano eleitoral com esse grande e enorme ponto de
interrogação que é a economia.
A começar, desde logo, pelas eleições europeias, que talvez
sejam das mais importantes em que alguma vez tivemos ocasião de votar. Talvez
hoje estejamos mais capazes de interiorizar que há problemas que ultrapassam a
escala local, que o “Brexit” é para todos, que a dívida italiana é também um
problema nosso, que a crise migratória é uma questão continental, que nos diz
respeito uma união monetária que continua a apresentar imperfeições.
A atracção pelas respostas simplistas dos populistas vai ser
grande e é por isso importante que os partidos sejam capazes de contrapor
soluções realistas, mas capazes de nos guiar nestes tempos de tormenta. Já não
é cedo para ouvirmos e debatermos programas eleitorais de forma a perceber se
os nossos partidos se vão limitar a fazer das europeias uma antecâmara das
legislativas ou se estarão à altura dos desafios que se avizinham na frente
europeia. Façam por merecer e dar sentido sos nossos votos.
Economia mais aberta que nunca enfrenta abrandamento mundial
Portugal habituou-se nos últimos anos a crescer com o
contributo positivo das exportações. Mas agora que a economia mundial abranda,
o que vai acontecer?
Sérgio Aníbal
Sérgio Aníbal 21 de Janeiro de 2019, 7:10
As exportações registam o maior peso no PIB português dos
últimos 65 anos
Depois de uma crise em que o endividamento de famílias,
empresas e Estado desempenharam um papel crucial, o aumento das exportações
surgiu como a única receita disponível para trazer a economia portuguesa de
volta ao crescimento. Mas agora, com as exportações a registarem o maior peso
no PIB dos últimos 65 anos, o país pode estar prestes a provar o sabor amargo
deste remédio, enfrentando pela primeira vez desde que a troika saiu do país um
desafio: como continuar a crescer com base nas exportações, quando o resto do
mundo deixa de querer aumentar as suas compras.
Nos últimos meses, a economia mundial tem, um pouco por todo
o lado, dado sinais claros de estar a entrar numa fase de abrandamento. Em
alguns países europeus, importantes destinos das exportações portuguesas,
assiste-se mesmo ao risco de entrada em recessão técnica.
Não é um fenómeno extraordinário, as economias funcionam em
ciclos e a verdade é que, desde 2012, embora com alguns sobressaltos, as
principais economias mundiais têm registado uma sequência ininterrupta de taxas
de crescimento positivas. Mas para a economia portuguesa, como para todas as
outras, este é um cenário em que evitar efeitos de contágio negativos é
virtualmente impossível. E, desta vez, em comparação com outras situações
semelhantes do passado, há alguns motivos para estar mais preocupado.
Primeiro porque a economia portuguesa não está ainda
recuperada da última crise, uma das maiores do último século, e não se livrou
totalmente de fragilidades importantes como um endividamento elevado e uma
dependência do financiamento do exterior, que podem num cenário mais drástico
voltar a ser testadas. E depois porque a economia portuguesa é agora mais
aberta ao exterior do que nunca e pode depender por isso mais da conjuntura
internacional. Em 2017, Portugal registou pela primeira vez em pelo menos 65 anos
um peso das exportações superior a 40% do PIB, tendo este indicador voltado a
subir nos primeiros três trimestre de 2018 para 43,9%. Em 2007, antes da crise
financeira internacional, o peso das exportações não passava de 31% do PIB.
“Na medida em que a economia portuguesa está mais aberta ao
exterior, é natural que o abrandamento da procura externa tenha algum impacto
sob o crescimento em Portugal”, afirma Paula Carvalho, do departamento de
estudos económicos do BPI, uma entidade que está a prever para 2019 um
abrandamento da economia para 1,9%, depois de 2,2% em 2018, num cenário em que
o consumo e o investimento compensam parcialmente um abrandamento das
exportações.
Já em Dezembro, quando os sinais que vinham do exterior
começam a ser mais negativos, o Banco de Portugal reviu em baixa as suas
projecções de crescimento tanto para 2018 como para 2019, dando como uma das
explicações o abrandamento da procura externa dirigida à economia portuguesa
que, em 2019, pode crescer apenas 3,6%, em vez dos 4,4% antes previstos.
A dimensão do impacto sentido em Portugal depende contudo da
dimensão do abrandamento económico e da relação do país com os países onde se
verifica uma viragem do ciclo mais marcada.
Alemanha
O que está a acontecer. Nas últimas semanas, a economia
alemã foi a principal surpresa, pela negativa, para os mercados. O PIB já tinha
recuado 0,2% no terceiro trimestre do ano passado e, durante os últimos meses
do ano, os indicadores divulgados, especialmente na indústria, voltaram a ser
negativos, lançando no ar a ameaça de um novo recuo do PIB, o que colocaria a
Alemanha em recessão técnica. Na semana passada a autoridade estatística alemã
veio anunciar que se poderá ter registado um crescimento ligeiro no quarto
trimestre de 2018, escapando-se assim à recessão. Isso não chega, contudo, para
afastar as preocupações. Estaremos perante o fim da sequência impressionante de
resultados da economia alemã dos últimos anos? O seu modelo de crescimento por
via das exportações estará esgotado? Os próximos trimestres serão decisivos
para perceber, sendo que os mais optimistas acreditam que aquilo que se passou
no final de 2018 é apenas o efeito, que se espera passageiro, da adaptação da
indústria automóvel alemã às novas exigências ambientais dos mercados.
O que pode significar para Portugal. Tem sido nos últimos
anos o terceiro principal destino das exportações portuguesas e portanto, só
por isso, o impacto de uma travagem na Alemanha seria sempre significativo.
Mas, neste caso, o mais importante seria mesmo aquilo que significaria para
toda a zona euro deixar de contar com a sua maior economia a crescer.
China
O que está a acontecer. De acordo com as últimas
estimativas, a China poderá ter registado em 2018 um crescimento de 6,6%. Caso
se confirme, este número – que supera os sonhos de qualquer país europeu –
significaria para a China a variação do PIB mais baixa dos últimos 28 anos. A
economia chinesa, limitada pelo seu crescente endividamento e pressionada pela
tensão comercial com os Estados Unidos, está a abrandar de forma clara, levando
já a que em Pequim se anunciassem medidas de estímulo económico, como a descida
de impostos.
O que pode significar para Portugal. Embora tenham crescido
nos últimos anos, as exportações portuguesas para a China têm ainda um peso
reduzido no total e, por isso, o efeito do abrandamento do gigante asiático
faz-se sentir por aquilo que a China representa actualmente para a economia
mundial. De acordo com o FMI, a China contribuiu na primeira metade desta
década com 31% do crescimento da economia mundial, sendo já não apenas uma
potência exportadora, mas também uma das maiores potências consumidoras do
mundo. Outro impacto de um abrandamento chinês pode ser a redução do preço das
matérias-primas, algo que prejudicaria vários países emergentes, mas que
poderia beneficiar Portugal.
EUA
O que está a acontecer. A economia norte-americana cresceu
quase 3% em 2018 e é, em comparação com a Europa e a China, a potência que
parece resistir melhor aos sinais de abrandamento. Ainda assim, a generalidade
das previsões apontam para um abrandamento em 2019 para uma taxa perto de 2,5%
e existe o receio de que a volatilidade a que se tem assistido nos mercados
possa reduzir a confiança dos consumidores e forçar uma travagem mais
acentuada.
O que pode significar para Portugal. Um abrandamento forte
do consumo nos EUA afectaria Portugal de forma directa, já que este é o
principal destino fora da UE dos produtos portugueses, mas também de forma
indirecta, pelo que significaria para a economia de outros países europeus
importantes para Portugal.
Espanha
O que está a acontecer. O Governo espanhol viu-se forçado na
semana passada a rever em baixa a sua projecção de crescimento para este ano,
colocando-a agora nos 2,2%. Em 2017, a Espanha tinha crescido 3% e em 2018
2,5%. A pressão de Bruxelas para reduzir o défice mais rapidamente e os efeitos
do "Brexit" no turismo espanhol são factores de risco para a
economia.
O que pode significar para Portugal. É o principal comprador
de produtos e serviços portugueses, pelo que qualquer variação negativa
registada no consumo e no investimento, mesmo que de pequena dimensão, faz-se
de imediato sentir no desempenho das exportações portuguesas. E Portugal
partilha com Espanha o risco de se poderem tornar alvos dos mercados no caso de
uma nova crise no mercado de dívida.
Reino Unido
O que está a acontecer. Mais do que o abrandamento cíclico
da economia, o que preocupa no caso da economia britânica é o que pode vir a
acontecer no caso de um "Brexit" sem acordo. Aqui, os cenários
traçados vão de um ajustamento de curto prazo importante até a um efeito muito
negativo com repercussões durante muitos anos.
O que pode significar para Portugal. Seja por causa dos bens
vendidos, seja por causa dos turistas que chegam ao país, Portugal tem muito a
perder com uma saída desordenada do Reino Unido da União Europeia.
Itália
O que está a acontecer. Na semana passada, o Banco de Itália
deixou o aviso de que o país pode ter estado durante a segunda metade de 2018
em recessão técnica (dois trimestres seguidos de contracção da economia),
sinalizando que em 2019 a taxa de crescimento será bastante mais baixa do que
no ano passado. Depois de 1% em 2018, apenas 0,6% em 2019. O conflito entre
Bruxelas e Roma por causa do orçamento pode estar agora em pausa, mas a
economia italiana ainda não dá sinais de reanimação.
O que pode significar para Portugal. Um dos países
importantes para as exportações portuguesas, a Itália preocupa principalmente
pelo nível de instabilidade que uma crise grave – seja orçamental, seja
económica, seja financeira – traria aos mercados internacionais e, em
particular, ao mercado da dívida pública. Aqui, Portugal é sempre um país que
vê as suas taxas de juro subirem, mesmo que de forma mais ligeira, quando as
taxas italianas começam a disparar.
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