PATRIMÓNIO
Promessas há muitas, mas a Casa da Pesca continua ao
abandono
Depois de tentativas de assinaturas de protocolos falhadas
em 2007 e 2016, este poderá ser o ano em que a Casa da Pesca ganha uma nova
vida. Ministério da Agricultura e câmara de Oeiras garantem que elaboração do
documento que efectiva a cedência do espaço se encontra "em fase final de
execução". Município quer reabilitar o espaço.
Sebastião Almeida (Texto) e Daniel Rocha (Fotografia) 18 de Janeiro de 2019, 7:39
Na parte norte da Quinta do Marquês de Pombal, em Oeiras, a
vegetação cobre o tanque frontal da Casa da Pesca. O conjunto arquitectónico
pombalino, datado do século XVIII, integra os vastos terrenos da quinta mas
continua ao abandono, apesar de a classificação de monumento nacional obtida em
1940. O Ministério da Agricultura, proprietário do espaço, diz que há um
protocolo de cooperação com a câmara de Oeiras, que está “em fase final de
elaboração”. Contudo, a autarquia reitera que cabe ao ministério “ultimar os
detalhes do referido protocolo” para que as obras de reabilitação avancem.
O receio do grupo de cidadãos que, em 2018, lançou a petição
Salvar a Casa da Pesca é que tudo fique
na mesma, apesar das garantias dadas pelo Ministério: já em 2016 tinham sido
iniciados trabalhos para a criação de um protocolo que definiria “os termos de
cooperação e co-gestão” do património, protocolo esse que previa “a
reabilitação do conjunto monumental” e para cuja data de definição dos termos
ficara "estabelecido o mês de Junho”, lê-se numa troca de correspondência
entre o Fórum Cidadania Lx e o gabinete
do Ministério da Agricultura, datada de 14 de Junho de 2016.
O Ministério da Agricultura, contudo, nega que “teria sido
estabelecido o mês de Junho de 2016 como data limite para a definição de um
protocolo para a recuperação da Casa da Pesca”. Para o ministério, essas
informações “não correspondem à verdade”. No entanto, o documento a que o
PÚBLICO teve acesso, diz o contrário.
Quando questionado sobre quais os motivos para que em 2016 o
protocolo não tenha avançado, o Ministério da Agricultura não responde e
sublinha apenas que “o protocolo com vista à recuperação do espaço está em fase
final de elaboração”.
Mas a história do abandono já vai longa. Em 2012, o PÚBLICO
escrevia que o projecto de reabilitação da Casa da Pesca, da Cascata do Taveira
e do tanque frontal seria levado a cabo através de um protocolo entre o
Ministério da Agricultura e a câmara de Oeiras, que transformaria os terrenos
num parque temático agro-pastoril.
O projecto acabou por não sair do papel devido a
divergências entre o executivo da câmara de Oeiras e o Ministério da
Agricultura, argumentou à época o presidente da câmara, Isaltino Morais. Os
termos do acordo passavam pela cedência da quinta ao município, que, em
contrapartida, pagaria 15 milhões de euros para a construção de um laboratório
de Medicina Veterinária. Na recuperação da quinta teriam ainda de gastar outros
25 milhões de euros.
A câmara de Oeiras chegou a acordo para pagar metade do
valor exigido, pedindo em troca a cedência do espaço por 90 anos, mas o
ministério não aceitou. No final de contas, a Casa da Pesca continuou ao
abandono, até hoje.
A Casa da Pesca, uma propriedade de recreio para o repouso
das elites, que dava também apoio às actividades de pesca que ali se desenrolavam
no tanque fronteiro, pertenceu a Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de
Pombal, antes de ser adquirida, já no século XX, pelo jornalista e empresário
Artur Brandão. O senhorio vendeu posteriormente a quinta, repartindo-a por
vários proprietários.
Para o grupo de cidadãos que lança agora a petição, o
interesse histórico e artístico do local deveria sobrepor-se a qualquer entrave
burocrático. Os autores do documento chamam à atenção para os estuques que
retratam cenas marítimas, no interior da Casa da Pesca, “e cuja autoria tem
vindo a ser associada a Giovanni Grossi, famoso estucador da época”. Os
azulejos presentes na escadaria do jardim e espaços circundantes apresentam-se
com fissuras, devido à falta de manutenção.
A última intervenção conhecida remonta a 1961, ano em que
terão sido efectuadas obras ao telhado da casa e uma limpeza aos terrenos
circundantes, a cargo da então designada Direcção Geral de Monumentos
Nacionais.
Numa nota publicada
na página da missiva, reitera-se o “processo acelerado de ruína” a que todo o
conjunto está sujeito. Perante o “cenário dramático”, lê-se no documento, “é
inaceitável que o Ministério da Agricultura continue a protelar as
indispensáveis obras e que a Direcção-Geral do Património Cultural continue sem
impor o cumprimento das obrigações inerentes à salvaguarda de um bem
classificado".
A autarquia, questionada sobre o estado das negociações com
o Ministério da Agricultura, expressou a “boa-fé” que tem demonstrado no
desenrolar do processo e que “está disponível para receber o importante
património arquitectónico, recuperá-lo, mantê-lo e colocá-lo disponível ao
público”.
Além da Casa da Pesca, também o Paço Real de Caxias, pertencente
ao Ministério da Defesa, e a Quinta da Cartuxa, propriedade do Ministério das
finanças, estão ao abandono. A autarquia de Oeiras diz ter “projectos de
reabilitação em estudo” para todos os edifícios, desde que o Governo decida
“transferir as competências para o município”, sublinha.
No caso específico da casa pombalina, a câmara de Oeiras
assegura que têm sido realizadas negociações para a cedência do complexo, “a
pedido da autarquia”, sublinha.
O Ministério da Agricultura, em resposta às questões
endereçadas pelo PÚBLICO, esclarece que, o grupo de trabalho constituído em
2018 para dar resposta à situação de abandono e de reabilitação do espaço
elaborou um protocolo de cooperação com a câmara de Oeiras, que se encontra em
“fase final de execução”.
Esse protocolo define “os termos em que, em parceria com a
autarquia de Oeiras, se processará o modelo de gestão do património histórico
de forma a promover a reabilitação de um importante complexo edificado”.
Em respostas enviadas por email, fonte do Ministério da
Agricultura detalha que o novo protocolo irá abranger todo o complexo,
“designadamente a Abegoaria (ou Casal da Manteiga), a Casa dos Bichos da Seda,
a Casa do Fresco, a Pombal, a Mina, a Cascata do Taveira, a Cascata da Fonte do
Ouro, o lago e jardins adjacentes, o aqueduto e a rede pedonal de caminhos pombalinos
envolventes”. Resta, contudo, esperar que seja devolvida à Casa da Pesca uma
nova vida.
O PÚBLICO questionou a Direcção Geral do Património Cultural
sobre quais as diligências que têm sido empreendidas no sentido de avançar com
as obras de reabilitação, mas não obteve resposta até à data da publicação do
artigo.
Sem comentários:
Enviar um comentário