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EDITORIAL
A “política” do acidente de Eduardo Cabrita
Pedir a demissão de Eduardo Cabrita por estar no banco de
trás de um carro que gera um acidente mortal não cabe nos valores de uma
sociedade e de uma classe política decentes
Manuel Carvalho
2 de Julho de
2021, 6:34
https://www.publico.pt/2021/07/02/politica/editorial/politica-acidente-eduardo-cabrita-1968788
O atropelamento
de um cidadão que trabalhava nas obras de uma auto-estrada pelo automóvel onde
seguia o ministro Eduardo Cabrita saiu num instante do rol dos casos do dia em
que se relatam os acidentes e transformou-se numa questão política. Bem se sabe
que o ministro geriu da pior forma possível a comunicação da ocorrência, não
explicando ou deixando no ar dúvidas legítimas sobre a responsabilidade do
motorista, sobre as circunstâncias do atropelamento, sobre as contradições na
existência ou não de avisos das obras ou sobre a velocidade a que o automóvel
circulava. Mas sabe-se também que Eduardo Cabrita não é o ministro ou o cidadão
com direito a imprevistos: é o político mais criticado do Governo. A conjugação
destas duas realidades deu lugar a um circo que usa um acidente trágico para
criar uma ideia de culpa ou irresponsabilidade.
Ainda num quadro
de condolências, num momento dramático da vida pessoal do ministro, a direita
mais inflamada e justiceira esqueceu que um acidente é um acidente e decidiu
prosseguir a ofensiva política no sentido da sua demissão. A pressa desse
instinto justiceiro dispensa a procura de respostas para as zonas cinzentas que
ainda cobrem o filme do acidente ou o momento em que toda a verdade seja
apurada e divulgada e eventuais consequências penais aplicadas. Um acidente com
Cabrita não pode ser um acidente como os que acontecem no quotidiano. Tinha de
ser sujeito ao julgamento sumário. A indecência desta atitude não se justifica
apenas pelo cumprimento do princípio da presunção da inocência: os custos
psicológicos do acidente no estado de espírito do cidadão Cabrita devem merecer
igualmente respeito.
Estamos, no
entanto, num tempo em que se torna muito difícil distinguir a política nobre da
política do pelourinho. Os políticos não têm direito ao azar, à infelicidade ou
à imprevisibilidade da vida. Eduardo Cabrita, já aqui o escrevemos, é um
ministro cujos erros, omissões ou irresponsabilidades justificam há muito a sua
demissão. Mas entre o que aconteceu no caso de Ihor Homeniuk ou na festa do
campeonato do Sporting e um trágico acidente vai uma grande distância. Se é uma
virtude cívica e política exigir que assuma as consequências dos seus muitos
erros recentes, é demagógico apontar-lhe o dedo para que assuma os custos de
uma tragédia na qual não cabe nem a intencionalidade nem a deliberação. Pedir a
demissão de Eduardo Cabrita por estar no banco de trás de um carro que gera um
acidente mortal não cabe nos valores de uma sociedade e de uma classe política
decentes.


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