OPINIÃO COFFEE
BREAK
21 desabafos de
polícias
Muitos polícias
escreveram longos emails sobre o seu quotidiano. Excertos de alguns.
Bárbara Reis
29 de Novembro de
2019, 7:03
Recebi 40 emails
a comentar o coffee break sobre o Chega e as forças de segurança, a maior parte
enviados por polícias. Um deles vinha assim identificado: “Subject: Desabafos
de um Polícia.”
São longos
emails, alguns com mais de dez mil caracteres. Andei às voltas a pensar o que
fazer com os retratos que contam. Decidi fazer a coisa mais simples. Dar-lhes
voz.
— “Chegamos a
estar três semanas sem viatura, porque a que tínhamos avariou e não havia outra
para substituir.”
— “Cheguei a conduzir
carros com os arames dos pneus de fora de tão carecas que estavam, carros que o
fumo dos motores era, de uma forma que não consigo explicar, enviado para o
interior do carro; outros em que, após ouvir um barulho estranho, percebi que
os apoios do motor eram duas braçadeiras de plástico.”
— “Nas polícias,
vende-se muito a imagem. Quando há cerimónias, mandam-nos guardar/esconder os
carros ‘velhos’. Já me aconteceu sair uma roda do carro em andamento. Carros a
passar os 400 mil e sem verba para manutenção.”
— “Ser chamado a
um bar para retirar de lá um indivíduo a quem foi negado a venda de mais
bebidas alcoólicas, por se encontrar em visível estado de embriaguez e ter
cometido desacatos, pode ter vários desfechos: a pessoa pode sair sem
problemas, a pessoa pode bater com a própria cabeça no balcão e depois ir fazer
queixa de que foi agredido (sim, as pessoas fazem isso), a pessoa agredir os
agentes da autoridade ou tentar esfaqueá-los.”
— “É verdade que
os polícias compram coletes. Sãos os coletes balísticos da categoria III-A para
uso interior, ou seja, veste-se uma T-shirt de manga curta, coloca-se o colete
e depois o pólo do uniforme. Este colete custa entre 700 a 1000 euros e há
lojas autorizadas que os vendem a prestações. Os que custam 700 euros não são
contra espigões, ou seja, não protegem de uma faca. Os mais caros têm
tecnologia que protegem tanto das balas como das facadas.”
— “A PSP já
começou a fornecer algemas, só que em número insuficiente. Damos a volta à
questão e compramos braçadeiras de plástico. São muito leves e mais eficientes
do que as metálicas. O problema é que quando se liberta o detido, a braçadeira
vai para o lixo porque tem de ser cortada.”
— “Quando cheguei
a Lisboa fiquei abismado com as condições do edifício no qual presto serviço,
ao perceber que nem papel higiénico tinha. Tive de descobrir também um jogo
novo enquanto estou na sanita: o jogo do Calca Barata. Até é engraçado as
primeiras vezes. Depois cansa. Tive ainda o prazer de partilhar a minha
refeição com um rato. Na altura, todos achámos piada, mas depois dei por mim a
pensar: ‘Que miséria, tenho que me rir para não chorar.’”
— “Um
destacamento da GNR inaugurado não há muito tempo e é só infiltrações. Nestes
dias que tem chovido, é agua por todo o lado!”
— “Há pouco tempo
fui ao Comando da GNR do Porto e dei conta de instalações sem as mínimas
condições. Insalubres.”
— “A cadeira onde
me sento para fazer o expediente está velha e rasgada, mas é das poucas que
temos. Fui eu que a levei para lá, quando comprei uma nova para estar ao
computador em casa.”
— “Na minha
esquadra há cinco ou seis computadores: um para o comandante, dois para a
secretaria, um para o graduado de serviço, outro para o adjunto do comandante
e, por fim, o da patrulha. Adivinhe qual é que tem mais de 10 anos e funciona
com o Windows XP? Claro: o da patrulha. Quantas horas perdidas num computador
que, após quase estar a terminar um expediente, se desliga ou encrava.”
— “É
impressionante a quantidade de pessoas afectas a introduzir dados em sistemas
redundantes e de forma complexa para as estatísticas.”
— “Uma bela
madrugada, quando me preparava para entrar ao serviço no turno 00h-8h, enquanto
era feita a rendição, foram-me ditas as seguintes palavras: ‘Se aparecer aqui
alguém para apresentar queixa, tens de mandar para outra esquadra, porque
estamos sem papel de impressora’. Não acredita? Nem eu queria acreditar.”
— “Quando entrei
para a Polícia, foi-nos dito que o efectivo era de 24 a 25 mil homens e
mulheres. Em seis anos, 20% desse efectivo desapareceu. Quando cheguei a
Lisboa, além dos dois carros patrulha a circular na minha esquadra (cada um com
dois polícias), entrávamos de patrulha apeada entre cinco a seis operacionais,
contando com o graduado de serviço (chefe). Hoje, trabalhamos com o mínimo dos
mínimos: um elemento de graduado de serviço (normalmente um agente), dois no
carro-patrulha e um na patrulha apeada (sentinela). Pois: numa esquadra que
serve uma população [de dezenas de milhares de pessoas], há DOIS polícias na
rua. Agora imagine os turnos em que [temos] 14 ou 15 ocorrências, quatro, cinco
ou mais peças de expediente, e no dia seguinte espera-nos mais do mesmo. Isto
faz com que quase ninguém queira exercer as funções de carro patrulha.”
— “Podia falar
dos guardas que tinham de pôr madeira por baixo dos bancos dos carros de tão
desgastados estavam.”
— “De acordo com
o nosso estatuto, as funções de Graduado de Serviço (que na ausência do
comandante de esquadra é o responsável máximo), devem ser exercidas por um
chefe ou um Agente Principal ou, em último caso, um Agente. Se esse Agente
efectuar essas funções por um período superior a 30 dias consecutivos, deverá
auferir o salário da classe profissional imediatamente acima da sua (Agente
Principal). Como é que se dá a volta a isto? Põe-se o Agente a fazer de
Graduado de Serviço 29 dias e depois vai outro. E vamos trocando.”
— “Daqui
escreve-lhe um polícia que já comprou material para o serviço e para usar no
serviço; um polícia que já comprou do próprio bolso refeição a criminoso; um
polícia que conhece outros que até tapetes compraram para viaturas ou usaram
ferramentas pessoais para arranjar coisas no serviço e até tinta para pintar
paredes.”
— “O senhor
ministro disse que os polícias não compram algemas. Mentira. Eu até hoje, em 22
anos, nunca me ofereceram um par.”
— “O Governo
dá-nos uma verba irrisória para comprar o fardamento. Criou uma plataforma
autorizada de venda de fardamento que não funciona, e cujo caderno de encargos
não corresponde ao contratado. Outas entidades particulares vendem fardamento
de melhor qualidade.”
— “A velha
armadilha dos polícias nos bares, secretarias, arrecadações de material,
mecânicos, armazéns: não acha estranho que todos os ministros falem grosso a
entrar e depois se calem com isto? Simples. Essas pessoas estão a preencher um
lugar necessário. Quem faria o serviço? Civis? E dinheiro para os contratar? E
o que fazer aos polícias que vão envelhecendo e, pela ordem natural da vida
(são profissionais, mas não têm sempre 20 anos) perdem capacidade física? Um
homem ou uma mulher de 50 anos deve andar na patrulha?”
— “O patrulheiro
aos 50 anos está exausto por perder noites em claro, fins-de-semana sem a
família, etc. As carreiras dos operacionais da PSP e dos oficiais são
totalmente diferentes: os oficiais a partir do posto de Comissário ficam
sentados numa secretária das 9h às 17h. Os sindicalistas que desmintam
isto.”
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