OPINIÃO
Qualificar para
emigrar?
O nosso sistema
educativo está a estimular a emigração qualificada enquanto esta é compensada
por uma imigração menos qualificada.
José Ferreira
Gomes
28 de Novembro de
2019, 5:15
Com a publicação
do Estado da Educação pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) voltou às
primeiras páginas da imprensa (PÚBLICO, 26 de novembro de 2019) a discussão do
nosso aparente atraso na qualificação superior da população residente na faixa
de 30 a 34 anos. O objetivo de 40% fixado há uma década parecia atingível, mas
vamos ficar bastante longe. Em 2018 estaríamos nos 33,5%. Um escândalo! E o CNE
reclama “uma atenção e um esforço” suplementares, “designadamente uma
reapreciação das condições de acesso ao ensino superior”.
O programa de
governo aponta novamente este objetivo (40%) como o grande desiderato das
políticas a prosseguir no ensino superior nos próximos quatro anos. Agora é que
vai ser! Quando os políticos querem, os números serão forçados a satisfazer
essa vontade soberana.
E, contudo, o
número de estudantes inscritos no ensino superior mantém-se em alta apesar da
demografia desfavorável. A percentagem da coorte a aceder ao ensino superior
continua a crescer de forma robusta. O número de licenciados continua a
manter-se bem acima dos 40% da coorte, acima do objetivo português e do
objetivo da União Europeia. Algo não bate certo.
A solução
apontada pelo CNE de facilitar o acesso direto a licenciatura aos alunos que
terminem o secundário pela via profissional tem sido objeto de uma forte
campanha pela Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (um órgão de
representação de universidades e politécnicos, públicos e privados) e só não
terá sido apoiada pelo Governo por saber que o acesso é o único tema do
superior que demite ministros... A Agência de Avaliação e de Acreditação do
Ensino Superior tem manifestado preocupações quanto à qualidade académica dos
estudantes já hoje admitidos em algumas licenciaturas e aponta o precedente da
autorização de concursos locais para o acesso dos maiores de 23 anos (que
provocou uma súbita explosão do número de estudantes admitidos por esta via em
muitas instituições, especialmente em institutos politécnicos e universidades
privadas).
Se vingar a
posição dos que defendem a criação de um novo canal de acesso por concurso
local para os diplomados profissionais do secundário, estaremos a optar por uma
visão do interesse público diferente da que outros parceiros europeus vêem. Por
um lado, temos já (relativamente) mais jovens licenciados do que a Espanha, a
França ou a Alemanha, não sendo talvez esta a nossa maior carência. Por outro,
ingleses e alemães estão a fazer um esforço grande para reforçar e tornar mais
atrativas as vias vocacionais no secundário e no superior. Na Inglaterra, com a
criação de um novo tipo de instituições de ensino superior não universitário;
na Alemanha, com a criação de novos títulos académicos, a licenciatura
profissional (Bachelor Professional no original alemão – nível 6) e mestrado
profissional (Master Professional – nível 7) para dar sequência ao perfil de
formação já existente no nível 5 do Quadro Nacional de Qualificações (geprüfte
Berufsspezialist). O Parlamento alemão justifica esta lei inovadora pelo receio
de que demasiados jovens (mais de 50%) possam optar pelos percursos académicos
bem estabelecidos nas universidades ou nos politécnicos em prejuízo da
capacidade de manufatura da Alemanha.
O problema
português é bem diferente do identificado pelo Governo quando assume como
grande objetivo do ensino superior para a legislatura os 40% de diplomados (30
a 34 anos). Apesar de parecer bem ao nosso alcance, este objetivo tem-nos
escapado por erros na oferta educativa superior que tem criado frustração nos
diplomados que não conseguem satisfazer as suas expectativas e se sentem
obrigados a emigrar. Nos últimos 30 anos recuperamos o nosso atraso, mas não
conseguimos ajustar os perfis educativos oferecidos aos jovens à nossa
realidade (atual e de futuro próximo), criando assim frustração e uma forte
emigração de diplomados jovens. Este é o escândalo. O Instituto Nacional de
Estatística regista uma emigração de 31.600 pessoas em 2018, dos quais 40% têm
(pelo menos) o grau de licenciado. É sabido que o fluxo de imigração mais que
compensa esta saída, mas é maioritariamente não qualificado.
Em resumo, o
nosso sistema educativo está a estimular a emigração qualificada enquanto esta
é compensada por uma imigração menos qualificada. Esta é a realidade que difere
muito do discurso político oficial. A maioria dos países com políticas de
imigração bem estabelecidas dá preferência aos mais qualificados. Portugal cria
condições para que os seus melhores jovens qualificados emigrem. Estará o CNE a
recomendar que continuemos a frustrar os sonhos dos nossos jovens?
O autor escreve
segundo o novo Acordo Ortográfico
Sem comentários:
Enviar um comentário