Espanha não tem
assegurado os caudais acordados para o Douro, Tejo e Guadiana
Governo diz que a
gestão que Espanha fez do caudal do Tejo “não é aceitável”
Uma média de 14
milhões de metros cúbicos de água diários foi libertada da barragem de Cedilho,
durante o mês de Setembro, para que Espanha cumprisse a Convenção de Albufeira.
As consequências económicas, ambientais e sociais reflectem-se num cenário
“dramático”. O Governo português nunca recebeu explicações de Espanha
Carlos Dias 3 de
Novembro de 2019, 6:01
O ano hidrológico
2018/2019 terminou no dia 30 de Setembro e, decorrido um mês, continuam a
desconhecer-se os motivos que forçaram as autoridades espanholas a escoar para
o oceano Atlântico, durante o mês de Agosto, cerca de “430 hectómetros cúbicos”
de água referiu ao PÚBLICO o Ministério do Ambiente e da Acção Climática
(MAAC). Este era no final de Agosto, o débito em falta para atingir o volume
anual integral estabelecido na Convenção de Albufeira (CA), que é, para o rio
Tejo, de 2.700 hectómetros cúbicos que devem ser enviados para Portugal durante
um ano hidrológico, neste caso, entre o início de Outubro de 2018 e o final de
Setembro de 2019.
“Nunca se tinha atingido uma situação em que o
diferencial do escoamento acumulado em Junho para o integral anual tivesse uma
diferença tão significativa, mesmo nos anos em que se verificaram condições de
excepção” acentua o MAAC. Em apenas um mês, uma média diária de 14 milhões de
metros cúbicos, foi lançada para jusante da barragem de Cedillo, directamente
para o oceano Atlântico sem qualquer proveito.
A gestão
realizada por Espanha durante o ano hidrológico 2018/2019 para lançar o regime
de caudais anuais “não é aceitável e sobre isso Portugal já o referiu de forma
clara a Espanha, que vai reforçar a sua atitude na próxima reunião plenária da
CADC (Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção de Albufeira)
propondo o incremento de mecanismos de controlo que permitam evitar no futuro
situações desta natureza” afirmou ao PÚBLICO o MAAC.
Com efeito, até
ao dia 1 de Julho de 2019, tinham passado pelo sistema de descarga da barragem
de Cedillo 2.256 hectómetros cúbicos, ou seja “84% do fluxo integral anual
mínimo de 2.700 hectómetros cúbicos/ano”, pode ler-se na página do Ministério
para a Transição Ecológica (MTE) de Espanha.
Dada a escassez
de tempo para cumprir os acordos da CA, a Confederação Hidrográfica do Tejo
(CHT) deu instruções à Iberdola para iniciar descargas de maior volume e, a
partir do dia 9 de Setembro, acentuou-se o processo de esvaziamento da
albufeira de Cedillo. Naquele dia, o MAAC recebeu um email do sub-director
Geral do Planeamento e Uso Sustentável da Água com a seguinte informação:
“Somos obrigados a cumprir o regime regulado e, consequentemente, solicitámos à
Iberdrola que liberte os caudais necessários, forçando a descida do reservatório
de Cedillo muito além de sua faixa usual de armazenamento. Esperamos que a
acentuada descida (no nível da água), não cause problemas.”
Na resposta a
esta comunicação, Portugal, através da Agência Portuguesa do Ambiente (APA)
solicitou que lhe fosse remetido uma calendarização das intervenções a efectuar
e como “pensavam compensar com descargas da albufeira de Alcântara, para evitar
uma descida tão acentuada de quase 20 metros do nível da albufeira face à cota
que em regra esta albufeira se encontra, e que teria consequências ao nível da
qualidade da água”. Mas, apesar das “várias as interpelações, quer com a
Direcção-Geral das Águas, quer com a Confederação Hidrográfica do Tejo”, entre
as quais uma nota onde a APA fazia uma “avaliação crítica da situação” do que
se estava a verificar, “Portugal nunca recebeu uma resposta muito clara sobre
esta opção”.
Era patente o
risco de fazer cumprir o regime mínimo de caudais “apenas à custa dos volumes
armazenados em Cedillo, sem compensar através de Alcântara para evitar uma
descida tão abrupta”, observa o MAAC. Reagindo às acusações que têm sido
formuladas sobre o modo de intervenção da Confederação Hidrográfica do Tejo
(CHT) e a aparente apatia de Portugal perante a decisão o MAAC argumenta: “Não
teria de partir de Portugal a opção de Espanha não cumprir o regime mínimo de
caudais previsto na Convenção.”
Movimento proTejo diz que Espanha não cumpriu
caudais acordados para o rio Tejo
A decisão das
autoridades espanholas reduziu, entre os dias 3 e 9 de Setembro, a reserva de
água de Cedillo dos cerca de 250 para os 196 hectómetros cúbicos. A 17 de
Setembro descia para os 161 hectómetros cúbicos e a 24 de Setembro estava nos
113. Quando terminou o ano hidrológico, a 30 de Setembro, restavam apenas 79
hectómetros cúbicos. Na semana seguinte baixou ainda mais para os 72 e, no dia
28 de Outubro, os dados mais recentes publicados pelo MTE, referem que a água
em Cedillo mantinha-se sensivelmente no mesmo nível do registado no início do
mês passado, cerca de 78 hectómetros cúbicos.
O vazamento da
albufeira de Cedillo deixou os sedimentos à vista e “secou” os rios Sever e
Ponsul que nela confluem. O resultado das descargas com a finalidade de Espanha
garantir o cumprimento da Convenção de Albufeira, “não pode ser aceite”
contesta Armindo Silveira, membro do Movimento próTEJO, realçando as
consequências ambientais e económicas provocadas por um volume de descarga sem
paralelo. Na terra onde vive, em Abrantes, o ambientalista recorda: “Num dia o
rio parecia um oceano e, no dia a seguir, tínhamos um ribeiro perante os nossos
olhos.”
As consequências
ambientais e económicas não têm paralelo na história das comunidades de
Montalvão e Cedillo. José da Silva, presidente da Junta de Freguesia de
Montalvão, não é parco nas palavras para definir a sua revolta perante a
atitude das autoridades espanholas. “Ninguém passa cartão à gente. Apenas
soubemos quando as comportas já estavam a descarregar água”, refere o autarca.
O barulho da água
que saía com intensidade e volume nunca vistos chegou a alarmar as pessoas das
duas comunidades vizinhas. “Pensámos que haveria muita água a montante e para
evitar uma enxurrada abriram as comportas de Cedillo” presumiu José da Silva. O
nível das águas da albufeira foi baixando, baixando e se via água a entrar de
montante.
Espanha não divulga caudais que debita no Guadiana e
Portugal publica dados errados
Pela primeira vez
desde que a barragem fora construída, em meados dos anos 60, que os residentes
mais idosos de Montalvão não viam os vestígios que ficaram dos antigos moinhos
de água que a albufeira cobriu no rio Sever. No rio Ponsul, que tem a sua
confluência com o Tejo na margem oposta, corre um fio de água.
O panorama é
desolador. “Já vi as águas da albufeira de cor verde, amarela, e agora estão
pretas. Quando não havia barragem, era espelhada”, protesta o presidente da
junta de freguesia de Montalvão. Nas margens que antes ladeavam o rio Tejo de
um verde intenso da vegetação ribeirinha, agora estão nuas, escalvadas a demonstrar
como o nível da água desceu pelo menos 10 metros. “O leito do rio e da barragem
tem quatro metros de sedimentos” observa o autarca com uma apreciação marcada
pela tristeza. “A barragem destruiu o nosso modo de vida e até o peixe mudou de
cor e já ninguém come barbos ou bogas.”
O “ Balcón del
Tajo”, barco que transportava quem fazia turismo natureza ou se deslocava às
compras nas superfícies comerciais de Castelo Branco, vindos de Cedillo, está
agora retido no meio da albufeira em cima dos sedimentos acumulados ao longo de
décadas. O cais metálico onde os passageiros embarcavam está dependurado na
margem esquerda da albufeira, assim como barcos de recreio, ou utilizados pelos
pescadores, que ficaram presos nas amarras balançando-se sobre um penhasco que
há cerca de dois meses estava coberto de água.
O PÚBLICO
deslocou-se à povoação de Cedillo, que fica a 12 quilómetros de Montalvão. Tem
pouco mais de 450 habitantes, mas o ambiente contrasta com o de Montalvão.
Abundam as esplanadas e o convívio entre as pessoas, mas também as queixas
sobre os acontecimentos das últimas semanas merecem criticas.
Juan Rosado, 80
anos, compreende o mal-estar da população vizinha de Montalvão. “Nunca vimos a
água tão baixa” e lamenta que as autoridades do seu país “não tomassem os
cuidados devidos com Portugal” afirmando que a população não foi informada
previamente que iam proceder descargas na barragem. O modo como foram feitas
“chegou a alarmar as pessoas” observa o residente de Cedillho.
O alcaide local
António González Riscado analisa o que aconteceu com desagrado por considerar
que “houve uma má gestão da água no Tejo ao longo de todo o ano”. A Iberdola,
instada pelo PÚBLICO a comentar a afirmação do autarca espanhol, referiu que
actuou “conforme estabelecido pela Convenção de Albufeira”, e que “o volume de
água estabelecido em cada período está a ser entregue”.
Espanha não tem assegurado os caudais acordados para
o Douro, Tejo e Guadiana
Nos
esclarecimentos que solicitou às autoridades do seu país, o autarca espanhol
pode concluir que “a Iberdrola jogou com a possibilidade” de a União Europeia
poder vir a declarar “uma situação de emergência por causa da seca” antes da
data limite para o cumprimento da Convenção de Albufeira, o dia 30 de Setembro.
Como isso não aconteceu, a empresa espanhola, que ao longo de 10 meses “apenas
largou o caudal mínimo, teve de enviar o que estava em falta, todo de uma vez”
explicou António Riscado, reprovando a decisão de “lançar tanta água ao mar sem
proveito nenhum e que acabou por causar prejuízos a todos” acentua. A Iberdola
diz que “não comenta as declarações” do alcaide de Cedillo.
Os efeitos da
decisão espanhola foram imediatos: os rios Sever e o Ponsul estão secos e a
empresa que explora a navegação do barco “Balcon del Tajo” deixou de poder
navegar, e assim satisfazer os seus compromissos com as pessoas que já tinha
para transportar até ao Natal. António Riscado enumera as consequências
ambientais que o preocupam. “Os pescadores deixaram de poder pescar, porque já
há peixe a morrer e outra fauna ribeirinha também vai morrer.” Outro dado
preocupante para o autarca: “Não vai haver água tão cedo para encher a
albufeira.” E sublinha que as barragens a montante, como a de Alcântara, “já
não têm mais água para alimentar o caudal do rio”. A que resta, cerca de 1.350
hectómetros, está destinada ao consumo humano da cidade de Cáceres.
O volume de água
armazenado nas 51 barragens que Espanha ergueu na bacia hidrográfica do Tejo,
em pleno Outono, à data de 28 de Outubro, situava-se nos 3.833 hectómetros
cúbicos, quando a sua capacidade de armazenamento total é de 11.051 hectómetros
de metros cúbicos. Em igual período de 2018 atingiu os 5.386 hectómetros
cúbicos. É óbvia a escassez de água em território espanhol. E, se não chover, a
situação será “dramática” para as comunidades que se localizam ao longo do rio
Tejo em território português, antecipa Armindo Silveira, dirigente do Movimento
pró Tejo.
O PÚBLICO
solicitou esclarecimentos ao Ministério da Transição Ecológica espanhol, mas
até ao fecho desta edição não obteve resposta.
Desde a abertura
de fronteiras entre Portugal e Espanha, em Junho de 1992, quando os dois países
passaram a fazer parte do espaço Schengen (convenção estabelecida entre países
europeus sobre a livre circulação de pessoas no interior da Europa), que a
ligação entre as localidades de Montalvão e de Cedillo através do coroamento da
barragem só está aberta desde as 9 horas de sábado às 22 horas de domingo. Fora
deste período, a circulação está interdita, por se tratar de uma propriedade da
Iberdola, que tem poderes para decidir quando abre ou fecha as ligações naquele
ponto da fronteira, alegando a necessidade de salvaguardar a segurança dos
equipamentos.
Este
constrangimento tem-se revelado um “obstáculo” ao desenvolvimento das
comunidades de Montalvão e da localidade vizinha no outro lado da fronteira,
situada a cerca de 12 quilómetros. O presidente da junta de freguesia de
Montalvão, José da Silva, que se queixa da falta de acessibilidades mantém na
sua agenda reivindicativa a construção de duas pontes reclamadas há décadas:
uma que ligue a povoação de Montalvão a Cedillho e outra a Castelo Branco.
“Vivemos no
interior do interior, abafados pela Espanha e a Beira” realça o autarca. Mas a
experiência e a realidade dizem-lhe que será muito difícil fixar pessoas à
terra. A alternativa passa por “conseguir atraí-las para disfrutar das nossas
belezas naturais, da gastronomia e até como local de passagem para outos
lugares”.
José da Silva que
nasceu em Montalvão há 77 anos, diz que ouvia dizer mesmo antes da barragem de
Cedillo ser construída no início dos anos 70 do século passado, que obra iria
incluir uma passagem do distrito de Portalegre para o de Castelo Branco,
garantido a travessia do Tejo. Esta possibilidade nunca se consumou, mesmo
sabendo-se que a sua estrutura se localiza inteiramente em território
português.
Os sucessivos
avanços e recuos protagonizados pelas autoridades espanholas, que ora dizem
avançar com a ponte e depois adiam ou suspendem a sua construção, avisaram o
autarca de Montalvão para o facto de o projecto não depender de Portugal.
Este facto
alimenta-lhe o cepticismo. “Duvido que a ligação para Cedillo venha alguma vez
a ser construída”. Enquanto descrevia ao PÚBLICO os avanços e recuos do
projecto, José da Silva apontou para outra contradição. A cerca de duas
centenas de metros da barragem, dois pilares de betão estavam vincados no
leito, agora quase seco do rio Sever. Foram erguidos durante a construção da estrutura
destinada à produção de energia eléctrica, para suportar um passadiço por onde
circulavam as viaturas pesadas que transportavam materiais para a obra.
Concluídos os trabalhos, as autoridades espanholas desmontaram o tabuleiro da
ponte que nos dias de hoje poderia assegurar a ligação entre Montalvão e
Cedillo.
Como esta obra
está na fase de avanços e recuos, o autarca de Montalvão defende a construção
de uma outra ponte sobre o rio Tejo, que ligue Montalvão à Beira Baixa. “Sem
comunicação, não podemos aspirar ao desenvolvimento da actividade económica nos
territórios raianos” reforça José da Silva.
OPINIÃO
É a água,
estúpido!
Com Portugal
ameaçado na sua existência pela seca, é surpreendente que nenhum político em
campanha tenha ainda referido esta questão de vida ou de morte.
António Sérgio
Rosa de Carvalho
9 de Abril de
2019, 20:44
Em época de
eleições, eleitoralismo. Este é um “clássico” a que a classe política nos
habituou. O país tem andado dominado por uma avalanche de revelações a que a
Comunicação Social, sempre saudosa do glorioso episódio do “Watergate”, já
apelidou de “Familygate".
Com pingue-pongue
eleitoralista ou sem, a dimensão e escala do nepotismo no PS ultrapassa o
imaginável, e ultrapassa muito a simples acusação de
“aristocracia/oligárquica”, para atingir o perfil omnipresente de “Dono Disto
Tudo” da democracia portuguesa, ou seja, de grande “gestor” das conquistas de
Abril.
Não que este
fenómeno seja exclusivo do PS, pois é uma tendência verificada em toda a classe
política, mas é o PS que agora é Governo e pretende ser, de novo, Governo.
Mas isto em
relação ao tema deste artigo é secundário, e apenas muito importante pelo facto
de que em plena campanha eleitoral para o Parlamento Europeu as mentes andam
ocupadas por estas fragilidades da democracia representativa, precisamente num
momento em que esta é ameaçada por uma inédita crise de credibilidade e de
confiança, numa Europa onde o comum cidadão se sente ameaçado e manipulado por
uma globalização galopante, que o deixa desprotegido, enfraquecendo
progressivamente o seu direito ao trabalho e à habitação. Sentindo-se, ele,
traído pela esquerda, esta também globalizada, que substituiu a sua tradicional
moral e as suas preocupações sociais pela questões “fracturantes” e colocou
todo o seu engagement nas questões migratórias e o multiculturalismo.
Estes sentimentos
são também dirigidos à direita que se empenhou numa Europa Federalista, custe o
que custar, guiada por uma outra globalização: a do trânsito livre do trabalho
e do capital, inspirado pelos dogmas do neoliberalismo.
Pôs-se assim de
parte o equilíbrio original do mercado comum que defendia o princípio da
unidade europeia baseada na premissa e condição da diversidade cultural e
nacional entre os Estados-membros.
As presentes
tensões vindas de radicalismos populistas que apregoam a democracia directa e
que pretendem penetrar em massa no Parlamento a fim de o erodir e minar por
dentro, caos bem ilustrado no ensaio geral do “Brexit”, vai obrigar a UE a uma
reforma de elites, linha de conduta e objectivos.
Ora, é neste
contexto que Portugal é ameaçado na sua existência, não de forma temporária,
mas definitiva, pelas alterações do clima, que estão a tornar os ciclos de seca
cada vez mais frequentes, e segundo os avisos dos peritos, com tendência a
tornarem-se permanentes, quando afirmam que a Península Ibérica está a evoluir
para um padrão de clima do Norte de África.
Este mesmo diário
tem dedicado grande atenção à questão do Tejo, e da nossa dependência total da
boa ou má vontade de Espanha que controla grande parte da água e dos caudais em
Portugal, através da “gestão” das suas barragens e necessidades de regadio
através de transvases massivos da indispensável e preciosa água.
É, portanto,
surpreendente que nenhum político em campanha tenha ainda referido esta questão
de vida ou de morte.
Paulo Rangel teve
o desplante surpreendente de afirmar categoricamente, numa conferência
organizada pelo Jornal de Notícias na Casa da Música, no Porto: "Há-de
chegar um dia em que não vai haver Portugal.” Preocupação, profecia ou
ilustração de uma campanha para as eleições europeias? Perdoai-lhe,
senhor...
Historiador de Arquitectura
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