Proprietários já estão a ser notificados pelos
condomínios para encerrarem alojamentos locais
Rita Neto
30 Maio 2022
Depois do acórdão
do Supremo, já se registam casos de condomínios a notificarem proprietários de
alojamento local e a pedirem o encerramento dos mesmos. ALEP diz que situação
causa "receios" no setor.
Um mês depois de
ter sido conhecido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que trava novos
alojamentos locais em prédios de habitação, alguns condomínios já estão a tomar
medidas. Já há casos de empresários a serem notificados pelos condomínios para
encerraram os seus alojamentos locais. Associação que representa o setor diz
que o número de casos ainda é baixo, mas que a decisão cria bastante receio.
João Lopes (nome
fictício) vive na Suíça, mas tem um apartamento na Venda do Pinheiro, em Mafra,
que converteu em alojamento local quando saiu do país. “Primeiro pensei em
vender, mas desisti e decidi alugar no Airbnb”, conta ao ECO. Já lá vão mais de
dois anos desde que entrou na atividade. Depois de ter sido conhecido o
acórdão, no final de abril, “o condomínio mandou-me logo um email a perguntar
se eu estava a par do acórdão e a dizer que eu estava proibido de alugar” o
apartamento para alojamento local.
O primeiro
pensamento foi se esta decisão tinha algo que ver com eventuais barulhos que os
hóspedes fizessem. “Liguei para uma vizinha, porque seria a primeira a dar
conta do barulho, mas ela disse que nunca se apercebeu de nada. Então liguei
para o condomínio e disseram que não havia barulho, mas que houve alguém que fez
queixas de pessoas estranhas a entrarem e saírem do prédio“, explica o
empresário.
João Lopes falou
com a advogada e foi aconselhado a não fazer nada. “Falei com o condomínio e
disse-lhes que se quisessem avançar com um processo para o fazerem. Vou acatar
o que o tribunal disser. Mas se não avançarem com um processo não vou parar” a
atividade, diz.
De facto, perante
a lei, e mediante estas circunstâncias, os proprietários não têm de cessar a
atividade, uma vez que este tipo de comunicações “é algo que, do ponto de vista
da lei, não tem qualquer efeito automático“, explica ao ECO Raquel Ribeiro
Correia, consultora da Antas da Cunha ECIJA.
Se as notificações tiverem uma natureza meramente extra
judicial ou, no limite, forem notificações avulsas (…) não têm, por si só, a
obrigatoriedade de encerrar a atividade.
Raquel Ribeiro
Correia
Consultora da
Antas da Cunha ECIJA
“Se as
comunicações tiverem uma natureza meramente extra judicial ou, no limite, se
forem notificações avulsas, com uma simples manifestação de vontade do
condomínio de que o condómino cesse a atividade, essas comunicações não
implicam, por si só, a obrigatoriedade de encerrar a atividade“, acrescenta.
Este tipo de comunicações “não tem qualquer efeito automático. Depende da
vontade do proprietário cessar ou não a atividade”.
Luísa Monteiro
(nome fictício) tem dois apartamentos em Albufeira, ambos destinados a
alojamento local. Depois de ser conhecido o acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, um dos condomínios onde esta proprietária tem os imóveis mudou de
administração, tendo havido uma reunião extraordinária por causa disso.
“Mudaram-se alguns regulamentos e ficou falado nessa reunião (mas não em ata)
que não se iam aceitar novos alojamentos locais nos prédios”, conta ao ECO.
“Quanto aos alojamentos locais já existentes, iriam esperar por novas leis”.
Esta proprietária
não foi, por enquanto, notificada, mas as intenções daquele condomínio são
claras. Uma das razões apontadas durante a reunião de condomínio para o fim do
alojamento local naquele prédio foi o facto de haver “pessoas importantes” a
morar lá. “Num dos prédios há, pelo menos, cinco apartamentos alugados” em
regime de alojamento local e no outro são 12 apartamentos, todos dedicados a
esta atividade, nota Luísa Monteiro.
Alguns condomínios viram as notícias que foram sendo
publicadas e, sem perceberem muito bem, resolveram mandar cartas [aos proprietários
de alojamentos locais].
Eduardo Miranda
Presidente da
Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP)
A Associação do
Alojamento Local em Portugal (ALEP) já tem conhecimento de alguns casos
semelhantes. “São pontuais, mas são desagradáveis”, diz Eduardo Miranda, ao
ECO. “Alguns condomínios viram as notícias que foram sendo publicadas e, sem
perceberem muito bem, resolveram mandar cartas” aos condóminos proprietários de
alojamentos locais, diz o presidente da associação.
Pelas redes
sociais, em grupos de alojamento local, há mais relatos. “Está a acontecer o
mesmo comigo. Expliquei que tem de haver [uma] queixa. Dizem [os condomínios]
que a lei é clara [e que] não pode haver alojamentos locais em prédios e que
eles não querem”, escreveu uma proprietária. “Eu tive dois condóminos que
exigiram o cancelamento das reservas no verão. Senão pedem uma reunião para
proibir [o alojamento local]”, escreveu outro.
Acórdão veio “dar
colo” às “preocupações” dos condóminos
A consultora da
Antas da Cunha diz que “este tipo de iniciativas por parte dos condomínios era
expectável”, uma vez que “existem vários condóminos que se sentem
lesados/ameaçados do ponto de vista do sossego, segurança, usos das áreas
comuns, etc.”. Ao ECO, Raquel Ribeiro Correia nota que “este acórdão acabou por
vir dar colo a estas preocupações de uma série de condomínios”.
O presidente da
ALEP corrobora estas afirmações e nota que “a maior parte dos condomínios” que
se está contra o alojamento local “são vizinhos” insatisfeitos. “O maior receio
que tínhamos era que este acórdão fosse utilizado pelos condomínios em rixas
pessoais ou chantagens. Pode ser uma desavença com o condómino vizinho. E ficar
à mercê de humor ou chantagem é sempre uma situação de algum receio“, diz
Eduardo Miranda.
A jurista Raquel
Ribeiro Correia explica que este tipo de notificações por parte dos condomínios
“é uma antecâmara do ponto de vista judicial” e “funciona como um ato
preparatório de um processo judicial”. Ou seja, os condomínios precisam,
efetivamente, de avançar com um processo judicial para encerrarem um alojamento
local e, nesses casos, após este novo acórdão, “o desfecho é bastante
expectável”. “Aos olhos do Supremo Tribunal de Justiça, essa atividade
[alojamento local] é agora ilegal”, afirma.
Não acredito [que o condomínio avance para tribunal]
porque eles não estão para gastar dinheiro. É capaz de cair no esquecimento.
João Lopes (nome
fictício)
Proprietário de
um alojamento local
Apesar disso, tal
como já referiu anteriormente, o presidente da associação não acredita que este
acórdão “vá ter essa repercussão”, ao ponto de vários condomínios se revoltarem
contra a atividade. João Lopes, proprietário do apartamento na Venda do Pinheiro,
pensa o mesmo. “Não acredito [que o condomínio avance para tribunal] porque
eles não estão para gastar dinheiro. É capaz de cair no esquecimento”, diz ao
ECO. Luísa Monteiro também acredita “que, pelo menos no Algarve, não vai dar em
nada”.
Situação “pode
criar receios no investimento”
De um modo geral,
este acórdão vai ter impacto no setor do alojamento local, no turismo e até no
investimento imobiliário. “Naturalmente preocupa, porque cria um ambiente de
receio, sobretudo nas zonas de praia”, diz o presidente da ALEP, ao ECO. “É mau
para as zonas de praia, porque quem vai comprar casa [para alojamento local]
fica na dúvida se o registo amanhã é cancelado por iniciativa de algum
condomínio“, completa.
Eduardo Miranda
fala num “ambiente de insegurança desnecessário” para o turismo e para o
investimento imobiliário. “Nas zonas de praia, onde o alojamento local era
importante para viabilizar economicamente o custo do imóvel, este acórdão é
principalmente um travão ao investimento”, diz.
Um acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, conhecido a 21 de abril e publicado entretanto em Diário
da República, veio estabelecer que “no regime da propriedade horizontal, a
indicação no título constitutivo de que certa fração se destina a habitação
deve ser interpretada no sentido de nela não ser permitida a realização de
alojamento local“. O Governo já se pronunciou sobre este acórdão, afirmando que
esta decisão “tem um impacto muito significativo no setor”.
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