Mas a Caixa ainda é pública porquê?
David Dinis
Esta semana, a CGD perdeu a moral e perdeu valor. Sem
dinheiro, já tinha abdicado de fazer muito serviço público. Depois disto,
devemos mesmo discutir o papel da Caixa. Sim, e a nacionalização dos CTT
1.
Esconderam-nos a auditoria durante mais de um ano. A nós,
que pagamos a Caixa, mas também aos deputados, que nos representam. Agora
passaram todos uma vergonha – uma comentadora apanhou o documento e mostrou-nos
como o banco público era gerido.
Uma comissão de avaliação de risco que era ignorada – sendo
até 2008 liderada pelo próprio presidente do banco;
Garantias que não eram exigidas;
Créditos aprovados sem papéis;
Financiamento a um banco concorrente para financiar uma
guerra política e financeira;
Sete empréstimos totalmente perdidos pelo banco – sabe-se lá
quantos por favor;
Mais de 1,2 mil milhões em perdas – que serão bem maiores,
mas a investigação parou em 2015 quando a Caixa ainda não tinha dinheiro para
assumir todas as imparidades (como explicou bem a Helena Garrido, no
Observador).
Tudo isto demorou uma eternidade a ser conhecido. Tanto
tempo que os eventuais crimes se arriscam a uma prescrição. Tanto tempo que não
há inocentes na história. Nem o PSD e CDS, que pediram um inquérito mas nada
quiseram saber enquanto foram Governo (e quando tinham representantes na administração);
nem o PS, que pediu esta investigação, mas continua a esconder os resultados e
a chutar as responsabilidades para outros.
Mas já lá vamos. Primeiro, é preciso dizer que lhes perdemos
o respeito – aos antigos gestores da Caixa.
2.
Há dois anos, precisamente, Faria de Oliveira e Carlos
Santos Ferreira foram à comissão de inquérito à CGD dizer-nos que a culpa tinha
sido da crise, ou que não se lembravam dos créditos que tinham dado enquanto
presidentes do banco público.
Agora, mesmo depois de a amnésia ter passado, Faria de
Oliveira teve a lata de nos dizer que “o conselho de crédito dá pareceres que
não são vinculativos”; e que, “claro que não”, não deu créditos indevidos.
Parece que ainda é presidente da Associação Portuguesa de Bancos…
(Melhor fez Santos Ferreira – calou-se. Pelo menos não
trouxe mais desculpas).
A verdade é que, há dois anos, a Caixa foi recapitalizada
com 3,9 mil milhões dos nossos impostos. A verdade é que, para lá da crise que
afetou todos, houve muito má gestão na CGD, violando as regras que tinham que
ser cumpridas em qualquer banco – muito mais no que é público.
Sobre isto, não há perdão – mesmo que não haja pena
aplicada.
3.
O que também já sabemos são as consequências que a Caixa
sofreu. Precisou de um reforço de 4,9 mil milhões de euros, sendo que desses
3,9 mil milhões vieram dos nossos impostos (esqueça o BPN, pior só mesmo o
BES).
Sabemos, também, que Frankfurt e Bruxelas só autorizaram o
Estado a pôr tanto dinheiro na Caixa com uma condição: que o banco público se
passasse a comportar como um banco… privado. A primeira consequência foi ter
que se financiar no mercado, com taxas tão altas que seria improvável um
privado pagar: mais de 10%.
Quem também perdeu com isso foi quem trabalha na Caixa – ou
precisa dela. A partir de 2016, o banco teve que negociar muitas rescisões,
tirar direitos a trabalhadores (alguns dos quais sem o poder fazer), subir
comissões para quem tem lá conta (mesmo para os pensionistas e para os jovens)
e encerrar dezenas de balcões – sobretudo no interior do país.
Na prática, para o acionista Estado, ter a Caixa passou a
ser tarefa única: é só procurar quem queira ser presidente (aceitando entregar
declarações de rendimentos no TC). Depois, é deixá-la fazer o que os outros
bancos fazem, na esperança de que não dê mais prejuízo.
A avaliar pelo que descobrimos que era feito antes, não é
mau. Pelo menos deixou de ser gerida com favores políticos ou por
administrações que não cumprem as regras.
Mas, mesmo com fé que tudo isso tenha ficado para trás, já
não faz sentido manter o tabu de Mário Centeno. Com as restrições à gestão que
Bruxelas impõe, com as restrições à gestão que o setor público sempre trás
(restrições de salários, p.e.), que função tem hoje a Caixa como banco do
Estado? Vale mesmo a pena que seja 100% público?
4.
Porque ninguém quer discutir nada de estrutural, eis-nos
perante a esquizofrenia do nosso status quo político:
O PS pede auditorias mas esconde-as; aceita que a Caixa
jogue o jogo dos privados, mas não aceita discutir a privatização;
A esquerda (não podendo pedir a nacionalização) critica a
administração pelos fechos de balcões, mas não pede contas ao Governo;
incentiva as comissões de inquérito mas bloqueia as conclusões;
E a direita, no afã de ter argumentos políticos, já pede o
fim do sigilo bancário e exige o apuramento das decisões – depois de anos em
que abdicou de tirar as consequências.
Ainda não vou defender que se privatize a Caixa. Não agora,
que o banco desvalorizou tanto, e quando já nem lhe resta o sigilo bancário –
perdendo mais um argumento face à concorrência. Mas não alinho no tabu e
insisto mesmo na pergunta: havendo concorrência, havendo investidores
estrangeiros, a Caixa hoje é 100% pública porquê? Porquê, se já sabemos por
prova dada que o Estado vai sempre assumir as perdas com qualquer banco, seja
ele privado ou público?
5.
Foi exatamente um dia antes de se abrir este debate que o PS
se agitou com outro debate. Sobre os CTT. Vendo mais balcões a fechar pelo
interior, sentido a pressão dos seus autarcas, as distritais do Porto, Guarda,
Algarve, foram pedir a António Costa para que revertesse a privatização. Ou
seja, para que nacionalizasse os correios. No Parlamento, Bloco e PCP
aproveitavam a onda e gritavam em coro: nacionalize-se os CTT. Que pontaria.
Que triste figura, também. Porque na Caixa também se
fecharam balcões, também se piorou o serviço – que já é mais privado que
público. Mas como a Caixa já é do Estado, nunca mais se ouviram os protestos. É
política.
Mas é uma pena. Porque não faltam razões para criticar a
atual gestão dos CTT: uma distribuição louca de dividendos, uma evidente
estratégia de redução de custos, de balcões, de desinvestir num serviço que é
público, mas concessionado. E em monopólio (ao contrário da Caixa, já agora).
Ora aí está outro tabu que podíamos quebrar. Sim, podemos e
devemos discutir o futuro dos CTT: nacionalização, renegociação ou até a
abertura do negócio a outros concorrentes. Porque não?
O azar é que, com toda a polémica sobre a Caixa, quem se
salvou mesmo de uma pressão enorme foram os donos e administradores dos CTT.
Pena, porque mereciam mesmo um puxão de orelhas.
P.S. O Banco de Portugal e a administração de Paulo Macedo
alegam que já têm o relatório final “há muito tempo” e que este é “muito
diferente” do que o preliminar, agora conhecido pela mão de uma comentadora.
Primeiro: se já o têm há muito tempo por que não tomaram,
atempadamente, medidas adequadas? Ou faltam-lhe poderes para isso?
Segundo: se é muito diferente, por que não o dão a conhecer
agora e nos deixam ficar com o retrato errado?
Terceiro: se é mesmo muito diferente, mudou porquê? Alguém
perguntou? Ou como estava não dava jeito?
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